Rio Grande do Norte, sexta-feira, 19 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 27 de junho de 2012

Presente de quinze anos

postado por Arthur Dutra

Completar quinze anos sempre foi um sonho acalentado por nossas adolescentes. Debutar com toda a pompa e circunstância, trajada com um luxuoso vestido e ser esperada por fina assistência que lota o salão de um elegante Buffet. Sim, meus amigos, as festas de quinze anos sempre foram uma coqueluche da sociedade.

Isso para qualquer garota, menos uma: Maria Augusta de Almeida Bittercourt, a popular Mary.

Mary chegava aos quinze anos com a cabeça cheia de problemas. Nada muito grave como o aumento do preço do feijão ou a conjuntura econômica internacional, mas suficiente para cultivar algumas minhoquinhas no terreno fértil do seu cérebro adolescente sempre às voltas com romances vampirescos e ídolos da música pop.

As notas da escola eram excelentes, tinha boas amigas, era bonita e nenhuma característica de seu corpo era objeto de apelidos pitorescos a justificar um indesejado bullying. Era cobiçada pelos meninos de sua idade, e até mais velhos. Ou seja, tudo, tudo na mais absoluta normalidade.

Aí você pergunta: e que tipo de problemas essa jovem poderia ter?

Ah, a adolescência… É a idade em que procuramos problemas para nos preocupar. Talvez seja parte do ritual de amadurecimento. Ora, é nessa idade que ouvimos nossos pais dizerem “Quando você crescer vai entender!”. Mas queremos entender logo, e nada melhor do que criar nossos próprios problemas para talvez compreender o que se passa na cabeça dos adultos e, de quebra, tornar-se um o quanto antes.

E criamos! De repente chegamos à conclusão de que não somos populares o suficiente, que nossas notas não são as melhores, que não temos talento para o esporte ou que nossos amores não são correspondidos, e isso já é capaz de perturbar uma cabecinha juvenil.

São baboseiras? Para os adultos, sim. Mas você acha mesmo que um adolescente tem mesmo que estar sofrendo dia e noite por causa de uma crise cambial na Malásia ou da entressafra da cana-de-açúcar?

Pois bem. Mary sofria por problemas semelhantes e os guardava para si.

Às portas de debutar já viu a movimentação de seus pais no sentido de suprir a ausência cotidiana com um grande presente. Estava ela reclusa em seu quarto enfeitado, os cabelos comprimidos no travesseiro, as pulseiras, miçangas e brincos abundavam na vestimenta; fuçava as redes sociais com o seu notebook, compartilhando com estranhos suas aflições de adolescente com os fones de ouvidos grudados tocando músicas melancólicas, isolando-se do mundo exterior, o mundo com que não se preocupava ainda.

Seu pai entra no quarto e fala do assunto, dentro, claro, dos cânones tradicionais da sociedade:

– Filha, daqui há seis meses você completará quinze anos e eu vou lhe dar duas opções de presente: uma viagem para a Disney ou uma grande festa.

Sem tirar os fones do ouvido e sem desviar o olhar do monitor do computador, ela responde secamente:

– Quero um analista.

O pai coça a cabeça, olha com ar de dúvida e diz:

– Vou falar com sua mãe.

E saí confuso para se socorrer com alguém que possa lhe explicar aquela exigência inusitada.

Arthur Dutra

Advogado. Editor, proprietário, patrocinador e único escritor do blog "Escritos Improvisados" (http://escritosimprovisados.blogspot.com). Twitter: @ArthurDutra_

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