Rio Grande do Norte, sexta-feira, 29 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 26 de fevereiro de 2012

Pery da Bossa Nova

postado por Carta Potiguar

Por Paulo Afonso Linhares,

 

Bem mais pobre, sem dúvida, ficou o Brasil nesse 24 de fevereiro de 2012: calou-se cerimoniosamente a voz maviosa de Pery Ribeiro, um dos grandes artistas brasileiros cuja vida foi marcada desde o nascimento, pois era filho de pais famosíssimos cujos desencontros desencadearam momentos importantes para a música popular brasileira e traumas nos meninos Pery e Bily, filhos do casal Herivelto Martins, cantor e compositor, e da cantora Dalva de Oliveira, que tiveram uma infância atribulada em virtude das enormes brigas do casal famoso, mesmo depois de já separados. Pery Oliveira Martins, nascido em 1937 (dizia-se, no meio artístico, que ele não nasceu, apenas estreou…) iniciou sua carreira artística aos três anos de idade, participando da dublagem de filmes de Walt Disney, ao lado de sua mãe Dalva de Oliveira, que emprestava sua bela voz à Branca de Neve, enquanto o pequeno Pery era a voz ao anão Dengoso.

Aos quatro anos, estreava no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e a partir de então construiu uma sólida carreira de cantor, compositor, ator de cinema. Como se numa catarse das atribulações que a vida lhe impingiu, escreveu um livro de memórias Minhas duas estrelas, em parceria com sua esposa Ana Duarte, em que de forma comovente e sem tergiversações narra as vidas de seus pais.

Menino prodígio, era inevitável que se transformasse num dos grandes cantores brasileiros, de voz singularíssima. Enfim, seguir cantando, como fizeram seus pais, foi algo natural para esse cantor que, embora continuasse a produzir musicalmente, não era mais conhecido do grande público, sobretudo, dos jovens. No entanto, deixou uma sólida herança musical recheada de algumas particularidades: a primeira gravação de “Garota de Ipanema” foi feita por Pery Ribeiro, em 1963, pela Gravadora Odeon. Antes, porém, em 1961, lançou um 78 rpm com “Manhã de Carnaval” e “Samba de Orfeu”, ambas composições de Luiz Bonfá e Antônio Maria. Fez registro, ainda, nesse mesmo ano, de canções como “Barquinho” (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli), “Lamento da lavadeira” (Monsueto, Nilo Chagas e João Violão), e “Inteirinha” (Luís Vieira).

No entanto, a obra essencial de Pery Ribeiro foi o seu primeiro LP, “Pery Ribeiro e seu mundo de canções românticas”, gravado em 1962, quando foi acompanhado pelo magnífico violão de Luís Bonfá, em que registra canções como “Meu nome é ninguém” (Haroldo Barbosa e Luiz Reis), “Caminhemos” (Herivelto Martins), “Outono chegou” (Luiz Bonfá e Maria Helena Toledo), “Alguém como tu” (Jair Amorim e José Maria de Abreu), “Só louco” (Dorval Caymmi) e “Esquecendo você” (Tom Jobim), entre outras. O estilo, a voz singular e o altíssimo nível artístico de um Pery Ribeiro de apenas vinte e cinco anos são, no entanto, a grande surpresa desse primeiro long play que, nem bem veio a lume, se transformou num dos clássicos de MPB. Tem paralelo com esse trabalho o LP “Pery é todo bossa”, de 1963, que marca a primeira das mais de duas mil gravações de “Garota de Ipanema” e que fez dele o grande arauto da bossa nova. Ele gravou doze LPs dedicados à Bossa Nova. Ao lado de Leny Andrade e a convite de Sérgio Mendes, Pery Ribeiro de aproximou do jazz quando, partir da década de 1970, viajando pelo México e Estados Unidos. Morou com a família muitos anos em Miami, porém, em 2011 fixou residência do Rio de Janeiro.

Sobre Pery Ribeiro disse Arturo Sandoval, trompetista cubano de nacionalidade norte-americana: “Pery is an excellent singer with a beautiful voice and great taste”. (Pery é um excelente cantor com bonita voz e grande gosto). Pouco tempo antes de morrer, em 2011, Billy Blanco, arquiteto, músico, compositor e escritor brasileiro, deixou registrado: “Pery é feito de música, letra e muito amor em tudo que faz, em tudo que vive. Nascido de uma cantora e de um menestrel do século XX, que cantaram o Brasil e o mundo, Pery traz consigo o mar, que é da cor dos seus olhos, o céu, cuja vastidão está no seu canto de tamanha beleza e expressão quando canta o amor da mulher amada, a vida que é o seu tudo e a terra brasilis que mereceu tê-lo como filho querido. Todo o amor do mundo está contido em Pery, no seu canto, na sua flauta e em letra e música tão bem dosadas quando escreve uma canção. E não podia ser diferente do que foi dito, em nada, porque além da arte total que o envolve, a noção de amor a seu público é tão grande, que se reflete no seu trabalho acabado, na sua constante busca da perfeição, o que, a cada instante mais o aproxima de Deus. Digo do fundo do coração que, Pery Ribeiro, vale uma benção.” E daqui, dizemos nós: ave, Pery Ribeiro.

Carta Potiguar

Conselho Editorial

Comments are closed.

Sociedade e Cultura

A queima do Alcorão e o direito à profanação

Sociedade e Cultura

Walter Benjamin e o "Caveirão" de Brinquedo