Dos recentes desdobramentos da epopeia envolvendo o bicheiro Carlinhos Cachoeira – que incluem agora questionamentos sobre os honorários do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e a convocação de dois governadores para depor na CPMI em andamento -, destacam-se as recentes afirmações do ministro Gilmar Mendes de que, em um encontro com Luís Inácio Lula da Silva, foi pressionado pelo ex-presidente a adiar o julgamento do chamado Mensalão para, em troca, ser blindado na apuração dos fatos envolvendo Cachoeira e Demóstenes, de quem o ministro possui grande proximidade.
Algumas indagações sobre a conduta do ministro surgiram naturalmente após suas inusitadas afirmações; estranha, sobretudo, o lapso com que Gilmar trouxe a estória a tona, considerando que o encontro a que se refere foi realizado em 26 de abril, aproximadamente um mês antes da denúncia.
Estranha mais ainda o fato de, em que pese ter nomeado a maioria dos ministros que hoje compõem a Suprema Corte, ter Lula procurado logo o mais conservador e antipetista de todos, e a partir da pressuposição de que sabia que mantinha relações com Demóstenes – e, por tabela, com Cachoeira – em virtude de alguns supostos voos que fez a Goiás e a Berlim na companhia do senador. Segundo Gilmar, isto, para Lula, teria sido a incontornável prova de que o ministro e Cachoeira tinham umbilicais vínculos afetivos, fato que aguçou o ímpeto chantagista do ex-presidente, inocente ao achar que o ínclito ministro Gilmar sucumbiria a sua indecorosa proposição de, sozinho, adiar o julgamento do Mensalão, do qual nem relator é.
Passado
O passado de Gilmar Mendes é tão ilustre quanto a função que hoje ocupa na estrutura dos três poderes. Advogado-Geral da União no governo FHC, Mendes se notabilizou por ser uma espécie de pitbull do governo tucano, fazendo uma defesa raivosa da gestão peessedebista a ponto de, por várias vezes, bater boca com magistrados, procuradores e políticos que se posicionaram de alguma forma contra os interesses dos então ocupantes do Palácio do Planalto.
A convicção com que Mendes furiosamente defendia o stablishment tucano lhe rendeu a nomeação ao STF, fato que à época ensejou grande revolta na comunidade jurídica, com juristas da envergadura de Fábio Comparato, Dalmo Dallari e Paulo Bonavides expondo as aberrações jurídicas e institucionais que decorreriam da nomeação de alguém com descarado comprometimento partidário ao cargo maior da estrutura funcional do Poder Judiciário do Brasil.
Foi então que Mendes, uma vez ministro, preocupou-se com afazeres particulares e políticos com tanto afinco quanto nos anos em que ocupou a presidência do Supremo.
A exemplo de seu ex-colega Nelson Jobim (que tão logo largou sua cadeira na Corte candidatou-se a presidência do PMDB), dava entrevistas se posicionando quanto a determinados processos em tramitação no Supremo com um espantoso desprezo à neutralidade, discrição e comedimento esperados daqueles que ocupam desde o posto de juiz na mais diminuta comarca interiorana até turmas, seções e plenários de tribunais superiores. Ainda, utilizou-se por várias vezes da infra-estrutura do STF para eventos e lançamentos de obras relacionados ao Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), de sua propriedade, em uma clara afronta aos princípios administrativos da moralidade e da impessoalidade. Não suficientemente, o IDP já firmou vários contratos em regime de dispensa de licitação com o Senado para a capacitação de seus servidores. Algo no mínimo suspeito.
O IDP, a propósito, dá uma verdadeira abertura a indagações e dúvidas sobre independência funcional de Gilmar e à transparência de seus votos e relatorias. Advogados que patrocinam causas no Supremo – muitas com Gilmar Mendes como relator – são professores do próprio IDP, subordinados, portanto, ao ministro. Há também aqueles dos quais Mendes é amigo íntimo, a exemplo de Sérgio Bermudes (que já chegou a pagar viagens para o exterior do ministro e sua esposa), mas que chegam longe de sensibilizá-lo a alegar suspeição, postura prevista pelo Código de Processo Civil para magistrados em tais situações.
Interesses obscuros
O ex-ministro Nelson Jobim, em cujo escritório aconteceu o encontro entre Lula e Gilmar, de pronto negou o teor da conversa alegado por este último. O ministro Ayres Britto, por sua vez, colocou que o ex-presidente nunca pressionara o STF nos tempos em ocupara o cargo de chefe da nação. Prefere acreditar em algum erro de interpretação de seu colega de corte.
Ressalte-se, por fim, o meio pelo qual se veicularam os dizeres de Gilmar e as circunstâncias políticas que o rodeiam: a revista Veja, acuada pela descoberta das relações promíscuas de sua redação com o bicheiro Cachoeira, redator-de-fato que não só pautava como escolhia as páginas e colunas nas quais seriam colocadas suas informações, e a emblemática queda de um dos últimos sobreviventes de uma oposição já bastante fragilizada, o senador Demóstenes Torres, comumente alçado pela mesma revista como singular mosqueteiro da ética, da moral e dos bons costumes, resistência heroica contra o modus operandi vil e corrupto inaugurado na República pelas hordas petistas.
Coloque-se também a tese defendida pelo mesmo semanário de que a CPI de Cachoeira não passa de um artifício petista para tirar o foco do julgamento do Mensalão. O envolvimento de Gilmar Mendes nesse quiproquó que prende o rabo da editora Abril se encaixa perfeitamente às conveniências de Roberto Civita em tirar o seu da reta, aplacar a desmoralização pela qual Veja tem passando e, ao mesmo tempo, incriminar o PT, legenda pela qual é desnecessário dizer o que sente.
Tais fatos não podem ser desconsiderados quando da análise do comportamento de Mendes. O mesmo vale com seu passado e convicções político-partidárias. Se a alcunha de político de toga sempre lhe coube perfeitamente, não assusta o fato de uma combalida e fragilizada oposição, em exemplar rapidez, já ter representado no Ministério Público Federal contra o ex-presidente – representação esta que, é bom que se diga, conta também com a assinatura do senador José Agripino Maia, outro embuste moralista acuado por denúncias de corrupção, agora na Operação Sinal Fechado, onde teria recebido um milhão de reais em seu apartamento para financiar sua campanha de 2010.
Vê-se o quão providencial foi a entrada de Gilmar na história. Poucos podem se gabar de que a carta que possuem na manga seja um ministro do Supremo, função que para alguns confere credibilidade absoluta a quaisquer asneiras que venham dizer à imprensa – mesmo que esta imprensa se trate da revista Veja.
DEBATE ABERTO
Mendes, Veja e o conluio dos desesperados
Veja perdeu sua principal fonte oficial –
Demóstenes – e sua principal fonte não-oficial – Cachoeira. Restou-lhe
tentar um último golpe: atacar Lula, o maior símbolo petista. E a
escolha de Gilmar Mendes para o serviço faz todo o sentido neste
verdadeiro conluio de desesperados.
Elvino Bohn Gass
Aos petistas interessa que os episódios do
que se convencionou chamar, retoricamente (conforme o próprio inventor
do termo), de mensalão, sejam julgados. A permanência do falatório
acerca deste assunto só serve aos adversários do PT que, confrontados
com os governos muito bem sucedidos de Lula e Dilma, há anos perderam a
linha. E a compostura.Eles sabem. O que se chamou de mensalão
foi uma prática inaugurada por um dos seus (o tucano Azeredo, em Minas).
Mas sabem, também, que em caso de condenação de um petista, a foto
deste é que estampará a capa da revista Veja. Provavelmente ilustrado
com chifres e fumaça nas ventas.A ideia que preside a tática
antipetista é simples: é preciso diminuir a força do PT. Porque o PT tem
Dilma e o governo federal mais bem avaliado da história, a maior e uma
das mais qualificadas bancadas do Congresso e é o partido preferido dos
brasileiros. Como se isso não bastasse, às vésperas de mais uma eleição
municipal, investigações da Polícia Federal provam que alguns dos
maiores acusadores do PT fazem parte de um esquema criminoso que reúne
corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e outros
malfeitos. Encurralados, PSDB, DEM, PPS e outros ainda menores, precisam
arranjar um jeito de tentar jogar o PT no vento – e o julgamento do
dito mensalão parece ser o sopro da hora.As investigações da PF
já prenderam Carlos Cachoeira, o bicheiro a quem o líder do Democratas,
senador Demóstenes, servia como um office-boy. Demóstenes era apontado
pela revista Veja como um dos ícones éticos do Senado e mais forte
acusador do PT. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça também
comprometem seriamente o governador tucano Marconi Perillo, com quem
Cachoeira negociou uma mansão e cuja Chefia de Gabinete utilizava um
telefone “à prova de grampos”, presenteado pelo bicheiro. Demóstenes,
Perillo, o desespero só aumenta. Até porque, há uma CPI em andamento no
Congresso com potencial para estabelecer a responsabilidades políticas,
cassar mandatos e desmontar de um esquema criminoso do, qual se
beneficiaram os oposicionistas do PT. E quem conhece, sabe: o PT irá até
o fim nesta investigação.É neste contexto de desespero
oposicionista que se insere um episódio tardio, a conversa entre o
ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes presenciada pelo
ex-ministro Nelson Jobim. Dos três personagens do encontro, dois – Lula e
Jobim – dizem a mesma coisa: não houve qualquer pressão para que se
adiasse o julgamento do mensalão. O terceiro, Mendes, insinua que foi
pressionado. Não por acaso, a insinuação vira manchete da revista Veja.Logo Veja, que centenas de vezes moldou fatos, inventou dossiês, usou fontes suspeitas, sempre contra o PT.Mas
quem é Mendes e qual o papel de Veja em tudo isso? Mendes é o homem
para quem um outro ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, disse: -Vossa
Excelência não está nas ruas, está na mídia destruindo a Justiça desse
país. Me respeite porque o senhor não está falando com seus capangas do
Mato Grosso”. Capangas? Um ministro do Supremo com capangas? Reportagem
da revista Carta Capital explica a afirmação do ministro Barbosa: “Nas
campanhas de 2000 e 2004, Gilmar (Mendes), primeiro como advogado–geral
da União do governo Fernando Henrique Cardoso e depois como juiz da
Corte, não poupou esforços para eleger o caçula da família (Chico)
prefeito de Diamantino, município a 208 km de Cuiabá/Mato Grosso…
circulou pelos bairros da cidade, cercado de seguranças, para intimidar a
oposição…” Para registro: o irmão do ministro é do PPS.Sobre
Mendes, vale lembrar que viajou várias vezes com Demóstenes, de quem era
um dos interlocutores prediletos. A relação entre ambos é forte. E vem
de longe. Tome-se, por exemplo, o ano de 2008, quando Mendes presidia o
Supremo. Naquele ano, a Polícia Federal já estava chegando perto de
Cachoeira. De repente, vem a revista Veja (Veja, sempre Veja) e traz uma
notícia “bombástica”: o Supremo está sendo espionado. As fontes?
Demóstenes e Gilmar Mendes. Nunca houve um áudio sequer que desse
crédito ao grampo. Entretanto, Veja fez manchete. Mas justificado pelas
suspeitas nunca provadas de que estaria sendo espionado, Mendes contrata
para ser seu consultor de contra-espionagem, um ex-agente da ABIN
chamado Jairo Martins. Sabem que é Jairo Martins? Ele mesmo, o homem
apontado pela Polícia como um dos principais operadores do esquema de…
Cachoeira, o araponga do bicheiro. Não por acaso, em Brasília, já se
diz que entre Cachoeira e Mendes há pelo menos um dado comum
incontestável: ambos utilizavam o mesmo personal-araponga. Seria risível
se não fosse tão revelador. Há mais: Mendes foi o ministro que concedeu
o discutível habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas num inesperado
final de semana. Dantas… sim, a fonte a quem a revista Veja (olha a
Veja aí de novo) deu crédito na história do estapafúrdio dossiê que
revelaria contas de figurões da República no exterior, Lula entre eles.
Jamais comprovado porque absolutamente forjado, o dossiê desapareceu
das páginas da revista.Pois é, esta é a Veja. Uma publicação que
manteve relações tão estreitas com Cachoeira que este determinava até
em qual espaço da revista suas “informações” deveriam ser publicadas. É
diretor de Veja o jornalista que manteve centenas de telefonemas com
Cachoeira e que das informações dele se servia para atacar o governo do
PT. Veja é, portanto, o veículo de imprensa que melhor conhecia o modus
operandi de Cachoeira. No entanto, jamais o denunciou. Repito: jamais o
denunciou! Muito se poderia dizer ainda sobre Veja, mas fique-se com a
fala de Ciro Gomes, um aliado de Dilma mas um crítico do PT: “Todo mundo
sabe que a revista Veja tem lado. Todo mundo sabe que a revista Veja é a
folha da canalhocracia brasileira. É ali que o baronato brasileiro
explora o moralismo a serviço da imoralidade”.Veja, a revista
que mais ataca o PT, perdeu sua principal fonte oficial – Demóstenes – e
sua principal fonte não-oficial – Cachoeira. Restou-lhe tentar um
último golpe: atacar Lula, o maior símbolo petista. E a escolha de
Gilmar Mendes para o serviço faz todo o sentido neste verdadeiro conluio
de desesperados.