Rio Grande do Norte, sexta-feira, 29 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 22 de junho de 2013

O autoritarismo da revolta dos coxinhas

postado por Lázaro Barbosa

Por Loa Antunes

(estudante de Ciências Sociais na UFRN)

Ao desembocar no protesto do dia 20 de junho em Natal, antes chamado de #RevoltaDoBusão, agora “manifestação” (pois o termo “revolta” é por demais “político” para essa camada tão (des)politizada), me senti em meio a uma comemoração de vitória brasileira no Mundial. Não consigo compreender como uma manifestação que em grande medida se diz contra a Copa do Mundo comemora (aquilo era uma comemoração, e não uma revolta) da maneira mesma própria da FIFA e do futebol: bandeiras do Brasil, gorros, vuvuzelas, fogos de artifício, rosto pintado de verde e amarelo, camisa da seleção, hino nacional, “orgulho de ser brasileiro”…

Mais do que tornar-se comemoração da vitória nos gramados, o nacionalismo proferido ali era, talvez não conscientemente por todos, mas em absoluto alicerçado no nacionalismo construído pelos militares no Golpe. Um nacionalismo – como é próprio deste sentimento – conservador e excludente, ignorante da internacionalidade das manifestações de insatisfações e de insubordinações por todo o mundo. Não é a percepção da internacionalidade dos movimentos anti-capital e democráticos que esse nacionalismo quer engessar, mas o estabelecimento de uma ordem conservadora e direitista, que tem se apropriado do movimento sob o aval das grandes mídias, na transformação de suas estratégias de poder.

A estratégia dos mass media se transformou, e a ausência de policiais militares na última quinta-feira, durante a maior parte da manifestação em Natal, inclusive contra os tais “vandalismos” que constitucionalmente a polícia poderia enfrentar, demonstra e evidencia essa transformação. Os manifestantes foram transformados eles mesmos na polícia militar. O que aqueceu o coração dos protestantes dias atrás e trouxe tanta gente à luta nas ruas foi a repressão violenta que as polícias e os governos impuseram sobre o povo, criando um sentimento de revolta contra o autoritarismo e a postura repressora idêntica àquela tomada durante a Ditadura Militar. Quando a Globo e outras grandes emissoras nacionais e estaduais perceberam esse sentimento, e que ele engordava as fileiras nas ruas, logo trataram de mudar de opinião e “apoiar” o movimento; maniqueistamente, dividindo-os entre protestantes “do bem” e “do mal, vândalos, baderneiros, bandidos”. A classe média conservadora e direitista que antes assistia tudo pela televisão e acreditava que a polícia atacava na procura dos “vândalos”, ou mesmo que o movimento inteiro era constituído por “marginais e desocupados”, tomou as ruas, mas com sua própria agenda e suas próprias demandas: completamente as mesmas da Rede Globo e demais emissoras.

Nas manifestações do #RevoltaDoBusão anteriores ao apoio e incentivo da mídia, que funciona para a classe média como um aval, permissão e chamado ao combate, nessas manifestações não havia bandeiras do Brasil e tanto nacionalismo pregado no corpo e na alma. Embora ainda existisse conflito quanto aos participantes partidários, foi na Câmara que vereadores do PSOL, PSTU e PT apoiaram integrantes do movimento, e o mesmo não era repelente a políticos partidários, tendo a participação de muitos deles, como Mineiro (PT) e Amanda Gurgel (PSTU) nas suas fileiras, sendo aceitos e respeitados como sujeitos com histórico de luta política pelo povo.

Sob palavras ilusórias e mentirosas de que estávamos marchando em nome de uma agenda única, como se de repente todas as classes sociais e grupos de interesse não tivessem suas discordâncias e conflitos próprios de um ambiente democrático, palavras ilusivas e mentirosas proferidas pela grande mídia e consumida e reproduzida por tais e quais setores da classe média, que são verdadeiras máquinas de xerox da Rede Globo & Patota, neste fantasma da unidade se reprimiu qualquer multiplicidade e heterogeneidade do movimento. Embora se digam democráticos, violentaram membros de partidos e agiram como policiais militares na emboscada, agressão e repressão dos chamados vândalos e dissidentes.

Pois a estratégia do poder midiático foi justamente a de transformar cada manifestante num policial militar de si mesmo e do próximo, policiando as condutas e interditando os desvios. Não careceu que um único policial oficialmente fardado impedisse pichações e bloqueasse “vandalismos”, já que os integrantes do movimento eram eles mesmos cópias fiéis, encarnadas e esculpidas, da Rede Globo e da Polícia Militar. O que antes se via como inimigo foi tombado como amigo do peito. Vestimos as fardas de exército uniformizado, típica conduta autocrática – aquela gerida só por um. Para essa classe média é preciso que um único exército governe, uma única opinião, uma única política.

A mídia introjetou, no #RevoltaDoBusão e outros protestos, seus discursos rasos e vazios de combate à “corrupção” e busca da “paz”. A luta contra a corrupção consegue percorrer o eixo esquerda-direita de uma ponta a outra, pois ninguém quer ver seu dinheiro roubado e mal aproveitado, mas diz pouco sobre as intenções e os conflitos que fazem direita e esquerda no combate a determinadas “corrupções” (como se a política fosse algo sagrado que é “corrompido” mais tarde). A corrupção que inflama o coração da Globo & Patota e seus seguidores fiéis é justamente aquela praticada por membros do PT, que são tão duramente criticados (corretamente) pelas grandes emissoras, enquanto corruptos de outros partidos agregados (PSDB, DEM & Cambada) passam despercebidos ou têm suas investigações levadas a pouco caso das emissoras. Pois a grande mídia e esses setores da classe média sempre odiaram o PT, sempre odiaram as lutas sociais e os partidos de esquerda, e esse ódio se mostrou claramente ontem, antes de ontem e nas revoltas por todo o país.

Essa classe média, de olhos vendados e adormecida em berço esplêndido, destilou todo seu ódio contra partidos de esquerda, que têm tradição histórica na luta pelo estabelecimento da democracia e junto aos movimentos sociais. Não eram “todos os partidos” que estavam sendo combatidos quinta-feira em Natal e nos protestos por todo o Brasil, mas apenas os partidos de esquerda ou centro-esquerda (PT, PSOL, PSTU, PC do B etc.), pois são únicos em comparecimento. Gritando e ordenando “sem violência!” violentaram “democraticamente” membros de partidos, interditaram “democraticamente” bandeiras e expulsaram “democraticamente” aqueles que na história do Brasil, todos sabem, é quem constituíram importantes lutas pela consolidação dos Direitos Humanos, dos direitos das minorias e das instituições democráticas.

A Globo & Patota conseguiu ainda que suas demandas vazias de corrupção e paz levassem as pessoas a usar suas fardas indicadas; não é mais a multiplicidade de vestimentas e performances que devem ser incentivadas e que são próprias da democracia, mas roupas brancas e vuvuzelas, cartazes com conteúdo político raso e discursos mais rasos ainda, ignorantes das funções de cada um dos três poderes e das competências dos Estados e municípios, os manifestantes bradam contra Dilma e a culpam de responsabilidades que não são sequer da Federação. Desconhecimento e ignorância política foram as marcas registradas nas bandeiras do Brasil, no passado e no presente.

Durante todo o percurso de ontem, no que deixo de chamar de #RevoltaDoBusão e passo a chamar de #RevoltaDosCoxinhasAutocráticos, o protesto-polícia impedia pichadores (mesmo que pichações políticas) e depredações, com discursos idênticos aos difundido pela grande mídia, elite da comunicação que os manifestantes julgam estarem apartados. O maior e mais aclamado shopping da cidade, o Midway, foi depredado – o que me parece muito simbólico numa cidade que tem grande parte de sua população vivendo a exclusão da Zona Norte e a carência dos mais básicos serviços à dignidade humana.

Vândalos destruirão o shopping e ocuparão o teatro e o cinema, para assistir filmes e encenar peças? Roubarão produtos de luxo nunca usados pelos corpos, apenas pelos olhos e mentes desejosas? Transformarão o Midway em um centro cultural? Com praças, parques, teatros, cinemas, museus, casas de shows, memoriais e escolas? Destruirão as lojas e erguerão locais de cultura? As crianças que comem apenas luz jogarão e brincarão pela primeira vez até morrer de felicidade na Game Station?

O saque de produtos de luxo e a depredação de monumentos ao capital são sintomáticos de uma sociedade profundamente dividida pelas desigualdades de um capitalismo tão espúrio e desumano. O sintoma de uma patologia fascista e autoritária é uma bandeira nacional que consome todas as outras, que suprime os partidos e os movimentos populares de esquerda, que prescreve as maneiras corretas de vestir (não usar máscara, quer-se proibir!) e que, “acordados” agora, vêm impondo pela força e repressão sua agenda única, uniforme, e por isso mesmo totalitarista e autocrática.

Ontem, enquanto eu caminhava com a #RevoltaDosCoxinhas na lateral do Arena das Dunas, alguns manifestantes fizeram pichações políticas, mas sofreram gritos de ordem e vaias da #RevoltaDosCoxinhasAutoritários, até que eu, juntando toda minha capacidade de gritar, gritei: “PROTEJAM A PROPRIEDADE PRIVADA! PROTEJAM A PROPRIEDADE DA FIFA!”, logo os manifestantes gritaram para confirmar apoio, mas em segundos perceberam a absurdidade de suas defesas e fizeram cara de quem cheira um peido. Pois é justamente na defesa dos mortos (os objetos inanimados) em detrimento dos vivos (os sujeitos humanos) que bradam as defesas contra as depredações das estruturas do capitalismo (lojas, shoppings, estádios da FIFA). Muitos manifestantes não se deram conta de que lutavam num protesto que defendia exatamente aquilo a que parecia lutar contra. Estamos em um protesto que não tende, infelizmente, a mudar muita coisa se não estabelecer bases para golpes e tomadas de poder político por parte de setores de extrema direita e extremamente conservadores, que visam justamente a supressão dos direitos políticos em nome do capital e da ideologia totalitária. Violentar pessoas pode, o movimento faz!, agredir estruturas inanimadas é proibido, o movimento reprime com socos e golpes!

E os indicativos dessas tomadas e golpes são justamente o assanhamento e afoitamento de setores absurdamente conservadores e direitistas, fortalecimento de demandas militares ditatoriais, cartazes cristãos no dia 20 como “Paz sem cristo é guerra”, cartazes em defesa da pena de morte e da redução da maioridade para 14 anos. Políticos como Jair Bolsonaro, e figurões da Globo e Veja apoiando a manifestação não poderia indicar outra coisa! Na ignorância o povo sonha que a paz é um lugar onde não ocorre a política, quando isso é ilusão! A política dessa busca de “paz” visa desviar os olhares e deixar sempre na superfície debates políticos, como demandas específicas sobre a redução da violência urbana, por exemplo. Visa não combater as forças do Estado, mas manter e solidificar seu monopólio da violência e tirar toda capacidade de insurgência pela força por parte da população – esta sempre criminalizada por empresários e certos setores políticos, e agora pela ampla maioria dos manifestantes.

É preciso ficar atento ao nacional-fascismo que toma conta do movimento. A bandeira do Brasil é higiênica da juventude negra e pobre, de índios e perpetuadora de profundas desigualdades e preconceitos de toda sorte. Essa bandeira está encharcada de sangue e lágrimas, e não é retirando este ou aquele político para no lugar sentar um mais conservador e direitista que teremos solução, e sim retrocesso histórico e desaparecimento da democracia. É preciso ou a supressão da política de representação para, no lugar dela, ocupar o povo e os grupos ou uma reforma política crítica que entregue ao povo amplos e demasiados poderes de decisão e intervenção política, que se oriente na igualdade (igualdade quer dizer direitos, responsabilidades e possibilidades iguais, não uniformização) e Direitos Humanos, que possibilite poderes aos múltiplos grupos de interesse, assegurando suas existências, e não reprimindo violentamente qualquer um que pense ou se manifeste diferente, como estão fazendo por aí por todo o país, protegidos e enrolados com a Ordem e o Progresso não da transformação para o desaparecimento das desigualdades sociais, mas para sua manutenção e engorda.

ATO10Bandeira do Brasil erigida sob forte nacional-fascismo parido no século passado e apenas adormecido neste. O gigante que despertou foi o gigante nacional-fascista, consumidor de instituições democráticas e todo ele entrecruzado das mesmas e velhas relações de poder. Impedidor da diferença e das vastas demandas e múltiplos interesses, quer apenas ele, em sua natureza de gigante, pisotear toda a história que desconhece e canta ignorância.

O momento político é de união dos diversos setores da esquerda e aqueles que defendem a democracia e os Direitos Humanos, que lutam contra os totalitarismos e os fascismos. Não podemos nos dividir e nos tornar fracos, mas nos fortalecer pela luta de um inimigo que é inimigo de toda a esquerda e de toda a democracia. Houve sim, embora por entre fracas e axiomáticas frases no protesto de ontem, agentes da democracia com seus cartazes e suas vozes! Não estamos enfraquecidos ou desarmados, pelo contrário, temos toda a força política que precisamos para vencer aqueles que tentam totalizar a opinião e o país.

Os que vivem são aqueles que lutam!

(Nota explicativa: este texto foi escrito por Loa Antunes e postado ontem em seu perfil no Facebook.)

Lázaro Barbosa

Nômade, cosmopolita, nerd e chato.

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