Rio Grande do Norte, terça-feira, 23 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 3 de março de 2012

Histórias Cruzadas

Oscar de melhor atriz coadjuvante para Octavia Spencer, o filme surpreende mesmo é com a ótima atuação de Viola Davis ao mostrar o relato das empregadas afro-americanas nos início dos anos 1960.

postado por Mario Rasec

Histórias Cruzadas não é necessariamente um filme histórico (embora esteja bem ambientado na história norte-americana), mas talvez uma caricatura do não tão distante passado racista do sudeste dos EUA. Um racismo defendido até pela própria lei do estado do Mississipi. O que não deixa, é claro, de nos chocar em coisas que o filme não exagera. A realidade no Mississipi era pior do que mostrado no filme no que diz respeito à intolerância contra a população negra naquele país e naquela época.

Vendo desse modo, não surpreende que a superficial e irritante Hilly Holbrook, interpretada por Bryce Dallas, se assemelhe a uma vilã da novela das oito. Com suas amigas “dondocas”, suas futilidades e seu jeito blasé, as personagens parecem inspiradas numa comédia oitentista da Sessão da Tarde ou num cartoon de Hanna-Barbera. Talvez o humor (também mostrado no elenco negro por meio da personagem de Octavia Spencer) possa ser ofensivo aos defensores mais radicais dos Direitos Humanos. Mas acho que, de vez em quando, devemos rir um pouco da estupidez humana e mostrar o ridículo que há em uma pessoa racista. Nada é mais estúpido do que o racismo, e não há no mundo algo que tenha provocado mais crueldades.

Dosando o filme com risos e lágrimas, o diretor e roteirista Tate Taylor adapta o best-seller “The Help”, da escritora Kathryn Stockett. Ele reproduz na tela quase como um Mississipi em Chamas (1988) para o público feminino em que o racismo é mostrado de saias e laquês. A intenção do diretor parece ser a de externar o ridículo dos pensamentos e comportamentos racistas no grupo de mulheres: elas exigem, por exemplo, banheiros diferenciados para os proprietários brancos e os serviçais negros, como se alguma doença pudesse partir desses últimos e contaminar seus filhos. Estes mesmos filhos, criados, de geração em geração, pelas empregadas negras, que dedicam tanto ou mais amor (como é um dos casos) do que seus pais brancos. E é motivada por esse detalhe que a recém-formada em jornalismo Skeeter (Emma Stone), que, como todas as mulheres brancas do filme, também foi criada por uma “afro-americana”, decide escrever o livro que dá o título original ao filme. Ela narra a forma que empregadas negras, naquela sociedade hipócrita e racista, eram tratadas. A hipocrisia chega a tal ponto que, numa festa beneficente para as crianças negras, é proibida a entrada de negros. Ficam excluídos desta proibição, é claro, aqueles que estão servindo os brancos. Para a realização do seu projeto, Skeeter encontra em Abileen (a excelente Viola Davis) a narradora perfeita, tanto para seu livro quanto para a própria narração em off do filme. Por outro lado, Minny surge como um certo alívio cômico. Embora a personagem, em sua condição de mulher que apanha do marido (detalhe este mal explorado), também se mostra trágica. Afinal, não devemos nunca esquecer que é uma época trágica para a sociedade negra dos EUA.

A direção de arte tem o cuidado de contrastar a sociedade aristocrática à população negra. Vivendo em pleno século XX, os empregados negros e (pessimamente) assalariados ainda são tratados como escravos, mesmo tendo importância decisiva na criação dos filhos da aristocracia branca. Ainda assim, são invisíveis em todo o resto, principalmente quando, com comentários racistas, os patrões os denigrem sem se importar com a presença deles.

Se em alguns momentos o filme parece artificial ao tentar forçar as lágrimas do público, ele é muito bem sustentado pela ótima interpretação de Viola Davis, que dá seriedade e emoção genuína ao filme.

 

The Help (EUA, 2011 – 146 min)

Direção e roteiro: Tate Taylor

Elenco: Emma Stone, Viola Davis, Octavia Spencer, Bryce Dallas Howard, Jessica Chastain, Ahna O’Reilly, Allison Janney, Anna Camp, Chris Lowell, Cicely Tyson, Mike Vogel

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Mario Rasec

Designer gráfico, artista visual, ilustrador e roteirista de HQs. Autor de Os Black (quadrinho de humor) e de outras publicações.

One Response

  1. Priscilaadelia disse:

    Esse filme pode até não ser um dos melhores que concorreram ao Oscar, mas ele consegue tocar. Só isso já vale à pena assistir. Eu não pensei duas vezes.

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