Rio Grande do Norte, sexta-feira, 29 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 28 de agosto de 2012

Mulheres e Segurança Pública: Glaucia Paiva Virginio

postado por Ivenio Hermes

Um Presente Exemplar Um Futuro Promissor

 

1 Introdução

Se nas polícias sem tradição militar o destaque fora da progressão hierárquica para as minorias é difícil de acontecer, numa polícia militarizada essa situação é potencializada.

Enfrentando todo tipo de dificuldade do cargo que ocupa, uma policial feminina é geralmente discriminada, colocada em posições que sem grandes chances de liderança ou ascensão, e comumente rotulada como fraca. Muitas vezes elas chegam a se masculinizar fisicamente para obter respeito numa área de atuação que ainda é dominada pelo sexo masculino.

Contra todas essas dificuldades, a mulher vem mostrando sua persistência e dignificando seu trabalho aos poucos mudando o contexto de segurança pública.

O tema “Mulheres e Segurança Pública” tem se mantido em evidência e foi destaque no 6º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Com esse artigo, essa série iniciada em “As Verdadeiras Guardiãs Mundiais” e “Maria Alice Nascimento”, prossegue com uma abordagem da vida pública da jornalista Glaucia Paiva Virginio, Policial Militar, licenciada em História e estudante de Direito, ocupando a função de jornalista da Assessoria de Comunicação da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte.

2 Um pedido de família

Com vários editais de concursos sendo abertos em 2004, a historiadora Glaucia Paiva se viu diante do dilema de escolher qual seria o que mais se adequaria às suas necessidades. E ela pensava simplesmente em suas necessidades porque não se considerava vocacionada para nenhuma atividade que divergisse de sua formação profissional.

Esse sentimento a levou a prestar diversos concursos, mas o da Polícia Militar, ela fez a pedido de seu irmão, que é também policial militar, endossado pela mãe. E foi aprovada! Tanto na PM quanto em vários outros, inclusive o da Caixa Econômica Federal, mas foi a PM que primeiro a convocou.

Sobre sua vocação, a própria Soldado Glaucia declara: “Não digo que na época fiz por vocação, mas hoje não me vejo fazendo outra coisa senão servindo à segurança pública”.

O Curso de Formação Policial deu a ela a paixão pelo serviço policial, de tal forma que, com apenas três meses de ingresso na corporação, ela foi convocada pela Caixa Econômica Federal, mas não quis mais sair da PM.

Era a paixão pela polícia determinando a vida daquela jovem.

3 Dificuldades Femininas

Empregar mulheres em missões policiais no Brasil surgiu na década de 50. E foi uma mulher, Hilda Macedo, assistente da cadeira de Criminologia da Escola de Polícia, que apresentou no 1º Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Criminologia, em 1953, sua tese da necessidade de criação de uma polícia com mulheres.

Hilda defendia que as mulheres eram tão competentes quanto os homens para realizar o trabalho de policial. E foi ela quem se tornou a primeira Policial Feminina do país.

Soldado Glaucia e mais 70 outras mulheres, ingressaram na PM/RN naquele ano de 2004. Daquele ano para os dias atuais, o efetivo feminino foi ampliado para pouco mais de 200 policiais, em um universo de 10 mil policiais militares masculinos no Estado Potiguar.

A expressão “minoria” é adequada até demais para se referir ao universo feminino da Polícia Militar no Brasil, e no Rio Grande do Norte, traduzindo em valores relativos, não poderia ser de outra forma.

Há pouco mais de 2% de policiais femininas para todo o Estado. Deste número, é importante ressaltar que 85% está lotado em Natal, onde, apenas de 9% a 10% do trabalha no policiamento ostensivamente.

Os oito anos de carreira, no entanto, apresentaram muita coisa para os olhos fortes, embora sensíveis, da policial. Fatos que fizeram não somente ela, como também outras colegas a perderem o estímulo em continuar a prosseguir na carreira.

As coisas comuns a todas as corporações, quando direcionadas a minorias discriminadas, adquirem proporções inconcebíveis. No âmbito da capacidade humana, tanto homens como mulheres são perfeitamente capazes de trabalharem juntos, mas infelizmente, o homem no serviço policial, via de regra, se vê enciumado ao notar o destaque de uma mulher.

Assim, a falta de reconhecimento pelos trabalhos feitos além daquilo que é solicitado, a carga horária de trabalho extenuante e excessiva imposta, além da manutenção e aplicação de legislações arcaicas, demovem muitos de continuar no serviço policial.

4 Superando Obstáculos

Mesmo com toda essa desmotivação, a Sd Glaucia mantém uma satisfação íntima em atender uma ocorrência, em ajudar uma pessoa a recuperar um bem, em deter um criminoso. Um exemplo que ela dá com sua atuação é o comentário: “Um simples agradecimento de uma pessoa satisfeita me faz continuar na polícia”.

Segundo ela, a participação da mulher na Polícia Militar, ainda possui muitos entraves. Em cada unidade pela qual passou, sempre notou que não havia estrutura para atender as policiais femininas, ou seja, em muitas Unidades não ha nem um alojamento para trocar de roupa ou até mesmo banheiro feminino.

O militarismo é cruel com seu sistema de subordinação. Ele trava progressos e mantém no poder policiais com visões estereotipadas fundadas lá no passado preconceituoso. Por isso, as mulheres na Polícia Militar do RN só possuem um espaço digno, a Companhia de Polícia Feminina. Mas em um universo masculino e militarizado, onde a minoria feminina só está inserida há apenas 25 anos, sempre haverá resistência em receber mulheres, embora elas sejam persistentes!

Glaucia não podia ficar inerte e dentro de sua esfera de atuação ela iniciou uma atividade de destaque, a criação de um blog em 2010, o Soldado Glaucia, cuja premissa seria expor pensamentos e conscientizar policiais quanto aos seus direitos.

Na época de sua criação, o blog enfrentou a preocupação do esposo dela que acreditava poder trazer problemas para ela. E novamente, a guerreira potiguar continuou em sua empreitada, pois acreditava que daquela forma ela poderia contribuir mais para a Segurança Pública. Ela, inclusive tem um jargão próprio sobre essa sua atividade: ”Quem melhor para falar da PM, se não o próprio PM”.

Com uma visita diária de pouco mais de 2 mil acessos, a Sd. Glaucia Paiva conquistou uma vitória num campo de batalha que ninguém imaginava que ela fosse lutar. Essa vitória a levou para o Portal BO, uma página da internet dedicada exclusivamente a divulgação de notícias policias, onde mantém a coluna “Por Dentro da PM”.

5 Capacidade de Adaptação

O serviço policial não é fácil. Não adianta se deslumbrar por salários e status (aquelas polícias que ainda têm), pois é como se perder na escuridão. O candidato ao cargo policial precisa ter em mente algumas verdades muito enraizadas no solo fértil da sociedade brasileira.

Glaucia Paiva conquistou em seus atuais oito anos, alguns poucos elogios pela atividade policial que desenvolveu enquanto esteve lotada na Companhia de Polícia Feminina (CPFEM), onde atuava no policiamento ostensivo nas Zonas Sul, Leste e Norte de Natal. Contudo, antes disso ela trabalhou em Mossoró, no 2º BPM e no Pelotão Ambiental de Mossoró.

Mas foi sua inteligência e esforço próprio que a levou para a força da internet através de seu blog, do Portal BO e do Twitter. No portal BO ela fala com mais amplitude e de maneira mais crítica e voltada mais para a sociedade, sobre o que acontece na PM e em seus bastidores, direcionando seu texto para o público não policial também.

Glaucia se adaptou às condições de trabalho oferecidas e buscou oportunidades. Hoje, ela trabalha na Assessoria de Comunicação da Polícia Militar, na manutenção do site da Polícia Militar. Outra vez, uma mulher mostra a capacidade que elas possuem de se adaptarem ao árido ambiente de trabalho que o universo masculino cria para elas.

6 Algo Divino

Segundo Glaucia, apesar das dificuldades enfrentadas pelos policiais, tanto masculinos quanto femininos, ela mantém seu conselho de que as pessoas ingressem na PM. Ela destacou em todos os mementos durante a entrevista para esse artigo, que a motivação nunca deve ser o salário e sim a vocação.

Ela observa que há uma migração para os concursos da segurança pública, onde muitos procuram a remuneração e a estabilidade. Sem deixar de considerar esses fatores como importantes, ela afirma que:

“Se não tivermos um policial realmente dedicado e comprometido, todos perdem, a Polícia Militar, que receberá intensas críticas negativas da sociedade sobre os serviços prestados, e a Sociedade, que deixará de ter garantido seu direito constitucional à segurança.”

A Sd. Glaucia Paiva, como todo policial que também possuem uma boa desenvoltura para o jornalismo, não se furta a emitir sua opinião e numa de suas falas ela argumenta que: “No dia em que um policial perder a capacidade de se indignar com a prática de um crime, ele deve sair da PM. Eu não perdi essa capacidade”.

É nesse rubor de força de vontade disfarçado na pele morena da policial perspicaz, mas também esposa dedicada, boa filha e irmã, que ela encerra suas declarações para todas as mulheres que desejam entrar na carreira policial:

“Proteger aos outros, seus bens e fazê-los sentirem-se seguros, é nosso trabalho mesmo diante de tantas dificuldades, da Instituição no geral, ou seja, falta de efetivo, equipamento escasso etc. Vejo isso em nossa missão como algo divino.”

7 Mulher e Segurança Pública

Mulher e Segurança Pública não são assuntos divergentes, pelo contrário, cada dia se provam mais intimamente relacionados.

A mulher tem feito mudanças gerais nos ambientes no qual é inserida. Ela carrega consigo a sensibilidade para enxergar soluções ou antecipar problemas que a maioria masculina é incapaz. Além disso, sua presença nas atuações policiais costuma inibir condutas escandalosas ou até corruptoras e corruptíveis.

É nessa capacidade moral aliada a inteligência emocional única que fornece a ela as condições concretas de inovar na área da Segurança Pública.

Aos 29 anos de idade, a Sd. Glaucia declarou-se lisonjeada em ser convidada para ter seu destaque descrito nesse artigo. Para ela, manifestar-se sobre o universo feminino na PMRN é uma responsabilidade, mas em nenhum momento ela fugiu desse desafio de falar das realidades e dos anseios da Mulher e Segurança Pública sob o ponto de vista de uma policial militar.

A carreira de Glaucia ainda está apenas no início e muito essa profissional ainda poderá contribuir para a segurança pública potiguar, contribuindo inclusive com seu exemplo.

 

REFERÊNCIAS

SOUZA, Fátima. “HowStuffWorks – Como funciona a Polícia Militar”. Publicado em 24 de julho de 2008 (atualizado em 09 de setembro de 2008). Disponível em <http://migre.me/at0oA>. Acesso em: 24 ago. 2012.

(*) Entrevista pessoal com a Policial Militar Glaucia Paiva, durante os meses de julho e agosto de 2012. Ela é formada em História, estudante de Direito e usa o bordão de internet: “Informando aos policiais e a sociedade sobre as questões da Segurança Pública do nosso país”. Contatos: Twitter:@soldadoglaucia Email:glauciapaiva@ig.com.br e Soldado Glaucia

HERMES, Ivenio. As Verdadeiras Guardiãs Mundiais. As Detentoras da Arte de Proteger e Servir. Disponível no Blog do Ivenio Hermes em <http://migre.me/at07h> Acesso em: 27 ago. 2012.

HERMES, Ivenio. Mulheres e Segurança Pública: Maria Alice Nascimento. Um Destaque Transformador. Disponível no Blog do Ivenio Hermes em <http://migre.me/at0d8>Acesso em: 27 ago. 2012.

 

Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

One Response

  1. Thayse Barros disse:

    ótima atuação da Glaucia!!

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