Rio Grande do Norte, sexta-feira, 29 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 17 de março de 2012

“Bandido bom é bandido morto!”: a violência homicida do RN e suas mazelas (Parte I)

postado por Carta Potiguar

Por Thadeu Brandão*,

 

Sente-se, nos dias atuais, um clima de insegurança pública. Os jornais, as mídias televisivas, escritas e eletrônicas alardeiam e mostram cotidianamente os eventos: assaltos, roubos, furtos e homicídios.  O cidadão, mesmo que nunca tenha sofrido qualquer tipo de violência, sente-se indefeso e busca no Estado – ou no gigantesco aparato de segurança privada que aumenta vertiginosamente a cada dia –  uma sensação de segurança. Diante do quadro, setores significativos da população, notadamente da classe média, se armam e buscam defender seu patrimônio material e suas vidas neste aparente quadro hobbesiano de “guerra de todos contra todos”.  Gritam-se aos quatro ventos: “bandido bom é bandido morto”.

Alguns pontos devem ser esclarecidos antes de entrar no cerne da questão, ao menos sob a forma de uma reflexão mais ampla.

Primeiro, por mais que espante o leitor, vivemos na época mais segura da história humana. Isso mesmo. Corroborando os dados históricos, nunca se matou tão pouco. As prováveis taxas de homicídios e de criminalidade durante a história sempre foram altas. Com o processo que Nobert Elias chamou de “civilizador”, houve um decréscimo da violência contínua, aliado a um crescente aumento das maneiras de agir mais conciliatórias. Isso tudo coincidindo, obviamente, com a emergência dos Estados Nação e sua monopolização da violência legítima. Guerras e salteadores eram presença constante na vida das pessoas antes disso. Na Europa, por exemplo, as taxas caíram em mais de 1000% somente nos últimos 100 anos. O Brasil, apesar dos alarmantes quadros de violência, também sofreu essa queda continuada que ainda não parou.

Segundo, criminalidade é um fenômeno difícil de medir cientificamente. Os dados apresentados são apenas uma pequena fatia da realidade, onde a maior parte dos delitos cai naquilo que os criminólogos chamam de “buraco negro criminal”. O maior causador desse problema é a subnotificação dos delitos por parte da população. Outro fator são as políticas de combate à criminalidade que estão sujeitas às pressões políticas de cada país, região ou cidade. Em geral, o que temos são amostras insuficientes até mesmo para apontar tendências, principalmente na realidade brasileira. Daí a opção pelo homicídio como indicador de violência. Cadáveres falam por si. São a amostra mais brutal da realidade violenta.

Assim, qualquer avaliação mais acurada da violência ou da criminalidade passa, pelo meu entender, pelo estudo dos homicídios. Neste sentido, a situação brasileira ainda é extremamente grave. A Europa apresenta uma média de 1 homicídio para cada 100 mil habitantes. Os Estados Unidos, por sua vez, são seis vezes mais violentos: 6/100 mil habitantes. O Brasil vai muito mais além. Estamos em cerca de 25 homicídios por 100 mil habitantes, um dos maiores índices do mundo.

Além de alto, o perfil da ampla maioria das vítimas é socialmente excludente: homem, de 14 a 24 anos, pardo ou negro, pobre ou miserável, segundo o Mapa da Violência 2011. Esse é o retrato mais nu e cru desse processo que Loic Wacquant chamou acertadamente de “criminalização da pobreza”. Pois não apenas este é o perfil das vítimas de homicídio, mas também da absoluta maioria dos apenados do sistema penal tupiniquim. Mata-se e prende-se muito no Brasil. Sabemos quem são as vítimas e os “bandidos”. Advêm do mesmo grupo social, sujeito a mais criminalização e preconceito.

Não caro leitor. Preto, pobre e jovem não é perfil de criminosos potenciais. Esse é o perfil de vítimas potenciais de um processo de exclusão social mais amplo que historicamente nos acompanham desde tempos coloniais. Sei que pode estar pensando: “e nós que sofremos com isso?”. Estatisticamente, se você estiver fora deste perfil, suas chances de morrer assassinado são cerca de 40 vezes menores.

Fixo-me na questão dos homicídios por escolha metodológica. Por isso, vamos trazer mais um ponto. Natal tem uma taxa de cerca de 35 homicídios por 100 mil habitantes, bem acima da média nacional. Assustou-se? Mossoró, de onde escrevo, tem o dobro da taxa natalense. E porque não vemos isso nos noticiários de forma alarmante? Porque o perfil de quem morre não interessa à média da população. Ao contrário, justificamos e legitimamos essas mortes com o argumento de que as vítimas escolheram seu destino, pois viraram “bandidos”.

A questão é que, quando fala-se em “bandido”, referimo-nos ao perfil supracitado. Não falamos dos estelionatários, rufiões, agiotas, corruptos, etc., que passeiam em seus carrões, moram em seus apartamentos de luxo e transitam nos mais caros restaurantes. Eles não são “ameaças públicas”. Embora representem um dano econômico e social enorme em suas ações criminosas, não são taxados como tais. Um desvio de verba da saúde pode levar (e leva!) à morte um sem número de pessoas. Um dano incomparável frente a um ladrão de celular. Mas, repito, este último enquadra-se no perfil que, socialmente, representa uma ameaça.

Assim, o “Bandido morto bom” é o bandido pobre, pardo ou negro. Afinal, os colarinhos brancos não invadem nossas casas e nosso sagrado patrimônio. Nos roubam na surdina e dentro de uma legitimidade sócio-cultural onde ainda são chamados de “doutor”.

 

*Prof. Dr. Thadeu de Sousa Brandão
Grupo de Estudos Desenvolvimento e Violência – GEDEV
Departamento de Agrotecnologia e Ciências Sociais – DACS
Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA

Carta Potiguar

Conselho Editorial

6 Responses

  1. Lucasmsn10 disse:

    Bandido bom é bandido preso. 

  2. Daniel disse:

    Algumas consideraçoes sobre o texto, primeiro, dizer q “vivemos na epoca mais segura da historia humana. de acordo com dados”. a que serie de dados estatisticos o senhor se refere? segundo, dizer que a sociedade aplaude quando o ladrao de celular é morto, mas relativiza quando se fala do ladrao de colarinho branco é um equivoco, so por paramentro, quem assistiu tropa de elite 2 no cinema, percebeu que o ponto alto do filme, com aplausos efusivos da plateia, se deu na hora que o coronel nascimento parou o carro do secretario de segurança do rio e deu uma surra merecida no pilantra. a sociedade quer sim ver acontecer com o ladrao de terno o mesmo destino dispensado ao ladrao de celular caro autor, apenas ainda nao apareceu um “coronel nascimento” para mandar pro saco preto os pilatras do colarinho branco, so isso, o grande problema é que a sociedade nao aguenta mais ser roubada por todos os lados e nada acontecer, em que pese a policia ter muitos homens valorosos que querem trabalhar, os que tem poder de decisao nao permitem isso, e entao vivemos essa fase de apaludir quem por um momento que seja da o gostinho de dever cumprido. esqueça essa conversa de ladrao coitadinho que é preto, pobre e nao teve oportunidade, a mim nao interessa a cor, faixa etaria, ou condiçao economica, enquanto vivermos num pais onde as pessoas de bem vivem feito sanduiche, com ladrao nas camadas de baixo e mais ladrao ainda nas camadas de cima vou ter que aplaudir a morte de todo e qualquer ladrao. tenho certeza que boa parte da sociedade vibra quando o plantao da globo entra pra anunciar a morte de algum politico com a mesma intensidade que vibra com os programas policiais anunciando um bandido a menos na terra.

  3. Marcelo Sales disse:

    Engraçado, quando um juiz ou empresário desvia, sonega, se locupleta de recursos da saúde ou educação não aparece ninguém pra dizer que bandido bom é bandido morto. Parabéns ao autor pelo artigo, muitos só defendem a lei de talião quando esta é para bandido pobre e negro. Está explicito o preconceito de classe. Bandido bom é bandido recuperado, acredito no processo civilizatório e não na selvageria hipócrita de muitos. Citar plantão da Globo (não existe racismo no Brasil) pra discordar do autor é triste. 

  4. Daniel disse:

    Marcelo acho que voce nao entendeu o que eu escrevi, eu defendo a lei de taliao principalmente pra juiz, empresario, deputado, lula, fhc, ou qq outro ladrao que roube dinheiro publico, e tenho certeza que a grande maioria tambem aprova, o Brasil é o pais do futuro a 500 anos, a 500 anos a educaçao é a soluçao para todos os nossos males e quem nao sabe disso? e ai, o que acontece, sabe o que, nada, eu vivo no brasil real, e aqui prisao nao recupera, a educaçao jamais sera prioridade papai noel nao existe assim como coelinho da pascoa, citei a globo porque infelizmente esse tipo de ladrao quando morre é por causa natural e ainda é reverenciado pelo plantao da globo, ah sim, quando quiser me criticar o faça de forma direta sem meias palavras, aceito discutir desde que baseado em ideias sempre, mas nao se omita, o brasil ta assim porque tem muita gente se omitindo das coisas

  5. Daniel Menezes disse:

    Daniel, acho que o Marcelo fez referência a essas comemorações efusivas em decorrência da morte do assaltante.
    Ora, o mesmo não acontece quando o “criminoso” processa o ato em outras condições.
    Além disso, é bom imaginar que procuramos condições mínimas de igualdade porque não somos bichos. Queremos uma humanidade para todos e não para alguns, inclusive, para eu e vc.
    É importante lembrar que, no final das contas, vivemos em sociedade e é uma sociedade que forma os seus indivíduos. Nossa sociedade é responsável pela formação dos maiores gênios da humanidade, como também do assaltante que foi morto.
    Entendo o seu desespero e a angústia daqueles que se aperreiam com a violência, mas o combate a violência no formato “bandido bom é bandido morto”… só vai trazer mais mortes, meu caro, mas não no âmbito da classe média.
    Até porque as atividades dos mais pobres costumam a ser mais criminalizadas. Entenda. Não é que eles sejam mais criminosos, mas que eles são mais facilmente enquadrados como criminosos.
    Os prontuários das delegacias estão cheios de exemplos. Se duas pessoas de classe média brigam é em decorrência de uma “desavença”, mas se dois pobres brigam… a conduta não é classificada com nem um eufemismo. Ela é enquadrada como CRIMINOSA.
    Outro exemplo: é comum as pessoas serem presas portando drogas. Nos bairros de classe média, média alta, o “playboy” é enquadrado como usuário e logo é solto. Já nos bairros periféricos isso não é enquadrado da mesma forma. As estatísticas mostram que o enquadramento como “traficante” é mais utilizado entre os pobres do que entre as outras classes sociais, mesmo que essas pessoas sejam presas com a mesma quantidade de drogas. Pq? Pq a cabeça do policial e das instituições afrouxam para o rico e apertam para o pobre.
    Por isso, meu caro, que “bandido bom é bandido morto”, na medida em que os pobres são criminalizados, bandido bom morto é pobre, pardo ou negro.
    No final das contas, você acaba, ainda sem querer, defendendo uma tese de limpeza social e não de combate a violência.
    O filme 174 é bom para refletir um pouco a respeito.
    Abç.

  6. Daniel disse:

    D. Menezes, entendo seus argumentos, mas vamos la, tudo tem dois lados, primeiro ser pobre nao consta da constituiçao como um atenuante pra cometer crime, alias se ser pobre fosse motivo pra ser bandido ja estariamos em guerra civil concorda? conheço gente muito mais pobre ou tao pobre quanto esse bandido morto que ao inves de ta roubando ta na ufrn fazendo engenharia eletrica por exemplo, Daniel, essa “coitadizaçao” sinceramente mais atrapalha do que ajuda esses marginais a nao se meterem com o crime, ate porque nao consigo entender, pois vamos la, o cara é pobre e entra para o crime pra que, pra virar viciado em crack, pra matar pelo simples prazer de matar, sim isso acontece, nunca vi nenhum desses pobres, pardos ou “coitadinhos” morrerem roubando lata de leite ou saco de feijao, sim é verdade quando o mesmo tipo de crime é cometido por alguem um pouco mais abastado a policia tende a tratar de forma diferente, pra mim ta errado, bandido bom sempre vai ser bandido morto, independente de condiçao social e vejo que isso tem muito amparo na sociedade pelo que citei no caso do filme tropa de elite 2, com relaçao ao filme que voce citou, vejamos aquele moleque foi fruto muito da escolha dele mais do que sua condiçao de pobre, oportunidade pra ser alguem ele teve ou nao teve, e o que ele escolheu, o crime, qual o destino que ele esperava, ganhar uma coroa de louros, que a sociedade entendesse ele? desculpa mas essa historia de limpeza etnica? nao mesmo.

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