Rio Grande do Norte, sexta-feira, 29 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 20 de janeiro de 2013

Reconhecendo a Inocência

postado por Jules Queiroz

Law_gavel-by-s_falkowNa minha atuação profissional como advogado, tenho expressiva quantidade de processos criminais. Em parte desses processos, inegavelmente há pessoas efetivamente “culpadas” do crime de que são acusadas. Não me entendam mal. Não cabe ao advogado julgar seu próprio cliente. Essa tarefa cabe ao juiz e, sendo o caso, ao júri. Não me cabe, portanto, decidir quem é culpado ou inocente.

Ao advogado de defesa cabe atuar em prol de seu cliente, seguindo todas as normas legais e, principalmente, éticas da profissão. Nesse limite, a atuação da defesa é plenamente legítima.

O exercício da defesa perante a acusação do Estado é o estreito fio sob o qual balança a civilização moderna, embora não seja assim compreendido pela mídia. Dar oportunidades de defesa a todos os acusados, sem distinção, é imprescindível caso não planejemos retornar à época da vingança pura e simples, seja ela privada, divina ou estatal.

Mas o objetivo aqui não é falar do “culpado”, mas do inocente.

Acabei de ler um livro chamado “Advogado de Porta de Cadeia” (Ou “O Poder e a Lei”, em virtude do filme feito com base nele[1]). O livro parte de um mote que me atingiu em cheio: “Não existe cliente mais perigoso que o inocente”. Faz muito sentido.

O raciocínio feito pelo protagonista fictício, Michael Haller, advogado criminalista de Los Angeles, é que se o advogado comete um erro com o cliente inocente, será por sua culpa que um inocente irá para a cadeia. Esse pensamento, a meu ver, é mais assustador do que aquele em que um promotor se culpa por deixar um culpado na rua. Talvez seja mais assustador porque uma pessoa inocente presa é a mais óbvia e singela imagem mental do conceito de “injustiça”.

Esse medo do confronto com o cliente inocente pode gerar duas reações nos advogados. Por um lado, podem se tornar insensíveis ao cliente. Nessa hipótese, o advogado se torna incapaz de reconhecer a inocência e de se portar perante o cliente e a Justiça de acordo com essa percepção.

A outra possibilidade é o advogado reconhecer de fato a inocência e se afetar por ela. Aí nasce o medo de, por culpa sua, uma pessoa inocente acabar com ferida incurável em sua vida. O advogado se arrisca, nesse caso, a perder o distanciamento saudável entre sua atuação profissional e seus sentimentos pessoais.

Me parece que essa bifurcação, a posição do advogado perante a inocência, é o primeiro hard case a que nos submetemos. A escolha que fizermos é importante, mas para mim indiferente. O que realmente importa, a meu ver, é que seja uma escolha consciente.


[1] CONELLY, Michael. O poder e a lei. São Paulo: Record, 2011.

Jules Queiroz

Procurador da Fazenda Nacional em Brasília/DF - @julesqueiroz

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