Rio Grande do Norte, terça-feira, 23 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 15 de junho de 2012

Mapas Potiguares: Os Sete Pecados da Gestão de Segurança Pública no RN (Parte Final)

postado por Ivenio Hermes

Apresentação

Após três artigos postados anteriormente chegamos ao final da série de textos Mapas Potiguares, não que não haja uma extensa gama de assuntos ainda a serem abordados, mas porque teríamos uma infindável sequência como o mesmo nome e novo número.

Os argumentos sobre a segurança pública no âmbito nacional e destacadamente nos estados do nordeste, sobretudo o Rio Grande do Norte, continuarão sendo postados, afinal, muito ainda tem a ser mencionado para os que se dispõem a ler meus amplos colóquios.

Introdução

O Rio Grande do Norte vem se tornando alvo da mídia nacional pela abordagem ao tratar de diversos assuntos, dentre os quais destacamos a segurança pública e seu impacto dentro da perspectiva de eventos festivos, esportivos e os essencialmente turísticos que são realizados e num breve futuro, a Copa Mundial de Futebol de 2014.

Desatento ao espetáculo midiático que os erros recorrentes no manejo da segurança pública apresentam, a gestão local continua perfazendo o caminho de costume que parece se colocar num ponto de inércia que nada muda.

O olhar desatento continua a ver o estado colorido como sempre, mas o olhar atento dos especialistas e jornalistas estudiosos consegue ver todas as nuances de perigo e a bradar sua preocupação. Num grande desperdício de ações que apenas brilham por pouco tempo, os recursos empregados na segurança se perdem, erros se repetem como pecados capitais cometidos pelo gestor e que embotam a beleza potiguar.

Os Pecados

1. Desvalorizar o agente. Há falta de efetivo, local de trabalho, equipamento e material. Tratado como problema secundário, a falta de efetivo no Rio Grande do Norte, dia após dia observa-se na imprensa os resultados decorrentes dessa ação. São crimes não resolvidos, índice de criminalidade crescente e denegrindo a paisagem turística do estado.

Os locais de trabalho são mal organizados, policiais trabalham em instalações adaptadas, sem condições dignas de atendimento ao público. O tempo de resposta de uma chamada de ocorrência é longo, não há estimativa de solução de casos da polícia investigativa e nem de resposta tática da polícia ostensiva, comprometendo a qualidade de trabalho dos policiais que se esforçam para executar suas etapas de trabalho.

 Equipamento e material de trabalho coletivo e individual não existem. A exposição da integridade física do policial é diária tanto pela proteção própria quanto pelo armamento.

A desvalorização do material humano causa evasão dos quadros de pessoal por insatisfação no emprego, algo quase é inevitável principalmente entre os novos agentes. Evidentemente que não há trabalhador que não busque melhores condições de trabalho e de salário, melhor reconhecimento público e de seus superiores para o esforço da função que desempenha. Se não houvesse aqueles verdadeiros apaixonados pela função policial, o estado potiguar seria mais mal servido do que já é.

2. Não pagar corretamente. É a famosa defasagem salarial, embora não seja um erro tão somente cometido no Rio Grande do Norte, o salário do policial brasileiro está aquém das suas funções. Sempre defasado, não há correção e nem aumento salarial com base na dignidade da profissão. Esse benefício só é conquistado através de paralisações, apelos políticos, leis aprovadas ao custo de barganhas que deixam o policial em franca desvantagem. O problema brasileiro se amplia no RN.

Recentemente o governo do estado até concedeu um subsídio para os policiais militares, conquista suada, mas é sabido que o governo segura um aumento para os policiais civis evitando que muitos se aposentem, pois sabem que estes servidores cansados temem solicitar o pedido do benefício sem a gratificação concedido e perderem o direito a ele. Isso parece ser mais um trunfo para garantir o não investimento na polícia judiciária.

E para completar o pecado, os pagamentos de diárias não saldadas. Que fique bem claro que diárias não são recompensas por trabalhos e nem adicionais de salário. São meros valores pagos aos agentes que se deslocam se sua área de lotação para outra por determinação do gestor e que recebe um valor para custear as despesas decorrentes desse deslocamento. Portanto, diárias devem ser pagas antes do deslocamento do agente, nunca durante ou após o término de sua missão.

3.  Não manter o quadro funcional. Tratemos agora dos concursos. Há etapas não cumpridas e expectativas frustradas.

Esse assunto é até cansativo e até um pouco repetitivo de se abordar, há diversas reportagens na internet e até estudos desse autor sobre o assunto. Insistimos em falar que os concursos estaduais do RN não possuem credibilidade alguma, não importa o renome da instituição que os aplique, pois as etapas subsequentes não são respeitadas e o pior de tudo, quando conseguem ser cumpridas, não há expectativa de posse nos cargos, o que evade o concursando para tentativas em instâncias federais e inclusive em outros estados. É a franca exportação da prata da casa para outros estados e o rancor contido em cada aprovado que obteve êxito num certame altamente concorrido que depois vê sua expectativa frustrada e sem uma explicação coerente e verdadeira que justifique a atitude da gestão estadual.

Uma justificativa que se usa para não convocar policiais militares e civis para as vagas nas respectivas funções, é posto em dúvida quando há convocação para outros cargos.

4.  Tomar decisões sem respaldo. É aqui que gestor destrói de vez a ferramenta policial. As posições dúbias e o não cumprimento de promessas são fatores que desmotivam demais! Citamos o sistema carcerário que ultimamente tem vivido em polvorosa com fugas costumeiras. A tomada de decisões para a solução deste problema é sempre a mesma, corroborando com velho ditado que diz que brasileiro só fecha a porta depois que o ladrão escapou.

Exonera-se um diretor e se coloca outro sem dar a este ferramentas para solucionar os problemas e usando aquele como culpado por um de gestão que parte de uma instância maior.

Lembremos que um gestor com a atuação mais ampla tem que dar suporte aos gestores sob seu comando para que este possa ter sucesso.

Segurança sem suporte técnico para decisões coerentes, prévias e necessárias não é segurança. O método da tentativa e erro não pode ser usado no campo real e deve ficar restrito ao laboratório, mas o estado do RN se assemelha a um grande laboratório para a prática desse tipo de método experimental. Por isso, ao invés de haver soluções, o que se vê são repetições de erros sem que eles sejam usados como exemplos para não serem repetidos.

5. Não conhecer sua área de competência.  É da realidade do Estado que estamos tratando. Outro assunto já comentado e que aqui cabe um adendo, não é só desconhecimento da realidade estadual, mas a falta de busca desse conhecimento.

Num estado de proporções enormes e diversidade de paisagens políticas e culturais, é preciso saber como um agente de segurança pública deve tratar uma região ou abordar um cidadão. Imagine o calor de uma abordagem policial de alto risco na baixada fluminense no Rio de Janeiro sendo aplicada da mesma forma num bairro pacato de Natal?

Esse perigo ronda o RN, onde não há programas de treinamento de rotina, não há investimento em estudos de direitos humanos e sob a influência de filmes policiais norte-americanos, nossos policiais buscam pagar do próprio bolso treinamentos em cursos de um dia que não treinam e muito mal informam.

6. Não empregar corretamente seus subordinados. Não poderíamos deixar de tratar aqui o desvio de função como causador de insatisfação e concorrência perniciosa entre entidades de segurança pública. Esse mau emprego das forças policiais é um grande fomentador de discórdia.

Nenhum policial gosta de ver sua função sendo desempenhada por outro de outra força sem a atribuição constitucional para aquele trabalho.

Disparados por esse gatilho de incompetência do gestor, há o despertar da rivalidade entre as instituições, que começam a concorrer entre si em vez de haver colaboração mútua. Polícia contra polícia não é emprego adequado das forças de segurança pública.

A polícia militar tem a competência de fazer o policiamento ostensivo e a polícia civil a de investigar. No Rio Grande do Norte temos policiais militares realizando tarefas de delegado, de escrivão e de investigador onde policiais civis teriam que estar atuando. Temos policiais militares sendo usados como guardas carcerários onde agentes penitenciários deveriam estar atuando. Qualquer que seja a função para a qual não haja efetivo emprega-se policiais militares, que percebem seu dever de ofício sofrer extrema descaracterização e repúdio das outras forças.

7. Não investir adequadamente. Um erro que parece estar bem intimamente relacionado com os outros.

O investimento nas forças estaduais de segurança pública deve ser feito com transparência, isonomia e dentro de estudos que o embase. No RN temos muitos recursos aplicados numa polícia em detrimento de outra. Não que a que receba mais investimento esteja sendo mais valorizada, apenas a balança do gestor pesa desequilibradamente quando deveria ser proporcional, causando uma “valorização desproporcional” das forças policiais.

Esse pecado se reflete em todos os outros e seu cometimento agrava o quadro já desbotado da segurança pública.

Considerações Temporárias ou Transitórias

O Estado do Rio Grande do Norte sofre com os pecados da segurança pública cometidos contra o povo potiguar, numa ação repetitiva que mais se assemelha a um atentado. Os sete pecados são apenas uma alegoria de tudo que ainda tem para ser mencionado como, por exemplo, o isolamento dos agentes, a falta de preparo na academia de polícia, falta de investigação social mais bem elaborada para poder assumir um cargo de polícia, o exemplo dos governantes e a impunidade.

Entretanto, finalizaremos por aqui, sem considerações finais, para voltarmos em breve com mais esclarecimentos sobre como a (in)segurança pública está redefinindo os mapas potiguares.


Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

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