Rio Grande do Norte, quinta-feira, 18 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 17 de outubro de 2012

Sobre o voto nulo e a questão da afirmação da passividade

postado por Daniel Menezes

A política se faz com senso de proporção, nos ensinou certa vez a sociólogo Max Weber. Nem sempre – ou sempre? – é factível obter exatamente aquilo que o ator almeja, o que não significa afirmar que não é possível atingir ganhos processuais e paulatinos.

É o que esquece quem prega “voto nulo”. Quem defende a não participação nas eleições, não leva em consideração também a diferença entre os candidatos, que nunca são exatamente iguais. Pelo contrário. Representam forças sociais e políticas distintas.

O caso de Natal é significativo. Em que pese a aparente semelhança, Carlos Eduardo e Hermano apresentam um conjunto de especificidades, que são significativas. Vou esquematizar algumas delas.

Carlos Eduardo

Coalizão de Centro Esquerda: PDT, PCdoB, PSB, PT, etc;

Concepções menos privatista de saúde: disse que irá acabar com a terceirização nas Unidades de Pronto Atendimento, que se mostraram perniciosas para o erário público;

Prometeu fortalecer o controle-verificação do sistema de transporte público, hoje nas mãos das próprias empresas que prestam o serviço;

Quando prefeito, implementou atividades de participação efetiva da sociedade. Exemplo: construção do premiado plano diretor e geração do orçamento participativo;

Enfim, tem concepções que dizem respeito a atuação mais efetiva do Estado;

Não fez apelo a questões morais em sua campanha.

Hermano Morais

Coalização de Centro Direita: PSDB, DEM, PMDB, PV, etc;

Acredita que parte dos serviços públicos podem ser melhor administrados pela iniciativa privada;

Apoiou o aumento da passagem de ônibus, por alegar que ela estava defasada;

É apoiado por partidos que tem histórico de uma concepção menos participativa de gestão pública;

Uma visão menos efetiva da atuação do Estado, por defender o papel da iniciativa privada;

Faz apelos explícitos a questões morais: aborto, religião, família e incorporou em sua campanha, o pastor Silas Malafaia e o líder Católico Gabriel Chalita.

Talvez, para quem não faz uso das ações públicas de saúde, a questão da terceirização da UPA seja algo menor, mas isso representa uma mudança tremenda na forma como o serviço será prestado para os cidadãos que utilizam a Unidade de Pronto Atendimento. Como desconsiderar tal fato?

Vale lembrar também que o segundo turno, com os dois candidatos postos, foi montado de modo soberano pelos eleitores de Natal. Carlos Eduardo e Hermano Morais entraram pelas urnas. Em nenhum momento, a democracia foi desrespeitada.

Se nossa opção perdeu, que a gente construa, dentro do cenário estabelecido, uma escolha que mais se aproxime dos nossos ideais. Democracia, em que a via eleitoral é um espaço de participação, tem de ser valorizada quando se ganha, mas, sobretudo, quando se perde.

Não é possível transformar a sociedade, se eximindo da política. Até porque um candidato vai ser escolhido, quer a gente queira ou não. Serão duas administrações diferentes e, dependendo de quem vença, teremos um fortalecimento da centro-direita ou da centro-esquerda, com consequências políticas futuras para o Rio Grande do Norte.

Desconsiderar tais fatos é como dizer: não importo quem vença, aceito ser mandado por qualquer um deles. Aceito a separação entre os politicamente ativos, que decidem o destino da cidade; e os demais politicamente passivos, que são levados a reboque. O efeito prático do voto nulo e não participação eleitoral é a afirmação da passividade.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

10 Responses

  1. Alyson Freire disse:

    Daniel,
    Não creio que criticar a própria escassez e a chantagem que o cenário eleitoral nos impõe seja uma atitude de alheamento político ou passividade. Muito pelo contrário, toda crítica é uma intervenção política, portanto, há sim participação. O voto nulo é, muitas vezes, enxergado e praticado como recusa da política, e, nesse sentido, estou completamente de acordo com suas críticas. De fato, muitos do que pregam o voto nulo caem nessa armadilha anti-política e moralista.

    Todavia, este sentido não esgota as possibilidades do voto e seu efeito práticos. Ambos devem ser avaliados relacionalmente e segundo a forma política que assumem. Os sentidos das coisas não estão dados assim nas próprias coisas.

    Minha ideia com o voto nulo, no contexto dentro do qual o mobilizo como argumento, é muito mais para enfatizar e firmar uma posição em torno de uma crítica contra a absolutização da análise do cenário e as imposições limitadoras que que tal nos coloca e constrange. Apenas isso. Em nome do voto útil, da racionalidade estratégica e da análise comparativa acabamos por negligenciar certos temas, contradições, forças, as quais, segundo penso, devem sim ter a devida visibilidade. E, isso, é acima de tudo agir e participar politicamente. É responsabilidade com algo mais amplo do que o cenário eleitoral sem por isso negá-lo.

  2. Daniel Menezes disse:

    Alyson,

    fico com Wittgeinstein: não me pergunto pela intenção, mas pela prática e o que ela produz do ponto de vista social e político.
    A intenção do voto nulo pode ser criticar a escassez de opções, etc, mas seu efeito prático é o alheamento eleitoral, uma forma de participação política.
    Sim, o voto nulo é uma posição política, que gera a saída da eleição, um espaço da política.
    Mais. Tende a desconsiderar a diferenças entre os candidatos. Sim, elas existem.
    Mais II. Naturaliza a crítica a escassez de opções, pregando a saída do processo e não a participação efetiva nele. Criticar a escassez de opções, ou possíveis incongruências ou questões pontuais em um dos candidatos, não implica, necessariamente, que você terá de se isentar do processo.
    Mais III: há uma naturalização, negativa, no teu argumento da racionalidade estratégica e do cálculo eleitoral, o que pode ser, simplesmente, uma forma de reflexividade.

  3. Daniel Menezes disse:

    “chantagem que o cenário eleitoral nos impõe”. Alyson, você não queria dizer isso. Tenho certeza.

  4. voto nulo disse:

    Alguém aqui já leu “Ensaio sobre a lucidez”???
    Será que falta lucidez aqui para compreender que muitos que anulam seu voto compreendem, às vezes, a democracia melhor do que aqueles que estão cegos por uma representatividade que pouco representa?
    Muitos que anulam seu voto não o fazem por indifirença: fazem-no por desejarem a real diferença, uma escolha democrática que realmente se concretize numa mudança. Centro-esquerda…centro-direita: eufemismos pra dizer q ainda não tocamos nas chagas estruturais que realmente nos ferem… “A democracia é uma realidade que não existe. Quem
    verdadeiramente manda são instituições que não têm nada de democráticas…” José Saramago

  5. Daniel Menezes disse:

    Voto Nulo,

    quer a gente queira ou não, os dois projetos que estão no segundo turno foram escolhidos democraticamente, ou seja, pela maioria da sociedade.

  6. Túlio Madson disse:

    Essa suposta “passividade” seria verdade apenas se a única forma possível de se fazer política fosse através da representatividade, o que não é verdade. Quem consolidou a desaprovação de Micarla? Quem conseguiu instaurar a CEI dos contratos? Quem conseguiu o fato inédito de reverter um aumento de passagem? Quem fez valer a volta do sistema de integração? Quem? Pessoas nas rua, na internet, em casa, discutindo, debatendo, protestando. Isso é democracia: acesso deliberativo direto às questões públicas. Sabe qual é a maior passividade nisso tudo? As pessoas que acreditam que política só se faz uma vez a cada dois anos, em poucos segundos em frente a uma urna apertando um botão. Se você acha que todos que votarão nulo serão passivos politicamente, te convido às ruas nos próximos anos, muitos estarão lá…

  7. Nicolau disse:

    Que texto ridículo. Nem meu filho de 10 anos faz comparativos tão superficiais e tendenciosos… Falácias de alianças de centro-esquerda e centro-direita, maior ou menor participação do Estado hehehe. Esse cara “leva” algum do PT, com certeza…

  8. Daniel Menezes disse:

    Túlio,

    às vezes, a gente cria um inimigo inexistente, para ficar mais fácil de bater e contra-atacar.
    Em nenhum momento eu desconsiderei as demais formas de fazer política. Não há nada disso no meu texto.
    O que disse e enfatizo é que o voto nulo, aí sim, desconsidera que a arena eleitoral é um espaço de disputa da política, quer a gente queira ou não e afirma a passividade (nesse espaço de disputa). Mais, É um espaço legitimado e, a longo prazo, não há qualquer perspectiva que diga respeito ao seu esgotamento.
    Pior. Se os setores mais progressistas da sociedade não lutarem por ocupar a CMN, a Prefeitura, etc, esses espaços não deixarão de ser ocupados. Pelo contrário. PMDB, DEM, PSDB e outros partidos lutarão e chegarão até ele.
    E não é pouca coisa: os recursos públicos econômicos (impostos) e simbólicos (legislação, canais de fala, etc) são controlados pelo Estado.
    Votar nulo e se eximir da disputa eleitoral é desconsiderar esses fatos. É só entregar “ouro” para o “bandido”.
    Você pode criticar as eleições, mas indo para dentro e não saindo.
    No final, essa passividade tem esses resultados práticos.
    Não raro, também, parte de falsos pressupostos: todo político é igual, farinha do mesmo saco, etc, puro senso comum.
    Outra: dizer que os dois são iguais é desconsiderar que o segundo turno, tal como foi montado, foi escolhido pela maioria da população, que pediu para que a gente escolhesse entre esses dois projetos.
    Carlos Eduardo e Hermano representam dois projetos distintos: com duas formas de ver a saúde, a contratação de funcionários, etc. Dependendo do prefeito eleito, por exemplo, teremos outro projeto de governo do estado, de senadores, deputados federais, etc.
    Para a gente que tem plano de saúde, talvez, não exista muita diferença entre a saúde ter administração terceirizada ou não, mas quem faz uso do serviço enxerga uma diferença tremenda.
    Afirmação de preconceito em relação a política eleitoral implica em apenas se eximir do processo e enfatizar preconceito para com a política.

  9. Caio Cesão disse:

    Não entendo esses petralhas… quer dizer que eu terei que me pautar entre o
    “menos criminoso e bandido” pra poder votar? Se tivesse Rogério Marinho
    e Felipe Maia disputando, eu teria que escolher entre o menos pior dos
    dois? Se tivesse Hitler e o Jack Estripador disputando o segundo turno, eu deveria realmente escolher um entre eles??

    Pelo amor de Deus!

    Eu lembro muito bem do fracasso que era o Governo de Carlos Eduardo. Só
    sendo um petralha muito imbecil pra achar que ele vai desfazer toda a
    merda que Micarla fez em 4 anos.

    E outra coisa: eu tenho culpa se o Hermano está do lado da Micarla e da
    Rosalba? Tenho culpa se o Carlos Alves tem trocentos processos na
    justiça?

    E como diabos eu vou saber se o PT federal não está massacrando o estado
    pela dissidência política com o DEM aqui no RN? Será que se for o PMDB, a Dilma não diminua o massacre, já que tem o Temer do lado? Ou será que vai piorar?

    São muitas dúvidas. Não dá mais pra confiar em DEM, PT, PSDB, PSB, PDT, etc.

    Portanto, acho que vocês bem que podiam parar de criticar quem não quer
    apoiar o fracasso já predestinado. Seja com Carlos Alves, seja com Hermano, a cidade só vai se degradar de formas diferentes. Essa é uma crença minha e de muitos outros que votam nulo.

    Querem votar no Hermano, votem; querem votar no Carlos Alves, votem. Mas deixem também quem quer votar nulo quieto.

    Daniel, aproveita e coloca esse artigo no seu Lattes… certamente vai te dar muitos pontos!

    =P

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