Rio Grande do Norte, quinta-feira, 28 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 9 de julho de 2012

MarxCard: Karl Marx vira cartão de crédito

postado por Alyson Freire

Não, não se trata de alguma piada com o velho Marx. O banco alemão Sparkasse Chemnitz promoveu, recentemente, um curioso concurso junto aos seus clientes para escolher a imagem que ilustrará o mais novo cartão de crédito da instituição. Dentre as imagens disponibilizadas para a votação online dos clientes, o banco germânico selecionou alguns dos monumentos significativos de sua cidade natal, Chemntiz. Entre os desenhos escolhidos, constava o famoso busto do filósofo revolucionário Karl Marx, construído pelo escultor russo Lev Kerbel.

Com 35% dos votos, o busto de bronze de Marx venceu a eleição. A vitória inusitada e o fato quixotesco renderam ao banco uma poderosa estratégia de marketing na captação de novos clientes. Inclusive, pessoas de outras regiões da Alemanha mostraram-se interessadas em adquirir o infame cartão. Ao que parece, comprar sob a insígnia do autor d’O Capital “não tem preço”.

 

A despeito do marketing, das intenções do banco e das ideologias políticas em jogo, o fato por si só é revelador do modo como o capitalismo contemporâneo relaciona-se com a crítica e seus críticos. O capitalismo, em si mesmo, enquanto processo de acumulação ilimitada não é nem moral ou imoral. Ele é amoral. À ele, ou melhor, aos agentes e instituições que o formam pouco importam as contradições, as ambiguidades morais, sentimentos de reverência ou respeito. Importa-os tão somente aquilo que pode gerar valor. Assim, tudo o que pode parecer valor e despertar desejos, seja vivo ou morto, sagrado ou profano, interessa ao capital como ornamento universal e ícone de adoração. Mas tão somente enquanto for capaz de produzir valor, dinheiro e lucro. Ao capitalismo, para alcançar seus os próprios interesses, tanto faz profanar ídolos, ícones, ideários que lhe foram, num passado não muito distante, implacavelmente seus opositores e críticos. É por isso que a locomotiva capitalista conhece muito poucos freios diante dos quais ela titubeia ou tergiversa.

O uso midiático e consumista da figura de Che Guevara é o exemplo mais contundente e banal da amoralidade do capitalismo. Com a fotografia de Che, a indústria cultural e a publicidade capitalistas estamparam todo tipo de mercadoria com o rosto do revolucionário argentino: de perfumes franceses à marcas de tênis, passando por bebidas, camisetas, bonés, etc.. Ironicamente, como todos sabem, o ícone das esquerdas se tornou também um ícone, ou melhor, uma marca das mais lucrativas do mundo comercial.

O próprio Marx, no Manifesto Comunista, observou acertadamente a plasticidade moral do capitalismo, que diante de seus objetivos de acumulação, não conhece obstáculos suficientemente sólidos nem motivos suficientemente sagrados para recuar: “Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profano…”.

Se podemos falar de alguma moralidade inerente ao capitalismo esta é, certamente, o cinismo com que dito sistema trata todos os ideários morais, culturais e políticos a ele exteriores, colocando-os, sem pudor algum, a seu serviço, isto é, ao processo de acumulação ilimitada.

O desolador e preocupante da situação não é a heresia do capital de transformar Marx num dos símbolos máximos do capitalismo. Mas sim de constatar que, nos dias atuais, as armas da crítica irreverente, debochada e iconoclasta estarem sendo empunhadas pelos agentes do capitalismo em vez de ser pelos movimentos sociais e intelectuais antiestablishment. Também no plano da crítica, no combate das ideias e representações, o capitalismo parece estar a frente da crítica anticapitalista.

Nesse sentido, o capitalismo neutraliza a crítica e os seus críticos não apenas com a violência de suas coerções e constrangimentos ou com a sedução de sua ideologia, mas, também, pela ironia que, por vezes, dispensa aos seus opositores. Afinal, os capitalistas de nossas avançadas sociedades consumistas bem sabem que o “crédito é o ópio do povo”.

Alyson Freire

Sociólogo e Professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).

3 Responses

  1. O fato inusitado do uso da imagem de Karl Marx pelo banco alemão, além de um exemplo de como o capitalismo é capaz de absorver as expressões da crítica, também não deixam de mostrar o quão pouco sentido há na iconografia dos jovens “revolucionários”, sempre dispostos a estampar heróis e semelhantes. Certamente, não estou a desconsiderar o papel que símbolos desempenham na comunicação de uma mensagem ou desprezar que num esforço criativo possa se vislumbrar o surgimento de toda uma estética contracultural, mas simplesmente atentando para que as profanações operadas por agentes de propaganda, no final das contas, não deixam de ser “críticas” e oportunas para se pensar práticas e usos de imagens.

  2. Rhodes disse:

    Em Cuba, eles jamais permitiriam que fizessem um objeto decorado com o busto de Bill Gates ou Milton Friedman. Só o capitalismo permite essa liberdade. Bom, duvido muito que um espaço crítico como esse (mesmo sendo de esquerda) seria permitido num sistema socialista. Enquanto isso, caras como Michael Moore ganham fortunas com filmes que  criticam abertamente o sistema. Só no capitalismo a liberdade de imprensa é possível 

  3. me gusta mucho como relatais esta noticia

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