Rio Grande do Norte, quinta-feira, 25 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 30 de março de 2012

Sobre o problema dos gatos

postado por Carta Potiguar

Texto originalmente publicado aqui e como comentário de “Resposta ao artigo ‘Morte aos gatos’”.

Por Félix Maranganha

A Academia é pautada em ideologias, mesmo que não percebamos isso. Sociologia divide-se entre Maxistas e Anti-Marxistas. Letras tem uma guerra entre Tradicionalistas e Pós-Modernos. Filosofia é mais acirrado ainda, pois há pelo menos oito grupos em guerra, a saber: RealistasNominalistasMarxistasFenomenologistasAnalíticosEstruturalistasConceptualistas e Teórico Críticos. Mas existem duas correntes ideológicas padrão na Academia, que perpassam todos os cursos, grupos e setores, que vez por outra conseguem causar mais debates que quaisquer outros. Trata-se da guerra entre Fofistas e Especistas.

A diferença entre ambos pode parecer simples, mas envolve uma complexa rede de elementos biológicos da qual os seres humanos menos esclarecidos ainda não conseguiram se desvencilhar: o apego à fofura. Na pré-história esse apego foi importante para forçar os pais a preservar seus filhos (que nasciam fofos como todos os mamíferos). Hoje, isso virou ideologia.

De um lado temos o Fofismo. Essa ideologia se caracteriza pelo apego expressivo, público e quase irracional, incentivada por seus praticantes, a pequenas criaturas peludas, penudas ou felpudas conhecidas como gatos, cães, pombos, pardais ou qualquer outra criatura viva que atenda a seus ditames estéticos. Se a criatura não atender à sua visão estética de mundo, deve ser eliminada por representar um perigo real à sua segurança: ratos, carrapatos, urubus, gambás, cobras, escorpiões, baratas e outros seres vivos, alguns naturais ao ambiente onde são encontrados, mas perseguidos como qualquer pária ecológico. Animais peludos, felpudos e penudos, claro, não transmitem doenças, são fofinhos demais para representar algum perigo real!

De outro lado temos o Especismo. É caracterizado pela visão de mundo mais realista, porém mais arrogante. São geralmente pessoas que acham que Deus criou a humanidade como entidade superiora às demais criaturas e, por isso mesmo, a única dotada de valores como ética, direito à vida, alma e razão. Os especistas atropelariam um gato arbitrariamente pelo simples prazer de matá-los, assim como justificam todo e qualquer desmatamento em nome do progresso humano. Que importa se animais selvagens sã prejudicados no processo? Afinal, o que importa é o progresso econômico de um país!

Mas as aparências enganam. Muitos fofistas praticam atos de crueldade animal piores que o nazismo, e muitos especistas criam gatinhos em casa com o maior amor e carinho. O que os diferencia são os valores básicos do que consideram prioridade ética humana.

Os fofistas estabeleceram uma responsabilidade ética a falsamente ampla que qualquer criatura fofa assume prontamente uma posição superior à de qualquer outro ser humano. Talvez, por isso, tenhamos tanto Movimento Contra o Genocídio de Gatos nas Universidades, enquanto permanecem praticamente cegos ao genocídio humano na África, às ditaduras árabes, ao trabalho escravo na Ásia ou ao tráfico humano na Europa. Para os fofistas, a fofura de um gatinho recém-nascido é prioridade, a criança africana magra (e por isso mesmo menos fofa) não é prioridade.

Os especistas estabelecem uma responsabilidade ética mais estrita, mas estrita a tal ponto que qualquer ser humano que não possam ver ou ouvir diretamente, e tocar, deixa de ser prioridade. Sua percepção se fecha apenas em dar esmolas no ônibus, em alimentar um pittbull acorrentado no quintal, e em defender Direitos Humanos para Humanos Direitos. Enfim, os especistas consideram prioridade apenas aqueles que lhes interessam ou que possam beneficiar ou prejudicar a eles.

Eu discordo de ambos os lados. Primeiro, porque não considero um ser humano superior a um gato, um cão ou mesmo um rato. Segundo, porque pratico um sistema ético que vê com igualdade todas as criaturas (o Budismo). Terceiro, porque sou terminantemente contra a morte arbitrária de qualquer ser vivo (o que inclui seres humanos). Porém, é mais difícil levar o fofista ao esclarecimento que o especista. Por quê? O especista, basta demonstrar pela lógica que seu argumento tem furos e que ele próprio sai prejudicado (como demonstrar por estatísticas ou afirmar que problemas sociais como a violência decorrem da adoção em massa de concepção de mundo como a dele). O fofista é mais complicado, pois mesmo diante de todos os argumentos, sua emoção fala mais alto, e ele sempre protegerá os animais bonitinhos e fofinhos que não têm culpa de estar ali, na universidade.

O problema específico do fofismo

O que os fofistas esquecem é que a prioridade de uma espécie deve ser ela mesma. Se sobrar tempo e recursos a essa espécie, então aí sim poderemos priorizar outros seres vivos. Nisso, assumo a posição de que enquanto existirem no mundo fome, guerras, escravidão, perseguição, cerceamento da liberdade e doenças simples não-erradicadas, de modo algum irei priorizar uma população de gatos ou de cães na UFPB ou onde quer que seja (é o apelo que também faço aos especistas, que ampliem um pouco suas concepções de responsabilidade ética). Se uma população de animais bonitinhos e fofinhos que não têm culpa de estar ali começa a aumentar ao ponto de se tornar vetor principal de toxoplasmose, raiva, leptospirose, DAG, sarna, brucelose, calazar, criptococose, larva migrans e alguns tipos de gripe, então nada mais natural que controlá-la. Quem defende o tratamento amplo e irrestrito a todos os animais da população esquece o quanto é antieconômico fazer isso (não em termos pecuniários, mas em perda de tempo e gasto improdutivo de energia). A melhor saída de todas é controlar a população! Para isso, pode-se realizar o sacrifício (humano, é claro) de uma parte da população, e castrar a outra parte.

Mas há quem ache isso um genocídio, pois os animais bonitinhos e fofinhos que não têm culpa de estar ali seriam exterminados em pequenas versões de Auschwitz voltadas para gatos, cães e pombos. Os fofistas esquecem que há uma diferença bem clara entre genocídio e controle. Em um genocídio, uma pessoa elimina arbitrariamente, apenas porque acha o outro mais feio, mais baixo, mais escuro, menos ela mesma. Ou seja, no genocídio, as razões são a inadequação interpessoal, sendo os parâmetros de adequação definidos de forma arbitrária. No controle, a variável é outra: os seres mortos no controle são vetores de doenças e ameaças claras à saúde humana, e mesmo deles (qualquer estudo biológico sério aponta que a superpopulação de qualquer espécie é mais danosa que benéfica para a mesma). Logo, é genocida quem tem raiva de gatos e resolve matar todos na cidade. Faz controle quem sabe que o animal é vetor de doença e pretende manter a população na quantidade mais segura possível. Isso nos leva a outro ponto: mosquitos são inadequados e, se são mortos por vetorizarem doenças, e os gatos, que também vetorizam, não são mortos, significa que os fofistas praticam o especismo, pois suas razões são arbitrárias, e não justificadas.

Os mesmos fofistas hipócritas que defendem o direito dos gatos, os vermifugam. Querem salvar dez mil gatinhos urbanos bonitinhos e fofinhos que não têm culpa nenhuma de estar na cidade da morte arbitrária nas mãos dos Sádicos Especistas Assassinos Cruéis Genocidas, mas matam cem mil vermezinhos não bonitinhos e não fofinhos que também não têm culpa de estar ali. Carrapatos, baratas, ratos e vermes morrem só porque são menos fofos que gatos, cães e pombos. São mortos não porque causam doenças, mas porque prejudicam a fofura do objeto de atenção do Fofismo.

Por isso que considero o Fofismo um ato de egoísmo: para fazer a manutenção de sua necessidade natural de pegar em algo fofo (acho que isso é tão perigoso e viciante quanto qualquer droga), um fofista é capaz de prejudicar uma pessoa por meio das doenças dos animais de rua que eles mesmos protegem e alimentam. Ao mesmo tempo, as mesmas pessoas que se mobilizam ardentemente contra o assassinato em massa de animais bonitinhos e fofinhos que não têm culpa nenhuma de estar ali, fecham os olhos para a morte de milhões de seres humanos de todos os tipos e em todos os continentes que, justo graças às mazelas em que se encontram, são menos bontinhos e menos fofinhos, e muitos deles (segundo os fofistas, é claro) devem ter culpa de estar ali.

Por isso acho que estou no mais incoerente dentre os mundos possíveis, em que os valores são invertidos em nome de correção política.

 

Félix Maranganha é filósofo, budista, sinuquista e fãde pimenta. É autor do blog O Calango Abstrato.

Carta Potiguar

Conselho Editorial

10 Responses

  1. Pedro Andrade disse:

    Boa argumentação.
    Gostei do termo fofismo rsrs.
    Vida longa ao debate e a troca de razões.Creio que a Carta tem cumprido bem a proposta de qualificar o debateacerca dos assuntos Potiguares e brasileiros.

    • O Fofismo é uma espécie de outro extremo em relação ao Especismo. É como o Racismo de Branco contra Negros e o Racismo de Negros contra Brancos: sabemos que ambos existem, mas fechamos os olhos para os segundos porque não são politicamente incorretos.

  2. Daniel Menezes disse:

    Caro,

    não concordo com algumas coisas específicas, mas no geral eu concordei. Assino embaixo também.

    Penso que há um PC Fundamentalista por trás do pensamento, que “defende os animais” do modo como alguns defenderam nos comentários anteriores.

    Eles se mostram como respeitadores da “vida irrestria”, mas dizem que irão me matar, me atropelr, em resumo, escrevem com a faca nos dentes. E isso é fundamentalismo. Quem não concorda: MORTE.

    Apresento alguns pontos, não contra o seu texto, que conforme já disse, assinaria embaixo. Mas contra os fundamentalistas do politicamente correto animal.

    01) não tô defendendo espancamento de gato. Apenas o seu controle.

    02) gosto de animais, mas prezo mais pelo meu semelhante. Por isso, prefiro controlar os gatos do que ver pessoas morrerem pela doença propagada pelo vetor da toxoplasmose, assim como o rato é veto da leptospirose.

    03) Eu pesei se o castramento em massa resolve. E, conforme pessoas que trabalham na área, sairia extremamente custoso e, além disso, operacionalmente ineficaz, pois imagine a “mão de obra”.

    04) Ainda assim, considerando o castramento, essa solução não seria de curto prazo. Ou seja, Natal ainda poderia ficar a mercê de epidemia de calazar (uma doença medieval!), tal como já ocorreu em outros momentos de nosso passado recente.

    05) se eu alimentasse inúmeros ratos pela cidade, as pessoas me chamariam de louco, impediriam a minha prática. No entanto, por um gatinho ter uma feição “fofística”, acham isso algo bom. Bonito. Bondoso. Na maior parte da europa, é proíbido alimentar animais de rua, pois isso, na prática, gera o aparecimento das doenças medievais.
    Há uma legislação clara para isso.

    06) Eu sei que pessoas compram cachorros, ou gatos e jogam na rua. Porque não prever algum tipo de multa, ou controle de tal situação também?!

    07) na prática, aqui em Natal, o controle populacional já existe. Soube que em Ponta Negra, bairro da  cidade, os moradores se juntaram e mataram os gatos sufocados dentro de sacos. E aí, vamos continuar fechando os olhos para essa situação, ou vamos utilizar a nossa inteligência para debater o problema?!

    • Caro Daniel,

      Primeiro, os Fofistas gostam (não se enganam, eles gostam mesmo) de confundir o controle com morte rápida e indolor de animais irrecuperáveis, com consequente disponibilização para adoção do contingente saudável por um tempo determinado, com o espancamento de animais. Eles “gostam” de pensar assim porque sabem que é falacioso, mas que é mais fácil para eles quando simplesmente demonizam os outros.

      Segundo, como bem afirmei acima, meu primeiro compromisso ético é com minha família, depois com outros seres humanos, depois com a humanidade, depois pelos demais animais e, por último, à natureza como um todo. Essa gradação evita justamente a inverção de valores.

      Terceiro, na resposta acima expliquei direitinho o quanto seria custoso: 40.000 funcionários, 20 bilhões de reais mensais em um trabalho que duraria 166 dias por ano. Nem a saúde do país inteiro daria conta.

      Quarto, Roma teve um surto de calazar nos anos 1990 por causa do contingente de animais de rua. Era costume na época alimentar os pombos, os cães e os gatos da cidade, quando se ia às praças. O resultado foi um contingente de animais superior ao esperado (toda população que encontra uma fonte de alimentos fácil aumenta de forma muito rápida). A solução de Roma foi exterminar esse contingente. Houve pressão contrária? Houve, mas fizeram mesmo assim. Cabra lá dava comida a cachorro de rua, era preso, fichado e cumpria pena!

      Quinto, imagina se você alimentasse as baratas na rua, ou distribuísse comida para os mosquitos da dengue, ou resolvesse que as lombrigas da cidade deveriam ser adotadas por seus respectivos hospedeiros?

      Sexto, sua solução de multa por abandono de animais é uma boa saída. Essa proposta é algo que está sendo usado na África do Sul, e lá está dando certo.

      Sétimo, não fazer o controle populacional ordeiro, profissional e humanitário é deixar com que situações como essas que você citou continuem, pois ninguém consegue ser mais cruel com um ser vivo que um idiota bem intencionado.

  3. Douglas Donin disse:

    “O que os fofistas esquecem é que a prioridade de uma espécie deve ser
    ela mesma. Se sobrar tempo e recursos a essa espécie, então aí sim
    poderemos priorizar outros seres vivos.”

    Isso é uma afirmação e tanto, e devo dizer que discordo dela veementemente. A prioridade de uma espécie capaz de comportamento moral deve ser o comportamento moral em si. O raciocínio moral liberta uma “espécie” (na verdade, libera o indivíduo) do comportamento estritamente animal, o deixa clara a inadequação da emulação do comportamento estritamente animal como fonte de ética (“X é moral, porque o leão também faz”, “Y é moral, porque os chimpanzés também fazem”).

    E, mesmo que não fosse, este argumento se sustenta sobre um entendimento equivocado. Biologicamente falando, uma espécie não tem, como espécie, prioridades. A prioridade de uma espécie não é “ela mesma”, e não existe algo como “instinto de preservação da espécie”. O que existe é “instinto de perpetuação dos genes”. Um ser vivo se reproduz, alimenta seus filhotes e seleciona melhores companheiros não em nome da espécie, mas de seus próprios genes.

    Não há base alguma para dizer que “a prioridade de uma espécie deve ser
    ela mesma”. É uma prioridade eleita arbitrariamente, inventada somente para o próprio texto. Sequer há algo como “espécie” fora da atividade taxonômica humana.

  4. Rayanne Azevedo disse:

    Félix,

    sobre o seu texto, hão de ser feitas algumas colocações.

    – primeiro você diz que os “fofistas” consideram genocídio a morte (ou controle, como queira – não deixa de ser morte) de gatos e quaisquer outros animais “fofos” que representem risco à saúde humana. Mas que isso não se trata de genocídio, e sim de controle, uma vez que 

    “Em um genocídio, uma pessoa elimina arbitrariamente […], as razões são a inadequação interpessoal, sendo os parâmetros de adequação definidos de forma arbitrária”, 

    enquanto o controle seria feito baseado na premissa de que 

    “os seres mortos no controle são vetores de doenças e ameaças claras à saúde humana, e mesmo deles”. 

    Ah, tá. Deixa eu ver se eu entendi… Aplicando essa sua lógica, eu chego à conclusão de que os leprosários nunca deveriam ter existido, e que qualquer portador de lepra deveria ser sumariamente executado, a fim de brecar o contágio em massa. (Vamos esquecer que existem soluções alternativas, afinal de contas elas são muito caras, economicamente inviáveis – são sempre inviáveis quando não se trata de algo que tenha ligação direta com nossos interesses – e, o pior: demandam inteligência e neurônios, algo que não estamos dispostos a gastar à toa, não é mesmo?). 

    Que dizer das pessoas contaminadas pela gripe suína? Em caso de epidemia, deveria o governo brasileiro construir câmaras de gás para solucionar o problema? Certamente haveria de ser providenciada uma morte muuuuito humana para esses pobres coitados, que sequer sentiriam dor…

    O mesmo valeria para a AIDS. Se não fossem mortos, os soropositivos poderiam simplesmente serem castrados, impedidos de reproduzir. Mas como o governo poderia ter certeza de que esses danadinhos não sairiam por aí fazendo sexo sem camisinha, contaminando os demais? Melhor seria exterminá-los também, né?

    A ladainha poderia se estender ad infinitum, e eu citaria outras várias doenças contagiosas, perigosas, medonhas e cunhadas com todos os outros adjetivos pejorativos que alguém puder conceber…

    – segundo ponto: logo depois dessa sucessão de argumentos esfuziantes, arrebatadores e imbuídos de sabedoria sobrenatural, você diz, entre parênteses

    “(qualquer estudo biológico sério aponta que a superpopulação de qualquer espécie é mais danosa que benéfica para a mesma)”Meu deus! Que dizer da espécie humana, então? Somos mais de sete bilhões, espalhados por tudo quanto é lugar deste planeta onde haja terra firme, sujeitando o planeta aos nossos caprichos mais banais, ignorando quaisquer consequências danosas para as demais espécies (e eu não me excluo desse rol de sujeitos, sei também da minha contribuição [?] voluntária-involuntária-consciente-e-inconsciente para a degradação de todas as formas de vida – inclusive os humanos – que habitam este globo que insistimos em maltratar).Olha, desculpa, mas por essa lógica eu também posso dizer que a superpopulação de humanos COM TODA A CERTEZA está sendo mais danosa do que benéfica. E olha só: somos nós mesmos que estamos causando a maioria dos males que nos afligem (e às demais espécies)! Que irônico, não é?- terceiro ponto:”Faz controle quem sabe que o animal é vetor de doença e pretende manter a população na quantidade mais segura possível.”Desculpa, mas preciso discordar. Controle é muito mais do que isso. Do jeito que você usa a palavra, parece mesmo um eufemismo, desculpa esfarrapada. Tipo “olha, não tem jeito, tem que matar. Ou eles ou nós”. Ah, bom! Eu achei que você tivesse dito, algumas linhas antes, que não considera”[…] um ser humano superior a um gato, um cão ou mesmo um rato”, porque pratica “um sistema ético que vê com igualdade todas as criaturas (o Budismo)”. Mas agir de acordo com esse princípio bonito é muito oneroso e inviável, né?Os seres humanos foram agraciados com a capacidade de pensar. Pois bem. Pensemos. Quer dizer que é só matar e pronto, foi resolvido o problema? Hmmm… Acho que não. Pensemos de novo. Por que tem tantos gatos/cães nos centros urbanos? Ao menos no caso desses animais em especial, a origem do problema é muito simples de ser identificada. São animais que passaram por um processo de domesticação (que ocorreu há anos, por livre e espontânea vontade dos nossos ancestrais!). E se estão na rua, é porque alguém os colocou na rua, ao deus-dará. E se estão se reproduzindo em progressão geométrica, é porque o dono não castrou. Oras! Os animais se guiam por instintos de perpetuação da espécie. Por isso se reproduzem com tanta rapidez. Esperar o oposto disso seria estupidez. E se têm tantos parasitas e doenças, certamente o fato de estarem inseridos em um ecossistema já muito degradado e desequilibrado deve ter algo a ver com isso, né? Porque o planeta sem a intervenção do homem se vira muito bem. Se virava há anos, milhares deles. Há formas e formas de se solucionar problemas como esses. Mas as melhores soluções, ao contrário do que se imagina, não surtem efeito da noite para o dia. É um processo. Educar as pessoas, ensinar a elas o respeito pelas outras formas de vida (especialmente aquelas que escolhemos levar para dentro do nosso convívio e que dependem claramente da intervenção humana para sobreviver, já que foram RETIRADOS há milênios do meio selvagem) e incutir um mínimo de bom-senso nas cabecinhas de todo mundo. Controle populacional é um paliativo. E só. Se a causa do problema não for resolvida, ele ressurge novamente dentro de pouco tempo.Acho engraçado como o humano cria os próprios problemas e depois tenta solucioná-los da forma mais cretina, desonesta e salafrária possível. Isso me entristece. É como se alguém jogasse um monte de bosta pra cima e depois se admirasse de ver a merda respingando sob a sua cabeça. Ah, uma coisa: vou desconsiderar o adjetivo “hipócrita” que você utilizou para qualificar os tais “fofistas”, só para não ter que dizer que, desculpa, mas por esse raciocínio, você se encontra no mesmo grau de hipocrisia quando diz que vê com igualdade todas as formas de vida e logo depois admite nas entrelinhas preferir humanos quando precisa fazer escolhas (embora eu não tenha nada contra isso). Porque, não sei se você percebeu, mas na sua argumentação há uma presunção grosseira, algo do tipo: “se é uma ameaça, tudo bem, eu me sinto no direito de decidir que é hora de acabar com a vida do amiguinho sarnento aqui, afinal de contas eu sou um humano (e estou acima de todo o resto que não é biologicamente igual a mim)”.Ah, outra coisa: vermes, carrapatos e outros parasitas não são exterminados por prejudicarem a fofice dos animais domésticos. Eles são agentes transmissores de doenças tão letais quanto a dengue hemorrágica seria para qualquer um de nós. (E nem adianta botar o carro fumacê para matar os mosquitos. Eles já passaram por tantas mutações que qualquer dia desses não vai ter veneno que dê conta. Porque a dengue – veja só, que coisa… – também é muito mais uma questão de educação prévia da população e de ações preventivas por parte de todos; poder público e cidadãos. Então, não é tudo tão preto-no-branco assim quanto você gostaria de acreditar).Por último, esse trecho aqui quase me fez desistir de tentar manter qualquer diálogo inteligente neste post:”as mesmas pessoas que se mobilizam ardentemente contra o assassinato em massa de animais bonitinhos e fofinhos que não têm culpa nenhuma de estar ali, fecham os olhos para a morte de milhões de seres humanos de todos os tipos e em todos os continentes que, justo graças às mazelas em que se encontram, são menos bontinhos e menos fofinhos, e muitos deles (segundo os fofistas, é claro) devem ter culpa de estar ali”Gostaria muito de saber que autoridade você tem pra fazer uma afirmação tão infeliz. Sobre essa discussão há um texto muito elucidativo, o qual me sinto na liberdade de reproduzir na íntegra:”Quem faz esta pergunta [no seu caso, essa afirmação, o que é ainda pior, porque se afirma como certeza, beirando a arrogância] admite que existem dois tipos de pessoas no mundo:As Pessoas Que Ajudam e as Pessoas Que Não Ajudam.Além disso, admite também que faz parte das Pessoas Que Não Ajudam, afinal, do contrário, diria “Por que não me ajudam a defender as crianças com fome?”, ou “Venham defender comigo as crianças com fome!”, ou “Não, obrigada, vou defender as crianças com fome”.Então ela se coloca claramente através de sua escolha de palavras como uma Pessoa Que Não Ajuda.É curioso a Pessoa Que Não Ajuda, não faz nenhum esforço para ajudar, mas, sim, para tentar dirigir as ações das Pessoas Que Ajudam. É bastante interessante. Se eu fosse até sua casa organizar sua vida financeira sob a alegação de que eu sei muito mais sobre administração familiar eu estaria interferindo, mas ela se sente no direito de interferir nas ações que uma pessoa resolve tomar para aliviar os problemas que ela encontra ao seu redor.
    É uma Pessoa Que Não Ajuda, mas ainda assim quer decidir quem merece ajuda das Pessoas Que Ajudam e o nome disso é ‘prepotência’.2) Pessoas Que Ajudam nunca vão ajudar as “crianças com fome”. Nem tampouco os “velhos”, os “doentes” ou os “despossuídos”. E sabe por que?
    Porque “crianças com fome” ou “velhos” ou qualquer outro destes é abstrato demais. Não têm face, não são ninguém. São figuras de retóricas de quem gosta de comentar sobre o estado do mundo atual enquanto beberica seu uisquezinho no conforto de sua casa.Pessoas Que Ajudam agem em cima do que existe, do que elas podem ver, do que lhes chama atenção naquele momento. Elas não ajudam “os velhos”, elas ajudam “os velhos do asilo X com 50,00 reais por mês”.
    Elas não ajudam “as crianças com fome”, elas ajudam “as crianças do orfanato Y com a conta do supermercado”.
    Elas não ajudam “os doentes”, elas ajudam o “Instituto da Doença Z com uma tarde por semana contando histórias aos pacientes”.
    Pessoas Que Ajudam não ficam esperando esses seres vagos e difusos como as “crianças com fome” baterem na porta da sua casa e perguntar se elas podem lhe ajudar.
    Pessoas Que Ajudam vão atrás de questões muito mais pontuais.
    Pessoas Que Ajudam cobram das autoridades punição contra quem maltrata uma cadela indefesa sem motivo.
    Pessoas Que Ajudam dão auxílio a um pai de família que perdeu o emprego e não tem como sustentar seus filhos por um tempo.
    Pessoas Que Ajudam tiram satisfação de quem persegue uma velhinha no meio da rua.
    Pessoas Que Ajudam dão aulas de graça para crianças de um bairro pobre.
    Pessoas Que Ajudam levantam fundos para que alguém com uma doença rara possa ir se tratar no exterior.
    Pessoas Que Ajudam não fogem da raia quando vêem QUALQUER COISA onde elas possam ser úteis. Quem se preocupa com algo tão difuso e sem cara como as “crianças com fome” são as Pessoas Que Não Ajudam.3) Pessoas Que Ajudam são incrivelmente multitarefa, ao contrário da preocupação que as Pessoas Que Não Ajudam manifestam a seu respeito. (Preocupação até justificada porque, afinal, quem nunca faz nada realmente deve achar que é muito difícil fazer alguma coisa, quanto mais várias).

    O fato de uma Pessoa Que Ajuda se preocupar com a punição de quem burlou a lei e torturou inutilmente um animal não significa que ela forçosamente comeu o cérebro de criancinhas no café da manhã. Não existe uma disputa de facções entre Pessoas Que Ajudam, tipo “humanos versus animais”.

    Geralmente as Pessoas Que Ajudam, até por estarem em menor número, ajudam várias causas ao mesmo tempo. Elas vão onde precisam estar, portanto muitas das Pessoas Que Ajudam que acham importante fazer valer a lei no caso de maus-tratos a um animal são pessoas que ao mesmo tempo doam sangue, fazem trabalho voluntário, levantam fundos, são gentis com os menos privilegiados e batalham por condições melhores de vida para aqueles que não conseguem fazê-lo sozinhos.

    Talvez você não saiba porque, afinal, as Pessoas Que Ajudam não saem alardeando por aí quando precisam de assinaturas para dobrar a pena para quem comete atrocidades contra animais, que estão fazendo todas estas outras coisas, quase que diariamente. E acho que é por isso que você pensa que se elas estão lutando por uma causa que você “não curte”, elas não estão fazendo outras pequenas ou grandes ações para os diversos outros problemas que elas vêem no mundo. Elas estão, sim. E se fazem ouvir como podem, porque sempre tem uma Pessoa Que Não Ajuda no meio para dar pitaco.
    Então, como dizia meu avô, “muito ajuda quem não atrapalha”. Porque a gente já tem muito trabalho ajudando pessoas e animais que precisam (algumas até poderiam ser chamadas tecnicamente de “crianças com fome”, se assim preferem os que não ajudam).”Reproduzido daqui: http://bichinhosprecisamdelar.blogspot.com.br/2011/04/porque-nao-vao-ajudar-criancas-com-fome.htmlNo mais, era isso. 

    • Ok, respondendo às falácias:

      Primeiro, há uma diferença muito grande entre matar um animal que não faz parte de sua espécie para garantir a segurança e a saúde de sua espécie, e matar um indivíduo de sua própria espécie quando existem meios de solucionar o problema bem mais à mão. O ser humano resolve boa parte de seus problemas com simples mudanças culturais, algo que é praticamente impossível com outras espécies domésticas (à exceção, claro, do papagaio-do-congo). Por isso mesmo, um leproso não pode ser sumariamente executado porque ele pertence à espécie humana, que é prioridade aos demais humanos. Logo, como no meu texto apontei de antemão a diferença de valor entre um humano e um cão do ponto de vista do humano (ou seja, humanos que gastem 300 reais mensais para alimentar um gato enquanto que na calçada há um ser humano que não tem nem 2 reais para comer por dia é, desde já, antiético). Se mais de 90% da população humana contraísse lepra, seria economicamente inviável tratar de todos um a um, obviamente, e todos sabemos que uma das ações da OMS nesses casos é a quarentena geográfica(isolam-se os infectados e os saudáveis que estiverem nas áreas infectadas). A própria OMS prevê também ações drásticas para tratar do problema, mas apenas quando se a situação fugir do controle. Por quê? Porque é economicamente inviável.

      Vejamos: se cada castração de cada animal custar 3 reais, além dos remédios de ministração individual, que dificilmente custam menos de 10 reais, além da ração e do processo de redirecionamento às famílias, cada cão, gato e pombo custará cerca de 250 reais aos cofres públicos (ou individuais). Ao mesmo tempo, a pessoa na sua calçada continua com 2 reais por dia para comer. Multiplique isso por todo o contingente de animais abandonados no Brasil (cerca de 80 milhões), e você terá 20 bilhões de reais gastos só para evitar que pequenos animaizinhos morram (claro que na hora, um fofista não faz as contas, mas 250 reais é o que se paga mensalmente para manter qualquer animal dentro das exigências estabelecidas por qualquer órgão de defesa específico). Isso é o dobro do que se gasta no Brasil com a saúde de Seres Humanos!!!!!

      Além do mais, cada ministração de cada animal é algo em torno de 2 minutos. Se colocarmos 40.000 pessoas responsáveis (que serão pagas, não existem tantos voluntários no Brasil) para tratar desses animais, levando em conta de que devem ser veterinários formados para evitar que cometam erros, então serão 4.000 horas dedicadas ao atendimento desses animais, algo em torno de 166 dias em ritmo de plantão. Isso, claro, se pensarmos apenas em exame, vermifugação, registro e redirecionamento, pois se formos pensar em castração, esterilização, exames mais complexos e controle de temperamento, pode subir o atendimento individual para 6 a 15 minutos. Um médico brasileiro padrão do SUS leva 5 minutos para examinar cada paciente, e nem mesmo chega a tocá-lo.

      Sem falar da energia. A energia é um vetor de ação. Se você empurra uma parede, você está lançando energia sobre ela, que é devolvida a você. Lei da Ação e da Reação. Ao se dirigir a alguém com agressividade, você está usando uma energia, e terá uma reação nesse respeito. Se qualquer estado gasta 20 bilhões de reais e um mínimo de 166 dias apenas para tratar da ATUAL geração de cães, gatos e pombos, cujas gerações se renovam todos os anos, a despeito da castração que desfiramos sobre eles, então teremos o mesmo acontecendo no ano seguinte, e no ano seguinte, e no seguinte. Enfim, terminamos com um contingente animal além do que podemos controlar, e acaba, mais uma vez, sobrando a única alternativa de sacrificá-los.

      Por isso, seu argumento de equiparação nas ações entre humanos e animais morre aí, pois o foco dos humanos deve ser os humanos. O excedente de recursos usados em humanos é que deve ser usado para lidar com os animais. Nenhum animal substituiria outro de sua própria espécie para tratar de humanos (se um chimpanzé, considerado um animal esclarecido, não substitui outro chimpanzé por um humano, por que fazemos isso em relação a cães e gatos?).

      Segundo, não existe essa lógica e aquela lógica, minha lógica e a sua lógica, o que existe é a lógica. Nela, eu digo que “Se A então B”, de modo que, se A for verdadeiro e B for falso, a assertiva é falsa, e temos assim uma falácia. Nesse sentido, uma lógica que lide com humanos e animais é uma lógica que lida com valores e graus valorativos, e esses graus valorativos têm um referente. O referente dos valores humanos é o homem, e não o cão. Se um homem dá mais valor a um cão, aí temos o que finalmente se configura em filosofia como inversão de valores. Logo, mesmo que sejamos um perigo real ao planeta, a solução mais branda encontrada DEVE ser usada com os humanos, em uma gradação a outras espécies de acordo com a situação apresentada.

      Terceiro, o que seria um controle? É nada mais que verificar e separar em categorias. Alguns animais estão em grau avançadíssimo de algumas zoonoses, o que nos obriga a sacrificá-los, outros não, pois para esses há tratamento. Os que não estão nessa situação? Serão devolvidos às ruas? Não! Serão disponibilizados à adoção. E os que não forem adotados? Simples, ou sacrifica, ou sacrifica, afinal, nenhum estado, em sã consciência, ficaria sustentando um gato doente que custa o dobro de um ser humano para o SUS. O problema é que, nesse caso, é realmente OU ele OU nós, afinal, manter a população de animais muito alta é pedir para ficar doente, é pedir para que outros seres humanos fiquem doentes, é inverter valores. Se não dá a mínima para os seres humanos, não viva entre eles, não coma a comida que eles produzem, não viva nas casas em que eles constróem e não use a língua que eles usam. É muito fácil inverter valores quando existe uma porrada de outros seres humanos que te olham como um igual.

      Quarto, quando for me citar, e houver uma negativa, cite-a toda, pois a frase que usei foi “não considero um ser humano superior a um gato, um cão ou mesmo um rato”. Portanto, seja mais honesto. Visto sua desonestidade nesse argumento, nem me darei ao trabalho de responder, pois a picaretagem no método invalida todo o resultado.

      Quinto, as “soluções gradativas que não surtem efeito da noite para o dia” poderiam dar certo há vinte anos, quando o contingente animal nas ruas eram algo em torno de 10 milhões, e não de 80 milhões. O alto número de animais de rua somado ao descaso de anos sobre o assunto não nos deixa outra alternativa senão exterminar uma parte e esterilizar outra.

      Sexto, a forma mais cretina, desonesta para resolver um problema é jogar um animal numa universidade porque lá existem idiotas úteis que podem alimentá-los e que não se importam se eles ou os estudantes contraírem alguma doença. Isso sim é cretino e desonesto, negligente, estúpido e perigoso. E lembremos que quem jogou os animais na rua e que quem os alimentou não fui eu.

      Sétimo, o adjetivo hipócrita se aplica bem ao caso, principalmente ao seu, que usa de desonestidade argumentativa para tentar derrubar argumentos, usando meias frases, deduzindo da forma errada as premissas que você mesmo lançou aqui, e tudo isso para me acusar de falacioso. É o que acho engraçado em você. Não sou hipócrita quando digo que todos são iguais, mas que meu foco são os humanos. Hipócrita seria se eu defendesse a vida dos pobres gatinhos e, quando minha gata parisse, os despejasse na universidade. Eu afirme veementemente que não há diferenças entre um ser humano e um rato, mas prefiro usar ratoeiras a usar venenos para ratos, pois os venenos causam dores terríveis aos pobres animais, enquanto que a ratoeira mata instantaneamente. Lembremos que um animal carnívoro não se considera superior à sua presa, ele apenas mata porque é necessário. É o caso aqui apresentado.

      O engraçado é você também afirmar:

      “vermes, carrapatos e outros parasitas não são exterminados por prejudicarem a fofice dos animais domésticos. Eles são agentes transmissores de doenças tão letais quanto a dengue hemorrágica seria para qualquer um de nós”.

      E isso encerra minha intervenção, pois, uma vez que uso o mesmo argumento para justificar a morte de cães, gatos e pombos, e você usa os mesmos argumentos para defender a morte de vermes, carrapatos e outros parasitas, termino citando a mim mesmo neste artigo:

      “mosquitos são inadequados e, se são mortos por vetorizarem doenças, e os gatos, que também vetorizam, não são mortos, significa que os fofistas praticam o especismo, pois suas razões são arbitrárias, e não justificadas.”

  5. Pedro disse:

    O texto vende uma aura de erudição, e está preenhe de generalizações vagas e excessivas, bem contrárias aliás ao que talvez fosse a opinião de um budista com tal grau de discernimento.  Ou a erudição é oca, ou o budismo é da boca pra fora. Das “duas relevãncias e quatro certeza”, se falta delas a primeira..

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