Rio Grande do Norte, sexta-feira, 19 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 20 de dezembro de 2012

Homofobia? O Tribunal de Justiça, que impediu a Parada Gay, permitiu a realização do Carnatal

postado por Daniel Menezes

O carnatal é aquele tipo de ação que desrespeita direitos no atacado.

A festa em si é legítima. Qualquer um pode e deve ter o direito de produzir o evento que bem entender. E quem achar interessante de comprar a entrada.

Não compartilho das opiniões de que quem vai para o carnatal tem merda na cabeça, ou que contribui para o caos da cidade. Ora, assim como vejo como absurda a correlação entre comprar maconha enquanto usuário e contribuir para a violência, como o discurso policial deixa erradamente entrever (o raciocínio peca por ser desprovido de base científica), também não endosso a “tese” da pessoa que adquire um abadá estar ajudando a gerar o caos na cidade.

Não gosto de enveredar por explicações etnocêntricas, racista dos costumes.

Também não vou apelar para silogismos retóricos. Enquanto festa, o carnatal não tem a menor obrigação de deixar um “legado”. Alias, como a maioria dos eventos de Natal não estabelece nenhuma “contrapartida”, inclusive, os chamados acontecimentos alternativos e/ou de esquerda.

Porém, sou totalmente contra o modo como o evento se desenrola. Se é uma festa privada, que funcione num espaço privado, ou mesmo num local público, mas sem ferir a cidadania de terceiros.

Da maneira como ocorre, o carnatal socializa prejuízos (sujeira, canteiros quebrados, etc), fere direitos (de ir e vir, som alto na madruga, uso publicitário do espaço público, etc.) e privatiza ganhos. E não é irrelevante lembrar que a festança é regada com muita verba pública, do Governo do Estado e do Município.

Carnatal não é Natal, como enfatiza de maneira nada modesta a sua publicidade. Carnatal é um negócio.

O caldo engrossa ainda mais quando se percebe o jeito como as ditas autoridades locais se relacionam com o evento e com outras manifestações, que ocupam o espaço público, mas com uma função completamente diversa, com outros objetivos, com diferente razão de ser.

A atuação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, nesse quesito, é emblemática.

O TJ-RN, que permitiu a realização do carnatal, mesmo com pedidos do Ministério Público em contrário, por motivos óbvios – eu apresentei alguns no início do texto -, impediu a concretização da Parada Gay.

A Parada Gay vem de um movimento social constituído. Luta por algo, que dado o nosso desenvolvimento civilizacional, deveria ser considerado banal. O direito de tocar a vida, se relacionar com quem quiser e não ser incomodado por isso. Em resumo, busca a igualdade em sua plenitude, que continua a ser afrontada por uma sociedade homofóbica e que, inclusive, mata por conta disso – os dados mais modestos falam em 300 assassinatos, ou números mais significativos afirmam acontecer 3000 crimes de morte em decorrência da escolha sexual da vítima no Brasil.

Em que pese todo o cenário apresentado, o Tribunal de Justiça negou a liminar impetrada pelos organizadores da Parada Gay, o que impediu a saída dos trios do ponto de partida (Av Engenheiro Roberto Freire). A festa reivindicatória, que estava marcada para o último domingo, perdeu um pouco do seu brilho.

A versão dos organizadores do evento para o ocorrido é gravíssima. Eles defendem que os trios apresentavam 4,7 metros e não 6, como enfatizou o corpo de bombeiros do RN (a norma técnica permite que o trio tenha, no máximo, 5 metros).

Ainda conforme a comissão organizadora, o oficial de justiça verificou o dado correto – 4,7 metros -, quando a celeuma se desenrolou, sem, no entanto, reverter a opinião do TJ-RN.

O movimento promete entrar com uma representação na secretaria de direitos humanos da presidência da república contra o Governo do Estado.

Repito, a acusação é gravíssima, pois o Governo do RN pode ter implementado o primeiro caso de Estado abertamente Homofóbico do Brasil.

Mas uma coisa é certa. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte analisa com muito mais, digamos, “carinho” a realização de uma festa privada que fere direitos, do que a ação de um movimento que luta por direitos.

A venda da deusa grega da balança pode estar com um olho de fora no RN.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

Comments are closed.

Sociedade e Cultura

Os absurdos erros da Parada Gay em Natal

Sociedade e Cultura

O massacre de Newtown e a sociedade norte-americana