Rio Grande do Norte, quinta-feira, 18 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 21 de junho de 2012

Os Leitores Diluidores: uma crítica ao Fandom

postado por Felix Maranganha

O fenômeno da tribalização dos leitores que surge com o fandom ameaça a qualidade da produção artística.

 

Lembro que no ano passado baixei o livro de um escritor “animador de torcida”. Era um romance muito fraco, e o escritor ainda disse que eu, por pertencer ao fandom (Deus! Como eu odeio essa palavra!) de policial, devia entender as inovações que estavam ali, na obra. Pensei um pouco e percebi que não pertenço a nenhum fandom, afinal, uns três anos atrás me classificariam como parte do Fandom de Ficção Científica e Fantasia, e uns oito anos atrás diriam que sou do Fandom Gospel. Um fandomer (sei lá se é essa a palavra) é um leitor especializado demais em um estilo, que chega a trocar a leitura de Shakespeare por Stephanie Meyer se for um leitor apenas de romances vampirescos. Nada contra quem só lê romances vampirescos, mas meu gosto pela variedade literária não me deixa pertencer a nenhum fandom. Sou um leitor, e me contento com isso.

No início desse ano, conversando com um colega escritor do Mato Grosso, me deparei novamente com a palava fandom. Dessa vez, ele me acusou de ser um sem caráter do fandom de fantasia e ficção científica brasileiro, e isso somente porque não considerei um conto que o mesmo me mandou sobre um orc bondoso tão inovador assim (parecia mais um copião de lugares comuns da fantasia nacional).

Recentemente, me deparei com uma situação inusitada. A escritora Janaína Azevedo Corral irritou-se, e com razão, inclusive chamou de mendicância literária a campanha abaixo:

Campanha apresentada por movimentos de Literatura Fantástica Brasileira

Enfim, em todos os casos, vi problemas começarem e evoluírem a partir da ideia errada que o fandom de qualquer estilo tem sobre a literatura. Fandom, ao meu ver, é a Hipertaxonomia do Indivisível (quem quiser pode sugerir um nome melhor). Os movimentos de contracultura e o isolamento cada vez maior do indivíduo, que foi coroado no advento da internet, criou uma relação taxonômica com os demais seres humanos (e suas relações, como a arte). Cada pessoa quer e precisa dizer que pertence a um grupo. Não basta a simples constatação de que possui ma característica (nerd, branco, classe média, por exemplo), tem de existir uma autoafirmação de que se pertence àquele grupo para se sentir aceito (e não necessariamente ser aceito de fato).

Assim, as grandes categorias (poderíamos dizer que tratam-se de Filos) já eram problemáticas por serem abstrações inúteis para garantir a qualidade e o caráter de alguém (como julgar o caráter de alguém pela cor, ou a qualidade de uma poesia pela escola literária). Agora, para sentir-se aceito, é preciso dizer o subfilo, a classe, a subclasse, a ordem, a sub-ordem, a família, a subfamília, o gênero, o subgênero e a espécie, e mesmo nessa, é necessário agora dizer a que raça e sub-raça se pertence, e enfatizando que a mesma sub-raça é diferente se nasceu em outra rua. Criamos a mania de subcategorizar a subcategoria da subcategoria que serve de subdivisão de determinada categoria.

A implicação disso é que não adianta mais dizer que é punk, tem de ser anarco-punk-rock comunista da década de 1970 fã dos Stranglers, pois se for fã dos Misfits não vale. Não adianta ser fã de Literatura de Fantasia, tem de ser fã de High Fantasy Draconiana Medieval Mitopaica, pois se for fã de High Fantasy Draconiana New Weird não vale.

É a subcategoria da subcategoria da subcategoria à qual pertence uma obra que passa a dizer algo sobre ela? E não adianta eu defender o discurso de que o que importa na literatura é o mérito da qualidade, pois a subcategoria da subcategoria da subcategoria que um fã não gosta é opressora, obsoleta, mimimiwhiskas sachê e blá-blá-blá, enquanto que a outra subcategoria da subcategoria da subcategoria é oprimida, vanguardista, mimimiwhiskas sachê e blá-blá-blá duplos.

A subcategoria da subcategoria da subcategoria invadiu também o universo dos leitores e apreciadores de arte. O mundo das artes dividiu-se praticamente em tribos. Se eu gosto de Surrealismo, faço parte do que costumam chamar por aí de Fandom Surrealista. Se gosto de Literatura Fantástica, então faço parte do Fandom de Literatura Fantástica. Daí em diante.

Ninguém parece gostar mais de arte, mas apenas da subcategoria da subcategoria da subcategoria de determinada forma de arte específica, e tudo o que se julgar da Categoria Magna passa apenas pelo crivo duvidoso de qualidade dessa subcategoria da subcategoria da subcategoria.

Ora, quando leio, não vejo se a prosa pertence a um subgênero de um subgênero de um subgênero de um gênero específico. Eu começo a ler e, se gostar, mantenho a leitura, se não gostar, abandono a leitura. Simples assim! Aliás, eu gosto de J.R.R. Tolkien e J.K. Rowling, mas não suporto nem 2% do que se produz em Literatura de Fantasia no Brasil. Os próprios leitores esquecem que um Movimento Artístico não é um antro repleto de lugares comuns, mas um conjunto de propostas e premissas que podem ou não ser acatadas completamente por seus adeptos. Logo, um leitor que goste do estilo e da temática tolkieniana não está obrigado a ler e gostar de tudo que tiver elfos, anões, relações morais maniqueístas e reinos perdidos. Um fã de Frank Herbert pode ser muito bem um leitor esporádico de Ficção Científica e ter maior número de leitura em Teatro Bufão do Século XVIII. Um apaixonado por Álvares de Azevedo pode detestar ler os demais românticos e adorar a maioria dos escritores neo-realistas. Por que um leitor de um autor só é completo se ler todos os autores daquele determinado sub-estilo de sub-estilo de sub-estilo de um estilo usado pelo autor em questão?

E isso interfere no modo como o escritor escreve sua obra. O escritor que betei, quando me falou de seu projeto, me apresentou apenas “lugares comuns” e nenhum modo diferente de lidar com eles. Não bastasse isso, era um leitor ultra-hiper-especializado, só lia policial, e tinha um conhecimento parcial de Whodunnit, Cozy, Noir ou de Thrillers Policiais dos mais variados tipos (jurídico, forense, misto etc.). Na hora de apresentar seu projeto, ele dizia: vou escrever um Romance Policial Thriller Jornalístico cujo herói não é um jornalista investigativo (na minha mente, vinha a expressão irônica “vixe, que inovação da porra!“).

Levando em consideração que um Movimento Artístico é um conjunto de artistas com premissas e propostas delimitadas, podendo haver organização ou não de seu contingente, um escritor de um movimento acaba se deixando identificar pelo estilo de sua obra, mas não lê as outras obras de seu “grupo” por obrigação, e nem deixa de ler as dos outros por serem “do outro grupo”. Um Cubista e um Surrealista se deixam identificar facilmente por suas obras, mas não significa que um Cubista não goste de Surrealismo, ou vice-versa. Tampouco significa que um Surrealista seja obrigado a gostar de todos os quadros surrealistas que vê. O mesmo se diz do escritor. Por vezes, um escritor conhecido por escrever livros de fantasia sente vontade de escrever contos pornográficos. Isso porque não se escreve Ficção Científica, Pornografia, Regionalismo ou o que seja, mas literatura, e tão somente literatura. O foco de um escritor deve ser primeiro o de escrever. Subcategorizar a subcategoria da subcategoria só depois do livro terminado, e isso se for de seu interesse.

Mas a culpa é do fandom. Dizer-se de um fandom é dizer-se fraco e sem personalidade, que lê determinados livros, ouve determinadas músicas e aprecia determinados estilos artísticos apenas para pertencer a determinados subtipos de subgrupos de subtribos. É o tribalismo urbano aplicado à literatura. Eu não sou do Fandom de Fantasia, sou um leitor de John Tolkien e J. K. Rowling, e acho que isso por si já basta. Não preciso defendê-los, justificá-los, compará-los, e muito menos me prender a eles. Me basta tão somente lê-los, gostar deles e seguir minha vida. Não compro livros cujas primeiras dez páginas não me atraiam na livraria, seja de quem for, do estilo que for, e tenha a vendagem que tiver. Não compro livros apenas para que os outros comprem meus livros. Não participo de campanhas para conseguir leitores para essa ou aquela subcategoria da subcategoria da subcategoria da literatura. Defendo o fomento da leitura de qualquer tipo de livro, seja de auto-ajuda, seja de fantasia, seja de poesia parnasiana ou de livros sagrados.

Não pertenço ao Fandom de Ficção Científica, sou um fã de Frank Herbert e Arthur C. Clarke, e acho que isso é suficiente. Não pertenço ao Fandom Regionalista, leio José Lins do Rego e os cordéis. Não pertenço a fandom de porra nenhuma! Sou um simples leitor!

Felix Maranganha

Licenciado em Letras, especialista em Educação a Distância e mestrando em Ciências das Religiões, Felix Maranganha é Linguista, Filólogo, Escritor, Filósofo, Defensor dos Direitos Humanos e Libertarianista. Pratica o Zen-Budismo, é ateu, joga sinuca e poker e adora pimenta. Alguns o confundiriam com um anti-marxista, mas ele não liga muito para essas coisas. É autor do blogue http://ocalangoabstrato.blogspot.com

2 Responses

  1. Túlio Madson disse:

    Na medida em que a sociedade perde suas referências tradicionais (históricas, culturais, ideológicas, religiosas) surge a necessidade de se identificar com alguma coisa. O individuo torna-se cada vez mais atomizado, e por isso, livre para inventar ou escolher a “tribo” que lhe convém, independente de fatores culturais, geográficos, familiares, etc, etc* 
    *Isso, claro, em grande parte possibilitado pelo advento da internet, que coincidiu (ou é consequência?) daquilo a que se convém denominar de pós-modernidade (líquida, plástica, hipermoderna e os cambau)

    Pois bem, voltando ao assunto: isso possibilitou que esses indivíduos atomizados, ávidos por pertencer a algo novo, criassem seus “clãs” a partir dos mais variados ícones: literários, esportivos, musicais, etc etc etc.

    Daí a necessidade em se criar “subcategorias das subcategorias das categorias”, porque esses indivíduos atomizados querem ser diferentes, e essas “subcategorias das subcategorias das categorias” é uma forma de se diferenciar dos demais, ainda que no âmbito (micro?)coletivo (um grupo diferenciado). A mesma competição imposta ao indivíduo: o de ser o melhor, o bom de cama, bem sucedido, é agora transposta no âmbito coletivo: o grupo melhor, mais cult, cool, foda, descolado, popular, etc etc etc.

    • felixmaranganha disse:

      Tulio,

      infelizmente, isso é mal, muito mal para a literatura, pois a qualidade fica em segundo plano apenas para atendar às exigências de um grupo pequeno e seleto.

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