Rio Grande do Norte, terça-feira, 16 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 14 de outubro de 2012

A Miséria do “Voto Útil”: Em defesa do Voto Nulo no Segundo Turno

postado por Alyson Freire

No Brasil, podemos afirmar, as eleições não são mais uma novidade. Desde a Constituição de 1988, elas ocorrem num intervalo de dois e dois anos. O voto – a avaliação e a escolha dos mandatários do poder – tornou-se, portanto, uma experiência mais ou menos familiar aos brasileiros. Em outras palavras, não foi apenas ao calendário que a experiência social e cognitiva do voto foi incorporada, mas à própria cultura política brasileira e aos esquemas mentais dos brasileiros.

São muitos os elementos que pesam sobre o voto. Alguns deles, inclusive, ilegítimos como a coerção do poder econômico e político, a manipulação da mídia, entre outros. De fato, como há mostrado o cientista político italiano, Giovanni Sartori, o próprio formato dos sistemas eleitorais influenciam o tipo de racionalidade e as motivações que os eleitores mobilizarão em sua decisão por este ou aquele candidato. Por exemplo, em sistemas eleitorais majoritários teríamos o predomínio do chamado “voto sincero” ao passo que o sistema proporcional estimularia mais o “voto estratégico”, portanto uma racionalidade mais calculista do que valorativa.

O apelo ao “voto estratégico” ou “voto útil” ganha destaque sobretudo quando as opções com maior coerência e integridade ideológica saem da disputa eleitoral ou possuem poucas chances de vitória. Não à toa que tal apelo se torna particularmente forte e candente nos segundos turnos.

Eis que, nas terras natalinas, a disputa entre Carlos Eduardo e Hermano Moraes coloca em tela mais uma vez a questão do “voto útil”. Da esquerda partidária aos bem pensantes, quase todos passam a evocar e coroar o “voto útil” como a melhor e única alternativa para manter-se ativo e politicamente responsável no processo. Quer dizer, em momentos decisivos como este, não caberia insistir no orgulho da ética da convicção e na intransigência dos princípios; somente a análise do cenário e o resultado importariam. Do contrário, a realidade do que se está em disputa sucumbiria ao idealismo e ao fundamentalismo dos valores últimos. Como um canto de sereia, assim proclamam os defensores do “voto útil” apelando à realidade e à razão.

Nesse sentido, para evitar qualquer risco de vitória de Hermano, deve-se votar, ainda que a contragosto e pensando nas mínimas diferenças, em Carlos Eduardo. Esta, em que pese as forças conservadores que estão por trás de seu nome, representa a candidatura mais “progressista” se comparado ao candidato de Garibaldi Alves. Que Wilma de Faria, e suas centenas de escândalos esteja do outro lado, ou que um “acordão” entre a “guerreira” e CEA faça mais a frente este ceder o seu lugar de prefeito à primeira para disputar as eleições de governador seriam questões menores. CEA significaria, portanto, um “mal menor” em relação à Hermano. Votar no candidato do PDT seria, na verdade, um voto contra o oportunismo, o privatismo e o fantochismo que representa Hermano.

Sem tirar as razões dos argumentos dirigidos contra Hermano ou desconfiar das boas intenções dos que defendem o “voto útil” ou o “apoio crítico” a CEA, há, porém, no “voto útil” algo que me incomoda profundamente. E nem é tanto o espírito do “menor dos males” que o acompanha, e que implica em nossa rendição, intelectual e política, ao um cenário mesquinho e pobre ou a superestimar diferenças mínimas.

Quando decidimos dar um “voto útil” em apoio ao “menos pior” o que aparece em primeiro plano é aquilo de que estaríamos supostamente tentando nos livrar; o conservadorismo, o privatismo, etc..

No entanto, acaba-se por esquecer, fingir ou desconsiderar um aspecto central, o qual o cálculo eleitoral do “voto útil” escamoteia e encobre, qual seja: aquilo de que estamos abrindo mão quando nos lançamos na retórica do “voto útil”. Em primeiro lugar, “abrimos mão” das possibilidades políticas extra-cenário eleitoral, e, em segundo lugar, “abrimos mão” de uma concepção mais significativa e expressiva de política e de democracia.

Vejamos. Com o empenho no “voto útil”, abdica-se, talvez muito facilmente, de uma das tarefas mais fundamentais da luta política e cultural, a qual, intelectuais públicos e militantes jamais deveriam perder de vista; a exigência de novos possíveis e o descontentamento com a realidade vigente. Esta postura crítica e inconformada frente ao tempo presente – e sua partilha do sensível – é uma das molas mestra na luta por mudanças.

O “voto útil”, por sua vez, é, a um só tempo, uma acomodação aos limites do possível e uma rendição à mediocridade do realismo dos pequenos resultados. Em vez de agir para multiplicar as possibilidades do questionamento político, o “voto útil” restringe-as, na medida em que constitui uma ação subordinada às opções e possibilidades reais do cenário do jogo eleitoral. Não custa lembrar, que mesmo no deserto é possível encontrar – e imaginar – oásis.

Por trás da ideia do “voto útil” radica, ainda, a visão do processo eleitoral, e, por que não, da democracia, como um processo prioritariamente competitivo. Nesse sentido, o voto deixa de ser a expressão de afirmação de ideais, crenças e opiniões para tornar-se, em maior medida, um mecanismo de seleção guiado pelo cálculo dos riscos e resultados envolvidos no cenário. A política é reduzida a sua dimensão calculista-eleitoral e estratégica do cenário. Todas as suas outras possibilidades e características são obscurecidas pelo imperativo da competição e da racionalidade instrumental.

Portanto, no “voto útil” vige o hábito de fincar o pensamento e a ação na estrita finitude das opções presentes e imediatas. À este hábito soma-se a obsessão pelo cálculo eleitoral e estratégico como motivação principal do exercício da política. Juntos, ambos acabam por nos deixar cativo ao que deveríamos enfaticamente criticar. O imperalismo da realpolitik abraça a miséria do presente…

Face a pequenez e escassez de nosso tempo e oferta política, em vez do cálculo eleitoral em cima do cenário, prefiro realizar a crítica do cenário político-eleitoral vigente. Decidir pela crítica, pela insubmissão reflexiva contra o imperalismo da competição eleitoral e seu realismo é uma posição, nem mais pura nem mais legítima, e, também, não menos ativa e participativa do que a do “voto útil”. Seu poder de intervenção atinge aspectos e áreas diferentes daquela que o “voto útil” busca atingir exclusivamente. Afinal, a política não se restringe a esfera eleitoral ou a esfera parlamentar, ela está envolvida na totalidade da esfera pública.

Neste segundo turno do pleito municipal em Natal, meu “voto nulo” significa um voto ativo contra a miséria de nosso “mercado político” e contra a concepção instrumental de política embutida na ideia do “voto útil”.

 

Alyson Freire

Sociólogo e Professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).

8 Responses

  1. Werner disse:

    Excelente artigo! Claro, bem escrito e consistente nos argumentos. Os sentidos mais fortes da política vem sendo engolidos pelo pragmatismo dos partidos e pelo sensacionalismo descarado da imprensa. Mais do que nunca, precisamos de novas visões sobre a política para confrontar as que estão em voga em tempos de “mensalão”.

  2. Lucila disse:

    Acho que a expressão da posição crítica a um raso cenário eleitoral
    é válida caso esse cenário não refletisse o cenário maior da política local. É
    necessário ponderar que as opções hora disponíveis para a prefeitura de Natal
    não são negativas unicamente em função das personas dos candidatos e, sim, são
    a personificação do modo de se fazer política no RN. E, esse modo, mais do que
    indignar quem, ideologicamente, opta pelo voto nulo, é causa principal do caos
    sócio-político da cidade, agora, escancarado pela gestão Micarla. Esse cenário
    caótico só seria rapidamente superado caso os que se indignam com as opções inviáveis
    se posicionassem ativamente para mudar a situação. Infelizmente, o histórico de
    cidadania da população natalense não permite vislumbrar tal mobilização. Mesmo
    levando em consideração os últimos protestos, uma vez que estes tiveram seu
    impacto junto ao poder público aumentado por ocorrem em paralelo às eleições e só
    ocorrerem reativamente a abusos extremos. O que digo é que, em Natal, não é
    comum a população, reunida em grupos organizados, participar espontaneamente de
    atividades de cidadania para garantir uma atenção regular aos direitos dos
    cidadãos.

    Ainda, o artigo é leviano ao generalizar o “apoio crítico” a
    Carlos Eduardo levantado pelo PT (o que não cita no artigo) para que este caiba
    na vala comum de “voto útil”. Também, o artigo não deixa claro como o voto
    crítico, aqui qualificado como “voto útil”, obrigatoriamente, sobrepõe renegar “as
    possibilidades política extra-cenário eleitoral”. Essa generalização vazia só
    indica um intuito de desqualificar o posicionamento do voto crítico levantado
    pelo PT, por atrela-lo a uma forçosa inércia política de quem o prática.

    A meu ver, neste pleito, qualquer posicionamento, seja voto
    crítico, voto útil ou voto nulo, desprovido de ações concretas se configuraria no
    abandono ao exercício da cidadania e de uma “uma concepção mais significativa e
    expressiva de política e democracia”. Caso se adote uma postura alienada no
    contexto pós-eleitoral, o voto crítico e o voto nulo se igualam, seja em uma
    crítica vazia ao cenário eleitoral atual, seja no combate ao cenário político
    do RN. Isso tudo é bem melhor discutido neste texto: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/palhaco-eu/#.UEnS0uEK3hI.facebook.

    Mas, o voto nulo é bem mais prejudicial, no cenário político
    de Natal. No momento em que esse eleitorado consciente se coloca, criticamente,
    acima do mal e do mal, o recado que faz chegar ao candidato eleito é que apenas
    ao seu curral interessa o seu governo e, para este, ele terá total liberdade de
    governo, conforme a cartilha antiquada do RN. O resultado disso é o que se vê
    em Natal atualmente, o que tem gerado reações pontuais a abusos extremos, porém,
    sem reflexão. Isso, claro, caso se, e somente se, esse eleitorado indignado não
    resolva, subitamente, participar das questões políticas da capital potiguar.
    Alguém consegue vê esse cenário?

    Em outras palavras: “Desce do sono, princesa/Deixa o seu cetro
    rolar/De que adianta haver tanta beleza/Se não se pode tocar?”.

  3. Alyson Freire disse:

    Cara Lucila,

    A crítica a miséria do cenário contempla não apenas a oferta, mas, também, o modo de se fazer política no RN, pois como afirmei o que me parece problemático é a própria concepção política (excessivamente realista e instrumental) em pauta.

    Sobre o leviano em citar a posição do PT, não igualo voto útil ao apoio crítico. “(…) desconfiar das boas intenções dos que defendem o “voto útil” ou o “apoio crítico” a CEA (…)”. O “ou” seguido do artigo “o” denota acréscimo, e não equivalência. Acho até a posição do PT mais coerente, pois preserva uma postura de dúvida e suspeita, sem colocar-se numa situação de incondicional apoio a priori.

    Um posicionamento escrito, defendido e divulgado num espaço de debate e troca é uma ação concreta na medida em que proporciona a participação de outras pessoas, seja lendo, comentando, pensando, discordando, concordando, etc..

    No mais, minha intenção com o artigo é não deixar que o imperativo do cenário da disputa eleitoral abafe por completo uma crítica que, a meu ver, deve ser realizada e tornada visível e audível, qual seja: a crítica da absolutização da realpolitk e da política como cálculo. Isso não quer dizer que eu não veja diferenças entre Hermano e CEA, ou não tenha uma preferência entre um e outro. Trata-se de diversificar os olhares sobre o cenário eleitoral vigente e o modo de se fazer política no estado para que não nos fechemos a outras possibilidades. Apenas isso. Abraços,

    • Lucila disse:

      Obrigada pelos esclarecimentos.

      Mas, não achei que você os tenha tornado equivalentes, mas que
      generalizou o apoio crítico. Sem querer argumentar com base na gramática, mas, mesmo
      o simples acréscimo do “apoio crítico” ao “voto útil” o empurra, sim, para uma
      categoria diversa do “voto nulo”. Nas minhas palavras, empurra para uma vala
      comum ao “voto útil” porque a construção da oração o desqualifica. Fato este
      que o primeiro comentário ao artigo traz logo uma alusão ao “mensalão”. Nem
      sempre é necessário que esteja escrito, basta que seja sugerido para que o
      discurso seja feito.

      Também não o acuso de tecer uma crítica vazia. Acredito,
      que, cotidianamente, exerça uma crítica ativa ao cenário político do RN, não
      apenas por escrever em um veículo de comunicação, mas pela formação e profissão
      escolhidas e aqui, divulgadas.

      O que ponderei é que o voto nulo como uma única ação crítica
      adotada politicamente é uma crítica vazia. E, isso, no contexto político do RN,
      acredito ser mais prejudicial que o “apoio crítico” e mesmo que o “voto útil”, ainda que
      este carregue a conformação com a política por resultados.

      Acho, por isso, que na defesa a crítica política pelo voto nulo é primordial
      essa ponderação e, também, a conclamação para que, quem a pratique, extrapole essa
      postura para o cotidiano.

      Em outras palavras: “Desce do sono, princesa/Deixa o seu
      cetro rolar/De que adianta haver tanta beleza/Se não se pode tocar?”.

  4. Daniel Menezes disse:

    Alyson,

    reafirmo a minha crítica a ideia de voto nulo.

    Primeiro, há, sim, diferenças entre os candidatos. Carlos Eduardo prometeu acabar com a terceirização da administração das UPAs, o que, conforme investigação do MP, é perniciosa para o Estado. Hermano tem uma visão mais gerencialista da política e não tocou no assunto.
    Segundo, Hermano representa setores mais conservadores da cidade. Vide a defesa explícita do Seturn e do modo como o último aumento se processou da passagem de ônibus.
    Terceiro, Carlos Eduardo não fez uma administração perfeita, nem muito menos Wilma de Faria, sua vice, quando governadora. Longe disso. Porém, comparativamente, foram boas gestões do que as que tão postas.
    Quarto, para a gente pode se estabelecer “pequenas diferenças”, na medida em que, enquanto classe média, estabelecemos outra relação com os serviços públicos. Para a cidade como um todo, não. Os alunos das escolas públicas, por exemplo, com Micarla, ficaram dois anos sem fardamento por falta de gerenciamento adequado. Com CEA isso não ocorreu.
    Bem, são coisas que, para quem depende diretamente do Estado, marcam diferenças significativas.
    Quinto, ao invés de pregarmos o alheamento político, como uma crítica que pede uma eleição com melhores opções, temos de participar dela, para, desse modo, construir novas possibilidades.
    No final, a ideia de voto nulo diz: o mercado político é escasso. Não quero participar dele, enquanto ele não apresentar melhores opções. Prega, portanto, uma “terceirização” do melhoramento das opções que serão postas em disputa. Só afirmação da passividade.
    Teu texto também estabelece uma separação entre racionalidade instrumental e valorativa, que acaba por naturalizar negativamente a primeira, enquanto atribui a segunda um enquadramento positivo, que não sei se é sempre assim.
    Um candidato vai ser escolhido. Quer a gente queira ou não. A disputa política é processual e o melhor é fazer com que a gente participe dela, para que, de fato, exista uma construção coletiva de um caminho mais promissor para um projeto democrático e participativo.

  5. Alan Lacerda disse:

    O teste de fogo desse tipo de raciocínio é o seguinte. Se o candidato do autor tivesse passado para o segundo turno, o autor aceitaria sem maiores problemas os apoios “instrumentais” que seu postulante provavelmente receberia na segunda fase?

  6. Alyson Freire disse:

    Daniel,

    Não creio que criticar a própria escassez e a chantagem que o cenário eleitoral nos impõe seja uma atitude de alheamento político. Muito pelo contrário, toda crítica é uma intervenção política, portanto, há sim participação. O voto nulo é, muitas vezes, enxergado e praticado como recusa da política, e, nesse sentido, estou completamente de acordo com suas críticas. Todavia, não é por aí o caminho que adotei. Minha ideia é muito mais enfatizar e firmar uma posição em torno de uma crítica contra a absolutização da análise do cenário e as imposições limitadoras que que tal nos coloca e constrange. Apenas isso. Em nome do voto útil, da racionalidade estratégica e da análise comparativa acabamos por negligenciar certos temas, contradições, forças, as quais, segundo penso, devem sim ter a devida visibilidade. E, isso, é acima de tudo agir e participar politicamente apesar do cenário. É responsabilidade com algo mais amplo do que o cenário eleitoral sem por isso negá-lo.

  7. Em poucas palavras, minha opinião: Voto nulo é um voto preguiçoso! Dizer que votar em A ou B é a mesma coisa, não é. Votar nulo é concordar com 20% dos natalenses que no primeiro turno, diante de CINCO candidatos das mais diferentes matizes ideológicas, abstiveram-se de escolher. Concordo que não representam grandes mudanças ou rupturas, mas dizer que são iguais é preguiça de analisar não apenas as propostas (ambas são pobre em apresentá-las) mas suas consequências políticas.

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