Rio Grande do Norte, quinta-feira, 28 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 4 de março de 2010

Babies

Uma oportunidade para insights sobre igualdade e diferença

postado por Tecelão

Uma oportunidade para insights sobre igualdade e diferença

Está previsto para estrear em 2010 o filme Babies (Bebês), um documentário dirigido por Thomas Balmes, não muito conhecido, mas suspeito que esteja prestes a dar uma (no mínimo pequena) guinada em sua carreira cinematográfica com esse que promete ser um belo filme e que já está fazendo algum sucesso na internet.

A premissa do filme é simples e muito interessante: acompanhar o desenvolvimento de quatro bebês recém-nascidos, desde o nascimento até o primeiro aniversário; cada criança nasce e vive num lugar diferente da Terra: Ponijao é de Opuwo, na Namíbia; Mari é de Tóquio, Japão; Bayar é de Bayanchandmani, Mongólia; e Hattie é de San Francisco, EUA.


Babies

Embora haja muito poucos detalhes disponíveis sobre essa obra, basicamente detalhes de produção e um trailer divertido, podemos adiantar alguns pensamentos a respeito, pelo menos, da ideia de se fazer um documentário com essa criativa premissa.

O trailer já deixa evidentes os dois aspectos opostos e complementares que apreendemos da visão de quatro crianças de diferentes culturas: as semelhanças e as diferenças.

A cena de dois bebês africanos brigando é muito familiar para nós do Ocidente. Quando brincam com animais, todos os bebês têm algo em comum, uma mão desajeitada explorando com audácia a parte animada do mundo. Ao rastejar, engatinhar e enfim caminhar, qualquer bebê mostra que todos nós temos um início de trajetória parecido na vida (além de nos ensinar a origem comum da espécie humana, descendente de vertebrados reptilianos que se tornaram mamíferos quadrúpedes e enfim primatas).

Mas ao mesmo tempo vemos que os seres humanos têm que ser reconhecidos pela singularidade dos grupos e indivíduos. No trailer, podemos vislumbrar, neste aspecto, apenas detalhes que diferenciam o ambiente em que vive cada criança, coisas que em cada lugar servem aos mesmos propósitos básicos da vida humana. Certamente, vendo o filme completo, poderemos enxergar melhor os aspectos locais que determinam o desenvolvimento de um caráter cultural específico, e essa será a parte mais interessante, pois tocará num ponto antropológico fundamental.

Para concluir, gostaria de apresentar uma preocupação epistemológica que pretendo levar comigo para a sala de cinema (ou para minha TV, quando tiver o DVD), que diz respeito a uma abordagem corrente segundo a qual, observando bebês, poderíamos perceber aquilo que é cultural e distingui-lo daquilo que é biológico no Homo sapiens, como se um recém-nascido estivesse na condição de tabula rasa.

Em condições normais, todo ser humano anda, mas não aprende a andar sozinho; todo ser humano fala, mas não aprende a falar sozinho; todo ser humano estabelece relações com outros seres, mas essas relações estão regidas por regras culturais específicas que só podem ser aprendidas através dessas próprias relações. Enfim, observar bebês nos primeiros estágios de vida não nos permite apreender de forma óbvia aquilo que é universal (que tanto pode ser biológico como cultural) daquilo que é específico (tanto em relação à cultura específica que identifica os conterrâneos quanto às experiências pessoais que tornam cada indivíduo único).

Estou inclinado a considerar que aquilo que há de comum em todos os seres humanos é um amálgama entre condições biológicas e condições culturais. A cultura é a natureza humana e a natureza humana é resultado da cultura. As Estruturas Antropológicas do Imaginário, de Gilbert Durand, ajuda a vislumbrar como uma coisa mexe na outra. O que quero dizer com isso tudo é que o documentário Babies provavelmente servirá mais para nos trazer insights sobre essas questões do que evidências para uma teoria.

Anyway, há alguma coisa em nós, seres humanos (talvez o haja em outras espécies), que nos faz ficar encantados com as feições infantis de um filhote de Homo sapiens (e de outros filhotes também). Só isso já proporcionará uma experiência agradável para os espectadores desse documentário. Bebezinhos fofos…

[Texto publicado originalmente na Teia Neuronial, em 26/12/2009 e.c.]

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Tecelão

Pseudoufólogo e temporariamente terráqueo. Escreve sobre racismo, gênero e sexualidade e outras questões antropológicas ligadas à Ficção Científica. Autor do blog Teia Neuronial.

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