Rio Grande do Norte, quinta-feira, 25 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 4 de julho de 2013

Mulheres da Praça Tahrir lutam pelo direito às ruas

postado por Laura Lima

96661429-gangrape-egyptian A sufragista britânica Rebecca West afirmou que “feminismo é a noção radical de que mulheres são gente”. Uma das premissas básicas do feminismo é que homens e mulheres vivenciam uma mesma realidade diversamente e que adotar uma perspectiva feminista significa levar em consideração a invisibilidade dos padrões de exclusão e cerceamento que sofrem mulheres do mundo inteiro, mesmo quando essas tentam exercer ativismo político.

Exemplo disso é o que vem ocorrendo todos os dias na Praça Tahrir, sítio da revolução egípcia que iniciou-se em 2011 e atingiu outro ápice nas últimas horas com o afastamento do presidente Morsi pelas forças armadas. Enquanto que a queda do presidente que foi democraticamente eleito está sendo incansavelmente exibida na mídia internacional, a invisibilidade da luta das mulheres na praça Tahrir dá-se muito mais silenciosamente.

A praça Tahrir não é só extremamente mal iluminada à noite como também um local conhecido por crimes sexuais contra mulheres. (Qualquer mulher que tenha que atravessar sozinha uma praça no Brasil depois das 5 da tarde, saberá o que é isso). Somente nos últimos quatro dias, há notícia de mais de cem ataques contra mulheres na praça em momentos de pico. Segundo relatos, os ataques iniciam-se com um cordão de isolamento masculino ao redor de uma ou mais mulheres e, com a impossibilidade de fuga, seguem-se agressões verbais, físicas e sexuais. Por outro lado, há clérigos religiosos conservadores e alguns funcionários do governo que culpam as mulheres, dizendo que a culpa do assédio e abuso sexual é delas por misturarem-se aos homens.

Operação Anti-Assédio Sexual, um grupo de voluntários formados para resgatar mulheres na Praça Tahrir, disse que algumas manifestantes tinham sido estuprada com facas e objetos pontiagudos, enquanto outras foram espancadas com paus e até mesmo sequestradas em veículos. Ontem mesmo, enquanto o mundo esperava o fim do ultimato dado ao presidente Morsi pelas forças armadas, nada menos do que 23 mulheres foram atacadas no local. O vice-diretor da organização Human Rights Watch no Oriente Médio, Joe Stork, afirmou que “Os ataques sexuais desenfreados durante os protestos na Praça Tahrir destacam o fracasso do governo e todos os partidos políticos para enfrentar a violência que as mulheres no Egito sofrem diariamente em espaços públicos”.

Iniciativas para combater o problema se multiplicaram nos últimos meses, com grupos de protecção das mulheres em grandes protestos ou durante feriados nacionais. Ativistas têm oferecido aulas de auto-defesa para mulheres. Sites de redes sociais foram iniciados, onde as mulheres podem dizer o nome e postar fotos dos assediadores (ver Tahrir Bodyguards) . Em entrevista ao podcast The Globalist (edição 438 de 03/07/2013), uma ativista afirmou que não há como saber como esses ataques são planejados, “isso vem acontecendo desde o primeiro dia da revolução em 2011 e acontecia antes. É uma maneira de suprimir a participação política das mulheres e mantê-las fora da praça e da esfera política. Mas não é apenas isso, há uma raiz cultural também”.

São momentos como esse, antes mesmo do café da manhã (são 7 horas da madrugada em Bruxelas), que me chamam a atenção  para a necessidade de perspectivas feministas. A idéia radical de que as mulheres devem gozar dos mesmos direitos que os homens passa também pela perspectiva acerca das experiências das mulheres em qualquer movimento ou processo político, seja ele de direita ou de esquerda. Aliás, nenhum movimento deveria intitular-se plenamente democrático se o preço (e o peso) psicológico e físico para as mulheres não é visto como relevante e premente.  Enquanto nós aqui torcemos para que os acontecimentos da última noite no Egito representem a continuação da revolução iniciada dois anos atrás, não podemos esquecer o preço que tal movimento cobra das mulheres que querem participar das mudanças políticas em seu país.

Laura Lima

Laura Lima tem doutorado em Relações Internacionais e Estudos Críticos de Segurança por Aberystwyth University (Reino Unido). Tem bolsa de pós-doutorado do Social Science Research Council (Estados Unidos) no programa “Drugs, Security and Democracy”. Nasceu historiadora e vai morrer potiguar.

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