Rio Grande do Norte, sexta-feira, 19 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 8 de agosto de 2013

UM “PAPINHO DE ÔNIBUS” E A SEGURANÇA PÚBLICA AS AVESSAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

postado por Carta Potiguar

Caio Cézar Gabriel
Historiador (UFRN)
Mestre em Estudos Urbanos e Regionais (UFRN)
Graduando em Direito (UERN)
ccges@hotmail.com

Ontem, estava eu a escutar a conversa entre dois rapazes em um transporte coletivo que se dirigia ao centro da cidade. Bem atrás, eu prestava atenção aos gestos e palavras de ambos, e cheguei retirar os fones dos ouvidos devido a intensidade do dialogo, ou mesmo pela curiosidade do conteúdo, até que em certo momento, escuto uma frase um tanto aterrorizante, mas bem ensejada em meio ao senso comum popular: “rapaz, naquela operação de ontem, prenderam os verdadeiros policiais que trabalham: os que fazem a limpeza por nós”. Demorei a me situar na condição de telespectador da conversa, mas depois atinei que os homens “papeavam” sobre a operação Hecatombe, desencadeada pela Policia Federal junto a outras instituições de segurança pública a nível estadual, com o objetivo de desarticular um grupo de extermínio que atuava intensamente na capital, em especial na região Norte de Natal.

Bem, onde queremos chegar com isso? A frase dita por um dos conversadores veio a me fazer refletir sobre a real e atual situação da segurança pública em solo potiguar. Pois bem, lembrei que o nosso estado anda de mal a pior no que tange as estatísticas de homicídios e a outros crimes, como furtos e assaltos, e a sensação de insegurança, tão volátil e as vezes enganadora – que em nosso caso é condizente com o atual panorama local – é externada por meio de sinais e práticas nada sutis, como a mudança de hábitos cotidianos da população (em especial as relações sociais cotidianas, como a desconfiança do “outro”) e a (re)formatação do espaço citadino, que têm na expansão voraz da “indústria do medo”(que soa mais harmoniosamente como segurança privada) o seu aliado principal. Nessa perspectiva de analise, vejo que o conceito de “Militarização da Questão Urbana”, tão sabiamente aferida pelo professor Marcelo Lopes de Souza, vem a cair como uma luva para o nosso “medo urbano de cada dia”: espaços públicos agora são privatizados com guaritas e muralhas, cercas elétricas para todos os gostos, câmeras de vigilância de ponta, condomínios com forte aparato de homens e tecnologias, e puxando só uma pontinha, sem esquecer que o mercado imobiliário está verdadeiramente satisfeito com o pânico coletivo, onde a venda dos empreendimentos se pautam em duas premissas: conforto e Segurança, pois é, segurança. Ainda pegando emprestadas as ideias do referido professor, podemos ver que o Rio Grande do Norte, em especial a capital e as principais cidades do interior, está se tornando em uma verdadeira “Fobópoles”.

Mas voltando para a questão inicial: a prosa entre os dois amigos dentro do ônibus (e não há espaço melhor do que um coletivo em Natal para se refletir sobre segurança pública), acabou me acendendo aquela lâmpada clichê de desenhos animados, propondo uma ideia genial, mas em meu caso foi mesmo uma indagação simples: e de quem é a culpa da insegurança? E qual é a relação entre o conteúdo da conversa sobre os “grupos de extermínio” e essa breve reflexão?

Sob o ponto de vista geral e pouco explanatório, sempre caímos na tentação de aferir a culpa da insegurança ao governo estadual e as suas demais instancias, o que também não seja incorreto. No entanto, para no mínimo tentarmos compreender a onda assustadora de violência, as explicações merecem uma atenção mais responsável, ou pelo menos, um estudo mais qualificado e interdisciplinar. Mas já adianto que, no que tange a questão de planejamento na área, nossas instituições do referido setor não vem mostrando um bom exemplo. Se a nossa segurança está um verdadeiro “samba de criolo doido”, é porque por aqui apenas se reproduz o que no Brasil inteiro é sintomático: o planejamento é ausente, ou quando subexiste, é precário e preguiçoso, não se pensa em políticas setoriais (de Estado, e não de governo) a médio e longo prazo, e o que nós temos são as chulas políticas do “imediatismo” ou do “o povo está vendo nas ruas, então está bom”, e quando traduzimos essas práticas, elas são convertidas na seguinte lógica de pensamento: a segurança vai melhorar quando o governo disponibilizar mais viaturas para circulação, colocar mais policiais nas ruas (com aprovação de concursados e melhorias salariais) devidamente bem armados e equipados, bem como realizar processos de melhorias nas estruturas de delegacias, presídios e os Ceducs da vida, o que pode ser até verdadeiro, mas é minimamente parcial, ou seja, vislumbrar a solução para essa “bagunça” na melhoria do aparato estrutural é entender a questão de “cabeça para baixo”, é priorizar as políticas punitivas e coercitivas e deixar de lado pautas imensuravelmente importantes, que se estendem a partir das políticas sociais de atenção a jovens e crianças, embate da questão social a nível local, políticas de acesso e melhoria do sistema de justiça criminal e estudos que vejam com maior atenção os impactos gerados pela questão urbana (esses dois últimos vem ganhando maior espaço em meio a gestão do executivo nacional, e já tem políticas concretas em parceria com os entes federativos); e que podem até “desaguar” saudavelmente na observação e análise critica do microuniverso dos agentes ativos e passivos dessa violência em massa e descabida, como fez sociólogo Gabriel Feltran em um estudo realizado com os jovens da periferia paulistana e suas respectivas relações com o tão evocado “mundo do crime”. Em suma: a Segurança Pública (com iniciais maiúsculas mesmo) tem que ser pensada como um conjunto de dominós emparelhados sucessivamente: se um é derrubado, toda a cadeia fica comprometida e vulnerável.

O momento nunca foi tão propicio para substanciar os debates, sejam eles em nível de diálogos formais, acadêmico ou de planejamento (se é que podemos dissociar um do outro) pois o crescimento súbito dos homicídios – que ainda tem como vitimas preferenciais nossos jovens, que majoritariamente ainda são os negros, pobres, moradores das variadas periferias potiguares, vitimas estas da guerra do tráfico, das brigas de gangues e de grupos de extermínios (“anjos da morte”, “Mãos Brancas”) – dos assaltos a mão armadas (arrastões a empreendimentos comerciais, envolvendo cada vez mais adolescentes) e dos tantos outros tipos de delitos não podem ser jogados a sarjeta do senso comum, que a cada dia se torna ainda mais violento e reacionário, que alimentado por uma mídia sensacionalista e preconceituosa do ideal do “bandido bom é bandido morto”, acaba por embasar abertamente o apoio as práticas de vingança privada e as limpezas sociais, que são aplaudidas sutilmente em forma de “papinho de ônibus”.

Carta Potiguar

Conselho Editorial

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