Rio Grande do Norte, quinta-feira, 28 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 1 de outubro de 2012

Mulheres e Segurança Pública: Vanísia Santos Capaverde

postado por Ivenio Hermes

Uma Guerreira do Norte

 

1 Introdução

O Brasil tem passado por mudanças que têm sido fortemente influenciadas pelo trabalho que mulheres estão desenvolvendo. As funções habitualmente consideradas masculinas foram positivamente ocupadas por aquelas que foram rotuladas de frágeis e submissas, mas que hoje se mostram tão (e muitas vezes mais) capazes de realiza-las.

No 6º Encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diversas palestras foram proferidas sobre o tema Mulheres e Segurança Pública, e com muita propriedade a sociedade vem sendo modificada, (a despeito de muitos chauvinistas masculinos¹ tentarem impedir essa mudança), por uma ação administrativa, operacional e intelectual que estava adormecida sob a poeira da história brasileira.

Continuando a série que teve início com o artigo “As Verdadeiras Guardiãs Mundiais”, seguido por Mulheres e Segurança Pública: “Maria Alice Nascimento. Um Destaque Transformador” e “Glaucia Paiva Virginio. Um Presente Exemplar Um Futuro Promissor”, falaremos da Administradora de Empresas Vanísia Santos Capaverde, uma mulher de fibra que têm aliado o lado intelectual ao operacional que muito ainda contribuirá para a sociedade brasileira.

2 A Decisão de Ingressar

Num contexto histórico em que o Corpo de Bombeiro era orgânico, ou seja, vinculado a Polícia Militar, Vanísia ingressou no Curso de Formação de Soldados da polícia do Estado de Roraima em 19 de fevereiro de 2001. Um curso que contava com 17,83% de mulheres, 33 alunas de um total de 185 futuros soldados.

Com apenas 18 anos de idade, oriunda de um universo totalmente alheio ao da Segurança Pública, a jovem aluna não mensurava a modificação social que sua escolha viria a fazer, pois naquele curso, a segunda turma de mulheres nas corporações militares daquele Estado seria formada e era quase uma obrigação romper as inúmeras barreiras que surgiriam, o que ela começou fazendo ao terminar como a primeira colocada.

Aos primeiros colocados, que são considerados mais antigos em corporações militares, foi oferecida a opção de lotação e ela escolheu o Bombeiro, apesar de somente ter cursado duas disciplinas específicas relacionadas a essa atividade e cujas cargas horárias pouco significantes, mas foi o suficiente pra aguçar a curiosidade daquela jovem que conhecera um pouco do universo policial e agora queria descobrir o de bombeiro.

O ingresso na Polícia Militar naquela época foi motivado pela busca por uma carreira com estabilidade. Vanísia Capaverde já formada em magistério em educação física e cursava o segundo ano de Administração de Empresas na Universidade Federal de Roraima, mas não tirava um pensamento de sua cabeça: “preciso de uma carreira estável, depois faço outros concursos e vejo o que realmente quero.” Evidentemente que ela não possuía apoio da família, que geralmente não querem suas filhas como soldados da polícia.

3 Um Desafio Extra: a doação

Com a emancipação do Corpo de Bombeiro de Roraima que se deu no final de 2001 (19/12/01), saindo do organograma da Polícia Militar e passando a caminhar independente, os policiais lotando no bombeiro puderam decidir se ficariam lá ou permaneceriam na PMRR.

Continuar no Bombeiro era um desafio extra. Não havia legislação, não havia um quadro organizacional, nem sequer possuíam um prédio, e todo processo se deu em função da luta do comandante e da vontade política. Sobre sua decisão de permanecer, Vanísia responde sem titubear: “Sem sombra de dúvidas foi a melhor decisão”.

E já em novembro do ano seguinte (2002) foi realizado o 1º concurso para oficiais do Bombeiro, e ex-policial militar foi aprovada.

Ela afirma que foi e é o principal acontecimento da carreira dela. “Podíamos escolher entre o Pará ou o Rio de Janeiro para a formação, eu fui para a Escola de Formação de Oficiais do Bombeiro do Pará, acreditando que lá possuía uma realidade mais próxima a do meu Estado”.

Estudante aguerrida, enquanto aguardava ir para academia de oficiais, participou de seus primeiros cursos de especialização bombeiro: Atendimento Pré-hospitalar (APH) e Estágio de Adaptação para bombeiros de Aeródromos (EABA). Os conhecimentos e a experiência geraram a certeza da escolha correta de profissão.

Sendo da primeira de turma de oficiais do Estado de Roraima, (todos os anteriores eram do quadro da união, um quadro em extinção, pois eram atrelados à antiga situação política de território que terminara com a transformação de Roraima em Estado) Vanísia percebeu que cada bombeiro tem um campo de atuação no qual mais se identifica, e o dela é o Atendimento Pré-hospitalar, do qual se tornou instrutora atuante até os dias atuais.

E foi durante a academia do Pará, com pouco mais de um ano de exercício na profissão de bombeiro, aprendendo diariamente o exercício da atividade, que ela foi aprendendo a respeitar a profissão, a admirar o trabalho e a amar o verdadeiro sentido de ser bombeiro, a doação!

4 A Guerreira de Selva

Novamente primeira colocada de seu Estado no Curso de Formação de Oficiais, a jovem oficial se tornou a mais antiga do Bombeiro e do Estado de Roraima.

A instituição estava renovada e independente, as vagas para os postos superiores ainda estavam em aberto, ou seja, somente seria necessário cumprir os pré-requisitos inerentes ao cargo.

Sempre ansiosa em aprender mais e sentindo a cobrança de ser a primeira mulher naquela função, ela percebeu a que deveria concluir sua graduação em Administração de Empresas, afinal, é exatamente aquilo que o oficial faz: administra a instituição.

Com a graduação de Gestor de Riscos Coletivos (título conferido para os que concluem o curso de oficiais do Bombeiro pela Universidade do Estado do Pará) e a de Administradora (UFRR), faltava empreender esforços em cursos de especialista. E foi que Vanísia fez, buscando formação inclusive em outro país, a Venezuela, onde fez dois cursos: Evacuaciones Aeromedicas e Atencion medica pré-hospitalaria al politraumatizado.

Nesse acúmulo de conhecimento voltado para sua atuação profissional, a jovem oficial fez o Estágio Básico de Operações Bombeiro Militar em área de Selva (CBMPA) e um que é considerado o verdadeiro “batismo” de um guerreiro por seu grau de desgaste físico e psicológico, teste da capacidade de auto superação e força de vontade, o Estágio de Adaptação a Selva para as organizações militares brasileiras (CIGS/AM).

Por sua capacidade de empenho, Vanísia recebeu condecorações como: Medalha Mérito Intelectual, Medalha Mérito Monte Roraima, Medalha mérito Governador Otomar de Souza Pinto, Medalha Forte São Joaquim e Medalha da Polícia Militar de São Paulo revolução de 24.

5 A Guerreira da Academia

Ávida consumidora de conhecimento, suas buscas levaram-na a fazer cursos de pós-graduação Lato sensu e desse que também a tornaram produtora de conhecimento, escrevendo artigos e participando de projetos que pudessem contribuir para Segurança Pública.

Textos como “A Segurança Pública Sob O Olhar Antropológico” e “Exclusão Social No Brasil”, ambos publicados no Fórum Brasileiro de Segurança Pública, são instrumentos de esclarecimento para quem almeja informações sobre esses assuntos.

Já os textos “A Eficácia Da Ginástica Laboral Na Redução Do Quadro Álgico Dos Bombeiros Em Curso De Formação De Sargento” que foi exposto em apresentação oral no 27º Congresso de Congresso Internacional de Educação Física, e “Perfil Epidemiológico Das Patologias Que Acometem Os Militares Do Corpo De Bombeiros Militar De Roraima” outra apresentação oral no 3º Encontro Nacional de Qualidade de Vida na Segurança Pública e 3º Encontro Nacional de Qualidade de Vida no Serviço Público, trazem elementos norteadores para soluções de problemas de saúde laboral.

Trabalhos assim despertaram a atenção da administração e ela foi assumiu a responsabilidade pelos projetos no Bombeiro de Roraima. O resultado do trabalho proporcionou em 2008, vencer a concorrência para um edital de qualidade de vida na segurança pública e disponibilidades de recursos para aquisição de materiais e qualificações de profissionais para criação de Centro de Saúde próprio, objetivando o cuidado e a prevenção de patologias nos bombeiros.

E no campo de combate acadêmico, a Major Vanísia vem brilhando na segurança pública com sua opinião forte: “Colocar nossas ideias no papel através de propostas de projetos, só nos trouxe bons frutos.”

6 História Periférica

Sempre identificada com a parte pedagógica, talvez influenciada pela sua formação em magistério, ela sempre procurou desenvolver projetos nesta área de capacitação e valorização profissional.

Em 2007 assumiu a Coordenação Pedagógica da Academia de Polícia Integrada do Estado de Roraima, academia responsável por toda formação, especialização e aperfeiçoamento dos profissionais de segurança pública daquele Estado. Era a primeira vez que um bombeiro assumia aquele cargo, predominantemente desempenhado por policiais, primeira vez que um tenente e, por conseguinte a primeira vez que uma mulher/militar o assumia. Uma responsabilidade de respeito!

Nesse cargo ela foi responsável pelo primeiro projeto pedagógico para o curso de formação de oficiais da PMRR (em andamento) e coordenou diversos cursos, estágios e seminários da PM, PC, GM e BM.

Conseguiu que cursos específicos para bombeiros fossem incluídos nas matrizes da Secretaria de Segurança Pública do Estado.

Foi responsável em 2008 pela primeira expedição específica de mulheres (a única que se tem notícia) ao Monte Roraima (tríplice fronteira, a 2.810 metros de altura do lado venezuelano). Reconhecidamente a experiência única de comandar uma equipe de bravas guerreiras a uma escalada, atingir o topo no dia internacional da mulher daquele ano. Sobre essa experiência, Vanísia diz que “O objetivo não era de provar nada para ninguém, apenas conhecermos nossos limites, que é sempre nosso maior desafio ao ingressarmos nesta carreira.”

Ela destaca que é importante superar desafios. Ela ingressou numa instituição onde as mulheres não possuíam alojamento nem banheiro próprio, era tudo compartilhado com os policiais masculinos. E isso não a diminui, apenas acirrou seu empenho em se fixar naquele meio, num processo gradual de conquista de espaço. Nada de guerra de sexos, apenas por desempenhar a função, o cargo, da forma com deve ser, cada um contribuindo com seus atributos pessoais e inerentes a sua formação como homem/mulher e como agente de segurança.

Após essa experiência, para participar do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais no CBMMG, a então Tenente Vanísia pediu afastamento da Academia em setembro de 2009, no intuito de galgar outro degrau em sua capacitação profissional.

7 Ideias sobre Segurança Pública

Para Vanísia Capaverde a gestão da Segurança Pública está firmada em dois pilares: educação e investimento. Referindo-se à educação, ela insere a pesquisa no estudo direcionado para a proposta da instituição, trabalhando a “saúde e não a doença”. Ela é contra as estatísticas que buscam minimizar índices sem conhecer causas, que são as verdadeiras fomentadoras da prevenção, da presença policial eficaz.

Quanto ao investimento ela percebe que faltam aqueles destinados especificamente para os nossos recursos humanos e materiais. “Vivemos uma guerra diária contra a violência, seja ela no trânsito, nas favelas, nas casas, e nos deparamos com profissionais desmotivados e mal equipados.” Ela afirma.

A desmotivação pode ser causada pela falta de qualificação, de remuneração, de condições de trabalho. Faltam coletes balísticos ou estes estão vencidos, o armamento é obsoleto, a munição vencida, o aparelho de respiração autônomo, sem teste hidrostático… Em contrapartida, além de não estarem atrelados aos códigos e leis às quais os profissionais de segurança pública estão os criminosos têm melhores condições materiais de confrontar a polícia.

Ela acredita que as estruturas de segurança pública precisam de profissionais cada vez mais qualificados, com conhecimentos técnicos aliados a fatores humanos imprescindíveis como o bom senso, o respeito e a dignidade. O papel do profissional de segurança, da manutenção da ordem, da paz social, não tem preço.

Para ela, o trabalho específico do Bombeiro é gratificante. Seu primeiro salvamento, seu primeiro incêndio, seu primeiro parto, serão imagens constantes em sua memória. Ela reafirma que “aquilo que fazemos não é um trabalho e sim uma doação, uma missão sem igual, porque é fazer o bem sem olhar a quem…”

“O agradecimento que recebemos por um atendimento não é pago pelo nosso salário, mas sim pelas nossas consciências, pela certeza de ter feito tudo aquilo que era possível.” É sua afirmação apaixonada que ela complementa: “Se você procura uma profissão que vá lhe realizar como ser humano, esta é a profissão.”

8 Mulher e Segurança Pública

Ainda existe muito preconceito contra a mulher e ele é elevado nessa carreira, mas a Major Vanísia acredita que muitas mulheres são responsáveis por ele. E assim ela busca motivar-se mantendo o condicionamento físico porque acredita que o profissional da segurança publica precisa estar sempre pronto para qualquer tipo de situação. Ela pratica (quando o tempo a permite) paraquedismo, corrida de rua, musculação, embora não goste dessa última modalidade, mas acrescenta sorrindo que “depois dos 30 a gravidade é cruel”.

Especificamente sobre a Mulher e Segurança Pública, vejamos o que Vanísia Santos Capaverde tem a dizer:

“As mulheres são testadas desde o ingresso, ouvem alguns “devaneios” como: você deveria estar pilotando um fogão, e outras piadas preconceituosas. Mas cumprem tão bem ou até melhor suas funções e conquistam o respeito de seus pares, de seus subordinados e de seus superiores.”

“Algumas mulheres se omitem como qualquer outro profissional, pois todos sabem que em todas as categorias há pessoas assim e isso não é questão de gênero, embora isso impere num ambiente de trabalho onde se é a minoria.”

“Vejo a mulher cada vez mais atuante. Tive a oportunidade de ser ajudante de ordem da Secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki, quando de sua presença em Roraima em uma calamidade que lá ocorreu. Durante algumas ocasiões falamos exatamente de como as pessoas percebiam uma mulher num dos maiores cargos da segurança do país e ela me dizia da sua preocupação em não decepcionar as expectativas.”

“E é exatamente assim que me sinto, com a responsabilidade de liderar muitas outras pessoas (incluindo homens e mulheres) que têm expectativas para a instituição e que nossas decisões frustrarão ou não essas expectativas.”

“Quando se tem agregado a toda uma responsabilidade o fator gênero, o peso acaba sendo maior porque ainda somos uma parcela pequena, ainda estamos num ambiente tipicamente masculino. Acredito que cada vez mais as mulheres se destacarão na segurança pública, o público-alvo de nossos atendimentos necessitam deste perfil mais humano peculiar feminino.”

Vanísia é uma mulher empenhada naquilo que faz. Ela permanece estudando, (atualmente é acadêmica de Direito) porque acredita que a mente deve ser mantida ocupada. Ela tem aspirações de desenvolver projetos voltados para formação continuada para os bombeiros e se possível expandi-los no futuro para o âmbito de toda segurança pública do CBMRR.

“Infelizmente formamos soldados, repassamos técnicas que serão aperfeiçoadas e continuamos com aquele soldado do jeito com que foi formado, não tem um processo continuo de requalificação e isto me preocupa, porque as consequências são sentidas lá na ponta, na sociedade para quem prestamos o serviço.”

E finalmente, Vanísia deixa a seguinte exortação para quem quer seguir nessa carreira que ela abraçou.

“Todos os corpos de bombeiros no Brasil são militares. Se você quer fazer parte de um, é importante saber por que você vai se deparar com hierarquia e disciplina como pilares desta instituição.”

“Tenha em mente que aqui, diferente de uma empresa inexistente a possibilidade de diferença salarial por sexo, aqui as diferenças são de competências, então se você ingressar como praça (soldado), o serviço é braçal, requer condicionamento físico e destreza ao pronto atendimento, então se prepare intelectualmente para os concursos, mas não descuide do condicionamento físico, diferente do que algumas pessoas pensam não somos heróis ou heroínas, porque eles agem por impulso, nós agimos com a técnica, com treinamento.”

E essa guerreira do norte encerra como a seguinte exortação: “Não se preocupe se você será preparada para as adversidades, basta que você tenha determinação e não tenha medo de superar seus próprios limites… E quanto a espaço… O espaço nós conquistamos!”


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REFERÊNCIAS

HERMES, Ivenio. As Verdadeiras Guardiãs Mundiais. As Detentoras da Arte de Proteger e Servir. Disponível no Blog do Ivenio Hermes em <http://migre.me/at07h> Acesso em: 25 set. 2012.

HERMES, Ivenio. Mulheres e Segurança Pública: Maria Alice Nascimento. Um Destaque Transformador. Disponível no Blog do Ivenio Hermes em <http://migre.me/at0d8> Acesso em: 25 set. 2012.

HERMES, Ivenio. Mulheres e Segurança Pública: Glaucia Paiva Virginio. Um Presente Exemplar Um Futuro Promissor. Disponível no Blog do Ivenio Hermes em < http://migre.me/aW8yC > Acesso em: 25 set. 2012.

NOTAS

¹ Machismo ou chauvinismo masculino é a crença de que os homens são superiores às mulheres.

PARA BAIXAR

Material Para Conhecer Vanísia Capaverde http://db.tt/feuG4s5G

Ivenio Hermes

Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Integrante do Conselho Editorial e Colunista da Carta Potiguar. Colaborador e Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial. Facebook | Twitter | E-mail: falecom@iveniohermes.com | Mais textos deste autor

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