Rio Grande do Norte, sábado, 20 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 15 de março de 2012

A Copa é Nossa

postado por Túlio Madson

A blogosfera, a twittosfera e todas as esferas da internet potiguar foram sacudidas nos últimos dias por uma série de questionamentos acerca da viabilidade da Copa do Mundo de Futebol em nossa ilustre cidade. A série de reportagens “Areia Movediça, a Copa sob as Dunas” realizada pela ESPN enterrou o mito de que os preparativos para o evento estavam se dando de modo pacífico e planejado, como queriam que acontecessem nossos governantes e parte de nossa isentíssima imprensa, qualquer questionamento acerca do andamento das obras era respondido de imediato com o sagrado sermão: “as obras estão dentro dos cronogramas apresentados à FIFA” como se isso, apenas, bastasse.

Antes de tudo, quero deixar bem claro que não sou contra a realização da Copa na capital potiguar, acredito que boa parte dos natalenses também não, mas sou contra a forma como nossa cidade está se preparando para esse evento. E sei que muitos conterrâneos fazem coro comigo nesse aspecto. Precisamos fomentar o debate em torno das consequências, dos ganhos, e do legado que teremos com um evento de tamanha magnitude e impacto.

Ora, vamos mesmo assistir passivos e inertes a consolidação de que, de fato, nosso único legado seria um estádio com potencial de tornar-se um elefante branco (segundo o próprio TCU)? Criamos uma Secretaria Especial, gastamos uma bolada em eventos bajulatórios para os caciques da FIFA, e tudo apenas por um estádio e quatro partidas de um mundial de futebol? Isso mesmo serão QUATRO partidas do mundial em nossa cidade, estamos entre as cidades sede com menos partidas.

E não é apenas com o legado que devemos nos preocupar, mas também com as perdas e os gastos (alguém ai sabe PRECISAMENTE quanto custará a Copa em Natal?). Como se não bastasse, famílias vivem hoje na angústia de perder suas casas, e não sabem ainda nem sequer quanto ou quando irão receber por sua indenização, nem tampouco quando serão despejados.

Compreendo que desapropriações são necessárias, mas o modo como elas estão sendo feitas não é apenas arbitrário, é, em muitos casos, desumano. A população que está sendo diretamente afetada com as obras não pode arcar com o seu ônus.

As casas devem ser corretamente avaliadas, a preço de mercado, e as famílias previamente indenizadas, elas não podem e não devem, pagar pela Copa 2014. Já não basta terem suas casas confiscadas e destruídas, com todo o prejuízo emocional que isso acarreta, ainda têm que entregá-las a um preço muito abaixo de mercado, ou trocá-las por uma casa em um conjunto habitacional distante?

Além disso, quase todas as obras de mobilidade urbana, como a duplicação da Av. Prudente de Morais, já estavam previstas, assim como o aeroporto de São Gonçalo do Amarante. A Copa serviu apenas para que elas fossem financiadas com mais facilidade. Tais obras, não são necessariamente um “ganho” da Copa, tão somente foram viabilizadas com maior celeridade devido a ela. Além disso, precisamos pensar não apenas nas vias e nos corredores viários, mas, sobretudo, em um eficaz sistema de drenagem (a Copa começará ainda na época das chuvas). Do que adianta afinal de contas vias largas e bem cuidadas se estiverem alagadas? Garantir a drenagem também é obra de mobilidade urbana.

O último governo do estado (PSB) fez uma licitação no final do mandato para a construção do estádio, licitação essa deserta. Posteriormente, já no novo governo (DEM) uma nova licitação foi aberta, e de novo não houve empresas interessadas. Quando Natal já estava na iminência de perder sua condição como cidade sede, eis que entra em cena uma palavrinha mágica: “royalties do petróleo”, que passaria a ser usada como garantia para o investimento feito pelas empreiteiras. E apesar dessa tentadora contrapartida do governo, surge APENAS uma interessada no negócio, a grande salvadora da Copa em Natal: a construtora OAS empresa fundada pelo saudoso ACM, pertencente hoje ao seu genro César Mata Pires (o que a rendeu o carinhoso apelido de “Obrigado Amigo Sogrão” no mundo da engenharia). A empresa possui fortes e históricas ligações com o DEM na Bahia, e, paradoxalmente, é uma grande financiadora de campanhas do PT (entre diversos outros partidos). Uma empresa de reputação “ilibada” com centenas de processos de investigação no TCU por indícios de uso inapropriado de recursos públicos. Será que os contratos firmados para a construção do estádio passariam impunemente por um criterioso processo de apuração? Jamais saberemos se ficarmos apenas na crítica pela crítica e não passarmos logo a ação.

A Copa do Mundo é o maior evento esportivo do planeta, e nós não temos nenhum histórico expressivo em organizações de eventos dessa magnitude, nem mesmo em nível nacional, quiçá em nível global. Mas nós temos capacidade para isso? Claro que temos! Se houver um diálogo transparente com toda a sociedade natalense, debatendo os problemas e arregimentando soluções, longe dos escusos gabinetes das secretarias, podemos, sim, fazer desse evento um marco em nossa história e um cartão de visitas primoroso de nossa cidade para o mundo. Mas, se os preparativos para um evento desse porte ocorrerem da forma como estão ocorrendo, a chance de passarmos por um vexame perante o mundo existe – e é grande. O legado da Copa 2014, mais do que obras estruturantes, consistirá em divulgação, na consolidação de nossa cidade como um destino turístico internacional, atraindo investimentos e gerando emprego e renda.

A Copa em nossa cidade é um fato (ponto). Nós iremos irrevogavelmente sediar o mundial, vamos parar, então, de chorar, de resmungar, de pensar pequeno, de desmerecer o evento; é hora de arregaçar as mangas, hora de propor, de construir.  Precisamos de mais transparência, mais participação, mais diálogo, mais informação, mais planejamento, mais ação, mais propostas, sobretudo, mais fiscalização e menos arrogância, menos despreparo, menos proselitismo, menos demagogia, menos morosidade, e principalmente, menos críticas vazias que a essa altura só serviriam para alimentar o ‘toma lá da cá’ eleitoreiro.

Precisamos pensar um projeto de cidade que transcenda um projeto de governo. Teremos eleições esse ano, e nós, sociedade civil, precisamos traçar a cidade que queremos; a Copa que queremos; as políticas públicas que queremos; a articulação aos incentivos aos nossos clubes que nunca tivemos. Independentemente de político ou partido A ou B que venham a ganhar as eleições.

E como começamos? Primeiramente, agrupando as pessoas em uma mesma plataforma. Para o natalense já tão familiarizado com as redes sociais, não será difícil, por exemplo, reunir-se em torno de uma hashtag no Twitter como comprovado ontem (14/03/2012) no twittaço realizado com bastante êxito que sem maiores dificuldades figurou na segunda colocação entre os assuntos mais comentados no Twitter Brasil.

Em seguida, é hora de debater, informar-se, reunir-se, congregar e cobrar as informações que atualmente se restringem aos corredores, aos gabinetes e às secretarias, cooptar os dados, pedir ajuda técnica e jurídica aos órgãos competentes se necessário. Se a Copa é nossa precisamos, antes de tudo, conhecê-la.

Feito isso é preciso mobilizar-se. Apenas com pressão política ocorrerão mudanças significativas. Poder-se-ia, por exemplo, exigir dos candidatos a prefeito que incluam em seus respectivos Planos de Governo as garantias que precisam ser dadas, e as mudanças que precisam ser feitas. Claro que não haverá consensos quanto a isso, mas se cada um se mobilizar por aquelas mudanças que julgam necessárias, mesmo que entremos em um turbilhão de ações dissonantes, ainda assim, será melhor do que a apatia em que nos encontramos.

A Copa que sediaremos não precisa apenas ser “para nós” isso ainda é pouco, ela precisa “ser nossa”. E para tanto, precisamos definir a Copa que queremos, e o legado que ela deixará, para que um dia possamos, sem remorso, olhar para esse momento de nossa história e nos orgulharmos de não apenas termos abrigado o maior evento esportivo do mundo, mas feito dele o maior evento de nossa história. E isso, vai depender apenas de você, não do governo. Comece…

Túlio Madson

Colunista na Carta Potiguar desde 2011. Professor e doutorando em Ética e Filosofia Política pela mesma instituição. Péssimo em autodescrições. Email: tuliomadson@hotmail.com

5 Responses

  1. Dyego saraiva. disse:

    Tudo feito por aqui é amador e tacanho, eu me sinto como filho do Homer Simpson, essa cidade é o Homer, nós, Bart Simpson.

  2. Túlio Madson disse:

    Talvez seja assim porque temos essa mentalidade.

  3. Erik disse:

    Parei de ler quando li “compreendo que desapropriações são necessárias”.

    • Clarige disse:

      Se voce conseguir conceber uma obra de mobilidade urbana (necessaria para descongestionar nossas vias) sem nenhuma desapropriacao, voce certamente eh um genio da engenharia.

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