Rio Grande do Norte, sexta-feira, 19 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 23 de abril de 2012

Melancolia: O Mundo Acaba em Nós

Diferentemente de filmes como "O Dia Depois de Amanhã" ou o remake de "Guerra dos Mundos", o cinema-catástrofe de Von Trier é profundo e foge do lugar comum.

postado por Carta Potiguar

Por Theo G. Alves

(Autor do blog Museu de Tudo)

MelancoliaNão hesito em dizer que o dinamarquês Lars Von Trier é um dos melhores e mais interessantes diretores de cinema dos últimos anos. Mesmo tendo a fama de diretor cruel e detestado por seus atores, tendo feito e dito coisas – muitas vezes – deploráveis, cinematograficamente Von Trier é dos mais criativos e interessantes diretores e roteiristas de hoje. Em Melancolia, ele reafirma suas qualidades e se resigna do quase intragável O Anticristo, marca negativa em sua carreira – ainda que o filme tenha aspectos cinematográficos e semióticos muito bem construídos.

Melancolia é um filme sobre o fim do mundo, um filme-catástrofe, no entanto não se trata de “mais um” filme sobre o fim dos tempos. Diferentemente de coisas como O Dia Depois de Amanhã ou o remake de Guerra dos Mundos, o cinema-catástrofe de Von Trier é profundo e foge do lugar comum.

A história se dá a partir da ostentosa festa de casamento de Justine, belissimamente interpretada por Kirsten Dunst. O evento é o plano de fundo para que possamos conhecer seu personagem: uma publicitária promissora que já não reconhece mais seu lugar no mundo prático do trabalho, das relações familiares ou amorosas. O dia do casamento é uma metáfora para o fim do mundo. Os momentos que o sucedem apresentam Justine em uma profunda melancolia, ponte muito bem desenvolvida pelo diretor/roteirista. Entenda-se também que não há aqui uma postura frívola de Von Trier deliberadamente contra o casamento, como aquelas que acusam o matrimônio de “instituição falida” ou outros clichês. Ainda que os pais divorciados da noiva representem visões antagônicas sobre o destino da filha e, no caso da mãe, radicalmente contra o casamento, ambos representam muito mais o desejo desregrado pela vida (o pai, interessante atuação de John Hurt) e o desprezo por ela (a mãe). Há, talvez, uma sugestão de que o ser humano está fadado ao fracasso ou à insatisfação em qualquer instância.

Aliás, duelos como esse são uma constante no filme: o principal deles entre as irmãs Justine e Claire (muito bem vivida por Charlotte Gainsbourg, que empresta as doses milimétricas e precisas de dor e agonia aos personagens criados por Von Trier, tanto em O Anticristo como em Melancolia). O medo de Claire diante da possibilidade do fim do mundo é um paralelo para sua excessiva preocupação com o sucesso da festa de casamento de sua irmã mais nova oferecida por seu marido John (vivido por um Kiefer Sutherland felizmente distante do policial durão que costuma interpretar na tevê).

Melancholia

Image 1 of 5

A partir do comportamento dos personagens durante a festa de casamento, passamos a conhecê-los bem e podemos perceber o estofo que se cria para suas futuras ações diante da ameaça iminente. Por isso, a primeira hora de filme, que pode parecer solta e sem propósito para espectadores mal acostumados com a narrativa rápida e linear do cinema americano, encontra plena justificativa com o desenrolar dos acontecimentos, que dão conta da assombrosa aproximação de um planeta até então desconhecido da Terra. O risco de colisão entre ambos e o consequente fim do mundo em que vivemos é real e, a partir dele, mergulhamos num pequeno nicho isolado do resto das populações para entendermos a catástrofe por uma ótica microcósmica: Justine, Claire, John e o filho do casal.

Von Trier foge do clichê filme-sobre-o-fim-do-mundo de maneira interessante: não há furacões, terremotos, prédios gigantescos sendo engolidos pela Terra, crateras e tsunamis arrasadores; também não há populações desesperadas, saques, grandes heróis ou cientistas homéricos que se dispõem a lutar para salvar o planeta. O que há são quatro pessoas vivendo em uma casa de campo, afastadas das cidades e de suas populações, compreendendo o fim do mundo de maneira particular e humana. A menção de fatos exteriores é breve: uma página na internet, um comentário na televisão e um empregado da casa, que não aparece para trabalhar.

Embora distante da apresentação ampla da catástrofe, Von Trier consegue fazer o espectador entender as sensações e ambiguidades dos comportamentos humanos diante da tragédia, e faz isso com três elementos que o cinema blockbuster parece desconhecer ou não dominar: ótimas interpretações (embora por métodos terríveis, o diretor sempre obtém grandes interpretações dos atores que dirige), um roteiro muito bem escrito e uma câmera nervosa que lida sem cansaço com planos-sequência.

O conflito estabelecido entre Justine e Claire oferece momentos de reflexão dos mais interessantes a respeito de como nós somos diferentes ou de como recebemos e atuamos complexamente na vida. E uma coisa não escapa ao espectador: o amor excessivo à vida é tão detestável quanto o total desprezo por ela.

 

Imagens: Melancholia/Press Kit

Carta Potiguar

Conselho Editorial

Comments are closed.

Artes

Relato sobre Natown

Artes

Metal Open Air - Vergonha e preconceito