Rio Grande do Norte, quinta-feira, 25 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 1 de fevereiro de 2012

Os Descendentes

postado por Mario Rasec

Confesso que nunca gostei de George Clooney, sempre me incomodava uma certa expressão cínica que ele insistia em manter, ou era incapaz de mudar isso, incapaz de fazer um drama que pudesse convencer o público da seriedade do seu personagem. Entretanto, ele conseguiu me surpreender no ótimo Um Homem Misterioso (The American, 2010) de Anton Corbijn (Control), o que foi a meu ver, seu melhor momento como ator, pois conseguiu passar ao público, sem grandes esforços, toda a angústia contida do solitário assassino de aluguel do filme. Mas não é sobre o filme de Corbijn que vou falar, mas sim no concorrente ao Oscar deste ano, Os Descendentes.
Após uma brevíssima introdução num primeiro plano que mostra o rosto alegre de uma personagem ser interrompida bruscamente para um plano todo negro e depois uma sala de hospital, e a mesma personagem inconsciente, ligada a aparelhos, somos apresentados ao advogado Matt King (Clooney) e sua esposa Elizabeth, a personagem da introdução. Com a narração em off, Matt nos explica sua situação: com a mulher em coma, ele tenta manter a esperança que ela acorde (esperança esta que logo será descartada), enquanto isso, co-herdeiro com seus vários primos de um cobiçado terreno numa praia do Havaí ao qual ele gerencia a venda por meio bilhão de dólares, ele ainda tem que tentar se reaproximar das duas filhas, o que mostra ser uma tarefa muito difícil, mas encontra em uma delas uma inesperada ajuda. Para piorar seu estado emocional, ele ainda tem que lidar com uma revelação sobre a vida da sua mulher.

Com toda a complexidade de emoções e responsabilidades que carrega o protagonista, Clooney consegue ministrar isso com maturidade, sabendo equilibrar momentos de humor e de dor sem apelar a clichês melodramáticos (o momento em que ele sai correndo depois da revelação da filha a respeito da própria mãe é um misto de humor e desespero dado a ambiguidade dos seus gestos). Qualidade esta também da direção. Pois, sabendo introduzir inúmeros momentos de humor sem ofender a seriedade do drama em que se encontram os personagens, Alexander Payne nos oferece um filme simples, apesar da complexidade do drama do protagonista. Além de mostrar seu talento ao exibir técnicas cinematográficas que enriquecem a projeção, sabendo usufruir de elipses nos momentos certos, planos gerais que mostram um Havaí nunca visto pelo cinema, interessantes transições de planos etc. Em diversos momentos a câmera de Alexander Payne passeia sobre objetos e fotos, ora para acentuar a vida da mulher em coma, ora para mostrar as gerações que antecederam o protagonista.
Dois momentos em particular me chamam a atenção, três na verdade, um deles é a forma como o diretor passa de uma cena a outra, quando ele mostra o protagonista preste a fazer um discurso sobre sua decisão a respeito da venda do terreno. O que poderia ser um longo e redundante clichê é substituído por uma apropriada elipse que, com as costas do protagonista em primeiro plano, o diretor modifica apenas o cenário e os personagens que estavam diante do ator. Ou seja, usando as costas do protagonista como elo entre dois planos completamente opostos. Outro momento, menos sutil talvez, é quando a personagem de uma das suas filhas recebe a noticia, enquanto toma banho numa piscina suja (detalhe este que reforça a ideia do distanciamento anterior do pai a respeito da família) que os aparelhos que mantém a mãe viva serão desligados. Com o desespero da notícia, a câmera mergulha junto com a personagem, e, debaixo d’água, mostra seu choro diluído pela imensidão da água que lhe rodeia.
A última cena que me chama atenção é, na verdade, o último plano em que a família está diante da TV. Achei interessante a direção em que os personagens estão voltados. Não vemos o que eles estão vendo, mas eles estão voltados para nós, o público que está terminando de assistir o filme, como se o diretor quisesse dizer que agora nós poderemos voltar a ser os protagonistas do nosso próprio drama. Como quisesse reafirmar a veracidade do filme que acabamos de assistir, como algo que poderia ter acontecido com qualquer um de nós, salvo as devidas proporções (ao menos que alguém na platéia seja herdeiro de um terreno bilionário no Havaí).

 

Título original: The Descendants (EUA , 2011)
Direção: Alexander Payne
Roteiro: Alexander Payne, Nat Faxon
Elenco: George Clooney, Judy Greer, Shailene Woodley, Matthew Lillard, Beau Bridges, Robert Forster.

Mario Rasec

Designer gráfico, artista visual, ilustrador e roteirista de HQs. Autor de Os Black (quadrinho de humor) e de outras publicações.

One Response

  1. Dyego saraiva disse:

    um filme com momentos belos, bem pontuados pelo colunista. É um filme sobre grandes decisões, sobre o “live large” (da esposa) contra a vida controlada do marido. Vários temas universais bem trabalhados sem ser clichê ou forçado. Não merece o Oscar, mas merece ser visto.

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