Rio Grande do Norte, sexta-feira, 29 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 28 de junho de 2012

Como fundar um movimento literário?

postado por Felix Maranganha

O Brasil está tomado de três tipos de escritores no que diz respeito à sua gregariedade: os exilados, os lobos-solitários e os que se organizam em clãs. Claro que estou desconsiderando aqueles que vivem em meio-termo entre ambos os três, mas seu número é tão baixo que nem vale à pena citá-los aqui. Quem são os exilados? Em que consistem os lobos-solitários? E em que consistem os clãs de escritores? Lembremos que a classificação de cada qual não interfere necessariamente na qualidade de sua obra.

O exilado

Como o próprio nome diz, um exilado é aquela criatura sombria, misteriosa, isolada de tudo e de todos, que mora dentro de um bunker social, tendo na internet seu único meio de contato com o mundo externo. Costumam somente escrever e enviar suas obras para as editoras, que hora são aceitas, hora não. Por ser antissocial, o exilado quase nunca sai de casa, tem poucos amigos, e poucas namoradas (ou namorados). Seus poucos contatos com o mundo são amigos da internet, na qual ele mal entra. Quando um livro seu é lançado, ele reúne todos os esforços do universo para ir ao próprio lançamento, e quando vai, poucos são os que o reconhecem. Literariamente, o exilado pode ser bom, mas os poucos contatos fazem com que haja poucos leitores beta, gama e delta. Porém, há um esmero em produzir uma obra de qualidade, e sua autocrítica é gigantesca. Gosta muito de usar pseudônimos, para poder sair de casa sem ser assediado por ser quem é. Em resumo, é um chato que gosta de escrever.

 O lobo-literário

O lobo-solitário é um caçador afastado do grupo. Diferente do exilado, ele não é sombrio, não é misterioso, não vive isolado de tudo e de todos, e tem uma vida social bastante cheia. O lobo-solitário mal vive em casa, passando boa parte de seu tempo na livrarias, arrodeado de outros escritores, nos bares e nos lançamentos de livro. O lobo-solitário é leonino, independente de em que época do ano tenha nascido. O lançamento de seu livro costuma ser quase uma superprodução de James Cameron, e quase sempre que ele fala, é tomado por um cacoete linguístico que se repete intermitentemente: “eu… eu… eu… eu…”. Literariamente, o lobo-solitário pode também ser bom, mas seu talento é mais o de marketeiro. Muitos contatos dão a ele muitos leitores beta, gama e delta, mas ele quase não beta ninguém.

O clã literário

O clã literário é quase uma confraria. Organiza-se no topo de um número razoável de súditos (fandomeca!) e dividem suas tarefas quase como uma empresa. Tornam-se escritores altamente especializados que fundam panelinhas pessoais e quase inacessíveis, apenas copiando o que se faz lá fora, e não propondo nada de novo debaixo do sol. Sejam eles escritores de um subgênero específico, ou de nenhum em especial, em associação, em clubes ou o que seja, o fato é que quase sempre são tomados por um sentimento de minha família x outra família. O clã literário ainda faz pior: organizam verdadeiras confrarias para comprar os livros uns dos outros, muitas vezes fazendo circular o livro somente entre os membros da confraria, algo que foi denunciado recentemente como Mendicância Literária. Participam sempre juntos de antologias, e estão sempre lançando seus livros nos mesmos eventos, organizam podcasts e blogues e, quase sempre, resumem toda a sua ação literária apenas a isso. De qualquer forma, é um clubinho de eventos, e não um grupo real de escritores.

Arte e Transgressão

Um movimento literário não é necessariamente um grupo de escritores organizados que criam uma estética totalmente nova e revolucionária. Na maior parte das vezes, são apenas escritores que seguem um certo conjunto de propostas e cujo objetivo é tão somente transgredir a ordem vigente da literatura em pontos bastante específicos. Quem se envolve em um movimento literário sério sabe claramente o que é a literatura (e a arte): arte é a transgressão per si de uma ordem estética estabelecida, é subversão de alguma regra ou o rompimento com alguma convenção. Quando alguém escreve um conto, pinta um quadro, executa uma dança ou compõe uma música, seu objetivo não é perpetuar a estética que o antecedeu e ser igual aos demais artistas, seu objetivo é levar a arte até o limite em todas as suas formas.

Se a arte é formada pelos elementos da linguagem, então inevitavelmente teremos, na sua execução, uma transgressão de algum desses elementos. O escritor pode romper com as convenções acerca do emissor, do código, do canal, da mensagem, do receptor ou do tipo de linguagem. Ou seja, um escritor pode criar outro método de autoria, escrever em um código compreensível mas não usual, em um suporte que não o papel, sobre um tema completamente novo, incidindo sobre novas formas de leitura pelo receptor e usando uma linguagem puramente visual. Enfim, um escritor é um rompedor, e rompe tão completamente, que chega a sentir que é virgem o hímen que deveras sente.

Agora, porque as pessoas não compreendem essa transgressão? Pelo simples fato de a arte ser transgressora, oras! As pessoas estão acostumadas com um comportamento padrão, acomodadas com regras do dia-a-dia, com horários, locais e comportamentos fixos, e a arte, por ser transgressora per si, tira as pessoas de sua zona de conforto. A arte não lida somente com o sublime (confortável, belo, numinoso, abstrato), a arte lida principalmente com o grotesco (desconfortável, sujo, baixo corporal, concreto). Quem melhor lidou com essa ideia de sublimidade e do grotesco foi o escritor Victor Hugo, que inclusive escreveu um prefácio à peça Cromwell que virou o livro Do grotesco e do sublime, onde simplesmente demonstrou porque às vezes achamos tão esteticamente válido algo tão sujo e grotesco.

Dicas para organizar um movimento literário

Na hora de organizar um movimento, temos de não confundi-lo com clã literário, núcleo literário, grupo literário ou associação de escritores. São coisas completamente distintas, e todas com objetivos diferentes. Um movimento literário é basicamente estético, o que significa que o objetivo dos escritores é basicamente transgredir algo, romper com alguma convenção. Portanto, vão aqui (os 10 Mandamentos) as 10 Dicas que o escritor poderá seguir na hora de criar um movimento literário com seus colegas:

1. Reúna escritores de escrita semelhante;
2. Tenha em mente os pontos de transgressão possíveis;
3. Pense nas ações do grupo a curto e médio prazo (blogue, sarau, intervenção urbana, publicações etc.);
4. Pense no modo de expansão do movimento (internet, convenções, eventos, grupos etc.);
5. Abdique dos preconceitos literários e contra os escritores iniciantes;
6. Não tenha medo de ousar e muito menos de sofrer represálias pela ousadia, afinal, a genialidade morre na praia do medo;
7. Saia da sua zona de conforto, nada de fazer algo só porque assim é mais aceito ou dentro da lei, ao sair de sua zona de conforto, você inevitavelmente tirará a zona de conforto o seu leitor;
8. Leia muito, mas muito mesmo, mesmo aquela literatura que você considere defasada ou chata, afinal, o conhecimento do objeto transgredido antecede a transgressão;
9.Não se acanhe diante das críticas, se você foi criticado, é sinal de que causou algum impacto;
10. Esteja sempre produzindo ou planejando o que vai produzir.

Espero ter contribuído.

Felix Maranganha

Licenciado em Letras, especialista em Educação a Distância e mestrando em Ciências das Religiões, Felix Maranganha é Linguista, Filólogo, Escritor, Filósofo, Defensor dos Direitos Humanos e Libertarianista. Pratica o Zen-Budismo, é ateu, joga sinuca e poker e adora pimenta. Alguns o confundiriam com um anti-marxista, mas ele não liga muito para essas coisas. É autor do blogue http://ocalangoabstrato.blogspot.com

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