Rio Grande do Norte, terça-feira, 23 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 5 de fevereiro de 2013

Ateus do mundo! Aprendei a dividir vosso espaço!

postado por Felix Maranganha

Meu Mapa Astral

Esses meses eu desapareci daqui. O fato é que, tendo entrado em uma pós-graduação, parte do tempo que eu despenderia escrevendo acabou sendo gasto com estudos, artigos, congressos e encontros com o orientador. Mas fatos recentes me remotivaram a estar aqui.

Já venho há um tempo querendo escrever este texto. Parte de mim vinha declinando a falar sobre o assunto querendo evitar polêmicas e coisas do tipo. Comecei a escrever este texto há duas semanas, praticamente pisando em ovos pra não atrair a ira dos ateus, algo de que venho mantendo distância ultimamente. Mas aos poucos vi que não sou polêmico em essência, mas que tenho apenas posicionamentos que, dentro do atual momento da história, são polêmicos. Alguns conhecidos da Europa e do Japão reafirmam com todas as letras que meus posicionamentos não são polêmicos lá fora, o que me abriu os olhos para o fato de que o problema é mais geográfico que pessoal. Talvez não seja apropriado para este tempo ou este país, mas nasci em ambos, tarde demais, né?

 Pois bem, o que ando percebendo no universo religioso brasileiro, principalmente em meio aos que se autointitulam ateus militantes, é a repetição de um conjunto de lugares-comuns e atitudes agressivas diante das manifestações religiosas que transcendem o simples opinar. Isso se torna um contundente agredir. Na verdade, qualquer manifestação da religiosidade feita na presença deles torna-se um convite para estragar o clima de qualquer situação. Na verdade, esses ateus em específico eu classifico como ateuzinhos adolescentes que nunca superaram o desmame da mãe. Claro que não pego tão pesado assim quando lido com eles, mas é justo isso que penso deles quando destilam toda a sua superação da ignorância religiosa das massas.

 Antes do Natal, estando eu na universidade, reencontrei alguns colegas de filosofia e um colega do mestrado, que estavam sentados, almoçando. Aproveitei pra almoçar também, e me sentar na mesa deles. Como faço sempre, permaneci calado, apenas comendo, falando apenas quando alguma coisa era perguntada a mim, deixando pra me soltar e falar mais quando tivesse concluído o almoço. Era uma conversa divertida, entre amigos, até que uma das moças me perguntou meu signo.

 Eu disse: “Sou de Leão”.

 E ela: “Por isso gosta tanto de aparecer”.

 Dei um sorriso e respondi: “Mas meu ascendente é de Peixes, o que ameniza um pouco disso, né?”

 O clima era de pilhéria, de brincadeira. Ninguém ali estava obrigando ninguém a acreditar nisso ou naquilo. Mas foi o suficiente pra um colega de filosofia alterar seu semblante e lançar uma pergunta que, a princípio, encarei como uma brincadeira: “Você acredita nessa frescura de horóscopo?”

 A princípio sorri um pouco, mas aí percebi que ele estava falando sério. Fiquei preocupado. Não se pode mais ter uma conversa normal com uma pessoa sem ser taxado disso ou daquilo? Não respondi de cara, me contive em ignorar o comentário dele, respondendo com um sorriso, e de continuar minha conversa com os demais da mesa. Mas ele, como todo chato, insistiu na pergunta: “Você não me respondeu, seu acéfalo! Acredita em horóscopo?”. O clima pesou de repente. Todos se calaram e começaram a se entreolhar. Já fui chamado de acéfalo uma vez, no Bule Voador, e logo identifiquei como um bulista. Perguntei se ele lia o Bule Voador, o que me foi confirmado. Não me contive, respondi:

 “Meu caro ****** (não revelarei nomes aqui), sei que você age como um taurino com ascendente em câncer, por isso é tão categórico assim”.

 Foi o suficiente pra ele terminar a conversa e, como um bom seguidor tolerante e humanista do Bule Voador, puxar a namorada pelo braço de forma brusca (outra moça que conversava abertamente conosco), a ponto de ela reclamar disso, e sair pisando forte no chão. Ele saiu com tanta raiva que não pagou o almoço dele, nem da namorada, e ainda esqueceu o celular dela na mesa. Eu e os demais terminamos pagando, e um de nós se responsabilizou em devolver o celular da moça. Fora isso, continuamos nossa conversa, até que me identifiquei como cético. A moça falou algo que me pareceu mais uma constatação:

 “Então você não tem fé na Astrologia”.

 Respondi com um tetrassílabo: “Não, sou ateu”. Como vi ainda uma indagação acerca do que acabamos de ver, eu disse que ele estava sendo demasiado chato, que teve uma reação inicial muito desproporcional, e que respondeu tão agressivamente que trolei por uma boa causa, que o fiz acreditar que eu realmente acreditava no horóscopo só pra o chato cair em si ou retirar-se dali. Daí expliquei que já fiz Mapa Astral só por curiosidade, mas que na realidade eu não acredito naquilo, e que quando alguém me pergunta o signo, eu entendo que a pessoa queira dizer apenas em que época do ano nasci, e em que hora do dia, no caso do ascendente. Pra mim, dizer o signo e usar esse dado numa conversa é tão natural quanto falar de política, religião ou dos assaltos numa cidade. Cheguei em casa naquele dia apenas para descobrir que eu havia sido bloqueado no Facebook e que perdi um seguidor no Twitter e… e… bom, e mais nada, o céu continua azul, as nuvens ainda existem, ainda respiro e nada mudou na minha realidade depois disso. É um típico sofateu (ateu de sofá). Que seja feliz.

 Idiotice e uma lição aos ateus

 Agora, fica uma lição aos ateus militantes. Se você quer realmente viver num mundo livre e feliz, e que um país seja realmente laico, não adianta ficar combatendo manifestações locais de religiosidade. O Zen vem me ensinando dia após dia a respeitar o dado religioso dos outros, pois numa mesma Sanga podemos ter tanto pastores evangélicos como ateus céticos, desde churrasqueiros até veganos, de políticos a anarquistas. No fundo, no fundo, todo mundo está no mesmo nível, e afundando no mesmo barco. Ao combater a manifestação da religiosidade individual, o que fazemos é apenas nos tornar piores que aquilo que acreditamos que os outros sejam.

 Mesmo sem acreditar em forças sobrenaturais, numa conversa com uma xamã “descobri” que meu animal mestre é a Abelha. Não entrei em crise por causa disso, não combati a crença dela, apenas agradeci e me deliciei com a informação. Mesmo sem acreditar em horóscopo, quando alguém me pegunta meu signo, respondo que sou de Leão com ascendente em Peixes. Quando saio de casa, e minha mãe diz: “Vai com Deus e Jesus Cristo”, eu agradeço. Minha avó emenda com “…e Nossa Senhora”, agradeço por igual. Se estou na casa de meu cunhado, que é evangélico, sabendo que ele ora sempre antes do almoço em família, eu baixo minha cabeça durante a oração.

 Ano passado fui sair com um amigo que passaria primeiro no centro espírita. Aproveitei pra ver os livros que estavam expostos ali (sou fascinado por livros). Um senhor de roupas brancas me abordou com calma e perguntou se eu estava bem (tava com sono), e disse que eu tinha “muita energia espiritual travada”. Eu não combati o ponto de vista dele, apenas perguntei o que seria necessário pra “destravar” e depois expliquei calmamente que não acreditava nisso. Ninguém se alterou, o cara se mostrou tão compreensivo que saí de lá com uma nova amizade. Minha noiva é da Soka Gakkai. Às vezes ela vem com os vícios linguísticos naturais a quem faz parte desse grupo religioso, que muitos ali dentro costumam pronunciar, como “Ai, Gohonzon!“, “Nam-myoho-renge-kyo que vai dar certo!” ou “Ah, meus deuses!“. Encaro com naturalidade o modo como eles falam dentro da Soka Gakkai, e não deixei de ter nenhum bom amigo ali dentro por eu não pronunciar essas expressões. Um amigo do Candomblé me disse uma vez que meu Orixá é Exu, e sempre achei essa informação bastante interessante, principalmente depois que pesquisei acerca do Orixá em questão.

Só reajo a qualquer um deles quando sou tomado de assalto por um proselitismo mais agressivo e invasivo. Mesmo assim, quando os Testemunhas de Jeová chegam aqui em casa no domingo, eu gosto de papear com eles um pouquinho quando dá. Tenho um amigo que é do mesmo Salão do Reino que eles. Pra mim, sou de boa quando o assunto é a religião do outro.

 É o que o Neoateu (autotítulo dos Ateus Militantes) não entende, que não preciso esconder de ninguém que não acredito nessas coisas, mas que é dever meu respeitar e entender como funcionam as coisas pro mundo do outro, que não precisam obedecer as regras do que funciona pra mim. Ninguém precisa ficar combatendo o modo de ser do outro, as escolhas do outro e as condições de nascimento do outro. Se ninguém está sendo machucado ou maltratado, deixe-o em paz. O que os neoateus não entendem é que são pequenos atos do tipo que revelam a tolerância no dia-a-dia, e não os discursos de tolerância perpetrados por Richard Dawkins que, no fim, não passam de discursos de ódio escondidos por trás de uma máscara de humanismo.

 Por isso, um bom exercício para um ateu é ter amigos religiosos. É aplacar os preconceitos sobre a religião o suficiente pra poder respeitar o lugar e o caminho do outro, e amar o outro tal como ele é, sem querer mudá-lo. Aprenda a encontrar amigos além das crenças, pois se combatemos a crença antes de fazer o amigo, perdemos o amigo, e muitas vezes corremos o risco de nos tornarmos mais fundamentalistas que aqueles que são combatidos por nossas ações.

Felix Maranganha

Licenciado em Letras, especialista em Educação a Distância e mestrando em Ciências das Religiões, Felix Maranganha é Linguista, Filólogo, Escritor, Filósofo, Defensor dos Direitos Humanos e Libertarianista. Pratica o Zen-Budismo, é ateu, joga sinuca e poker e adora pimenta. Alguns o confundiriam com um anti-marxista, mas ele não liga muito para essas coisas. É autor do blogue http://ocalangoabstrato.blogspot.com

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