Rio Grande do Norte, quarta-feira, 24 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 1 de outubro de 2012

O RN como cenário perfeito para o banditismo politiqueiro e a vigarice eleitoral

postado por Anderson Soares

Podemos criar reflexões sobre o exercício da democracia representativa vigente sob vários aspectos, sobretudo podemos procurar entender as expectativas e esperanças de justiça social através das eleições. Ainda olhar para o contexto no qual é concebida a democracia em nosso país, sobrepujada na prática pelo poder do capital, impregnado em todas as instâncias sociais.

Iniciamos a reflexão a partir da tentativa de entender nossa necessidade de delegar para outros o direito de pensar e decidir sobre nossos destinos. Somos, desde sempre, domesticados para a subserviência. Parafraseando Etiene de La Boetie, afirmamos que “o pior da servidão é o costume”. E para que o sistema de representação\escravidão seja eficaz, a educação tradicional, as religiões, os meios de comunicação (todos corroborados perfeitamente por hábitos e tradições arraigadas) nos incutem, a todo instante, que necessitamos de amos, reis, ídolos, patrões e representantes que pensem e decidam por nós; sendo inconcebíveis indivíduos cooperativos e uma sociedade auto-organizada.

Neste momento, os programas politiqueiros e de vigarice eleitoral “enchem o saco”, nos informando sobre a importância do voto e de saber escolher bons representantes, transmitindo esta informação para uma massa bovina que condensa ignorância, apatia e subserviência. A fórmula perfeita para que os grandes beneficiados pela reprodução deste sistema prevaleçam no exercício de concentração de renda e poder político.

Ora, estamos num regime democrático cuja prática é absolutamente vulnerável ao poder do capital e as eleições e o acesso à justiça são os maiores símbolos desta reprodução. As elites econômicas, que se beneficiam da barbárie social, sabem com maestria usar os princípios democráticos a seu favor, evitando que qualquer tipo de mudança significativa seja efetivada via eleições. Yves de La Taille (professor do Departamento de Psicologia da USP) nos ajuda a entender: “Quanto à liberdade, seu aspecto formal também salta aos olhos. Frequentemente, ela é falsa justificativa para legitimar privilégios. O rico latifundiário falará em liberdade, e decorrente mérito, para justiçar seus bens. Os outros que consigam os seus! Ninguém proíbe de trabalhar e de comprar! Vê-se também que igualdade e liberdade andam juntas, um conceito remetendo a outro, às vezes complementando-se, às vezes se opondo”.

Ninguém está interessado em saber, por exemplo, o motivo pelo qual empreiteiros facínoras ou empresários dos transportes vão injetar 10 milhões de reais na campanha eleitoral de determinados candidatos. Sabe-se que, para a forma como as eleições são concebidas, o capital e uma boa estrutura de marketing (mostrar não exatamente como são, mas como desejam ser vistos) são determinantes para que os lacaios sejam eleitos, sendo inúteis apenas boas idéias e intenções dos candidatos “revolucionários”.

Este mesmo grupo detentor do poder econômico e político é que vai nos mostrar como funciona as câmaras ou assembleias  com a sistemática distribuição de propinas para aqueles que ajudaram a eleger. Para que os “representantes” do povo mantenham o país no seu lugar, sem mexer em nada que comprometa a manutenção de seu poder criminoso e secular (concentração de terra, renda e saber), vão obedecer caninamente aqueles lhes pagam propina ou que investiram em suas campanhas milionárias.

Aqueles bovinos cegamente tomados pela ignorância, apatia e mediocridade pessoal não conseguem imaginar que o Congresso Nacional é tomado por deputados que foram patrocinados em suas campanhas milionárias por empreiteiros, empresários de inúmeros segmentos que querem apenas fazer valer os seus “direitos”. As bancadas são diversificadas: ruralista (representando os latifundiários), evangélica (representando os impérios de milionários charlatães) e assim vai: indústria do armamento, dos medicamentos, mafiosos do futebol…

Mas, para o leitor indignado e que acredita nos honestos, dizemos que, neste covil de orgia de poder e dinheiro, ainda existem aqueles bem intencionados e até revolucionários. Estes, os fatos cotidianos mostram, são sistematicamente despotencializados e ridicularizados em seus projetos “estranhos” como, por exemplo, “confisco” das terras onde for comprovado trabalho escravo, ou tornar crime hediondo o desvio de verbas relacionadas à educação e saúde. Projetos que logo são escanteados e enfraquecidos nas votações democráticas, não atrapalhando o trabalho das bancadas criminosas, que prevalecem em todas as eleições. Muitos se revoltam ao ver um famigerado mega corrupto do sudeste do país (“sou ficha limpa”, pragueja de forma cínica o lacaio que mal pode sair do país) livre e exercendo impunemente seu trabalho de “representante” do povo, usufruindo do foro privilegiado para escapar dos processos referentes aos inúmeros crimes e assaltos aos cofres públicos que cometeu.

Podemos desmistificar esta revolta: este famigerado politiqueiro mantém sua equipe de bons advogados, que competentemente vão garantir seus direitos diante da lei. É assim que a impunidade prevalece: pela estrutura viciada na qual os que conseguem acesso a advogados se livram de punições e penas rigorosas; ao contrário daqueles criminosos de pele parda\morena\negra que são achincalhados nos bizarros e sádicos programas policiais, não tendo direto ao “privilégio” de acesso à lei por serem pobres.

A imundície se agrava no RN, quando coronéis modernos (velhos e recentes oligarcas), que exercem cargos públicos, conseguem fazer manutenção de seus impérios usufruindo do poder de suas TVs\rádios\jornais que veiculam as informações conforme o interesse perverso de seu grupo econômico (não existindo nem mesmo cuidado com o disfarce\camuflagem da parcialidade descarada nas notícias). Rotineiramente, tais TVs prestam desserviço à população e são constituídas de jornalistas (chiques e modernos) submissos e acríticos (parte significativa), que aprenderam muito bem a fazer o “bom” jornalismo.

Vamos precisar das inúmeras ferramentas das Ciências Humanas para entender o processo de identificação dos “oprimidos” com os “opressores” (“cabeça do oprimido: a morada do opressor”, diz Leonardo Boff), em que os mesmos defendem com “unhas e dentes” o sistema que os vitimam todos os dias; chegam ao ponto de colocarem fotos dos lacaios em suas residências e defender suas posturas e falas, acreditando que através das eleições (um jogo viciado e de cartas marcadas pelo poder do capital), possam construir a justiça social no país de raízes coloniais, escravocratas e absolutistas.

Para finalizar: é preciso que criemos meios para que todos consigam refletir sobre outras formas de organização social que neutralizem o poder de capital. Se nossas furiosas indignações sociais forem canalizadas para outros instrumentos de mudança (democracia direta), que não as eleições, provavelmente teremos melhores resultados do que apenas assistir às elites econômicas fazerem a manutenção de seus impérios através do suposto exercício democrático (democracia representativa).

Anderson Soares

Escritor.

One Response

  1. Uma análise interessante e corajosa! É preciso ter força para acreditar na mudança…

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