Rio Grande do Norte, quinta-feira, 28 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 24 de agosto de 2013

A intervenção nos banheiros masculinos da UFRN‏

postado por Carta Potiguar

Por Tiago Cantalice

(Turismólogo e mestre em Antropologia)

 

Sábado passado (17/08/13) o G1, portal das Organizações Globo, saiu com essa pequena matéria: “Banheiros da UFRN são alvos de vandalismo durante ocupação” (Ver: http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2013/08/banheiros-da-ufrn-sao-alvos-de-vandalismo-durante-ocupacao.html). Vamos contextualizar, porque como sabemos essa não é a intenção da Globo, mas sim escandalizar.

Se não me falha a memória, ano de 2012 uma aluna trans da UFRN foi impedida de utilizar o banheiro feminino por um segurança da instituição, que chegou a ameaçá-la fisicamente. O caso ganhou destaque, pelo menos na mídia não-tradicional (a exemplo de blogs). No período, a Carta Potiguar publicou um texto do professor Alyson Freire (CS/UFRN – ver: https://www.cartapotiguar.com.br/2012/02/14/pavor-social-e-segregacao-a-ideia-de-um-terceiro-banheiro-para-gays-drags-e-travestis/), no qual o autor refletia as estruturas e simbolismos da dicotomia de gênero, que ignora que a identidade de gênero não é definida pela genitália e pela organização cromossômica, cerceando a circulação de pessoas que embaralham tais marcadores por diversos espaços públicos, inclusive banheiros.

Nesse mesmo ano, o cartunista Laerte, que veste-se de mulher desde 2010 e identifica-se como travesti, passou por constrangimento pelo mesmo motivo, só que num banheiro de um restaurante paulista que costumava frequentar há tempos. A matéria do portal Terra traz a seguinte afirmação do cartunista: “[Para a maioria,] travesti é uma espécie de sem-vergonha, um transformer, um palhaço. Eles estão desinformados. Com boa ou má fé, eles estão praticando o preconceito”. (Ver: http://diversao.terra.com.br/gente/transgenero-laerte-e-impedido-de-usar-banheiro-feminino-em-sp,8847c8c2ed75a310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html).

Para concluir a contextualização do que o G1 chamou de atos de vandalismo, semana passada ocorreu a primeira edição do Seminário Internacional Desfazendo Gênero, organizado pelo Grupo TIRÉSIAS, da UFRN, reunindo inúmer@s estudios@s que se dedicam a analisar os grupos sociais que encontram-se à margem do modelo dicotômico de gênero (os “dissidentes sexuais”), que vivem nos seus interstícios e que conscientemente ou não contribuem para a crítica e o abalo dessa estrutura excludente, na busca de identificar modelos societários mais inclusivos, que valorizem a diversidade e a equidade.

Pois bem, feito essas três observações podemos partir para uma compreensão mais segura do ato de estudantes da UFRN nos banheiros do Setor II. Destaque-se que é nesse setor que tradicionalmente ocorrem as intervenções políticas e artísticas da universidade, marcadas pela contestação e crítica aos chamados valores conservadores e temas tabus de nossa sociedade.

Assim, a intervenção do grupo ou não-grupo “Afetadxs em Luta” é mais uma a ocorrer naquele espaço de intervenções. Porém, possui uma peculiaridade, pois politiza um espaço tradicionalmente destinado à privacidade: os banheiros. Os atos contudo ocorreram especificamente no banheiro masculino para realizar uma crítica mais contundente ao machismo homofóbico arraigado em nossa sociedade. Some-se a isso a denúncia feita pelxs integrantes do grupo/não-grupo de que até nos espaços da esquerda, que se diz inclusiva, mas muitas vezes é intolerante, “Crescem os casos relatados de violências – tanto físicas, quanto psicológicas – contra mulheres, bichas, sapatas, trans” (ver: http://afetadxs.blogspot.com.br/).

A radicalidade da intervenção, repleta de frases provocadoras e de atos simbólicos, poéticos e satíricos, como expulsar homens do banheiro masculino, usando glitter, purpurina, lantejoula, pérolas, luzes, paetês e dildos (elementos do que chamam “violência afeminada”), dão um tom de ineditismo e criatividade no modo de denunciar as opressões cotidianas que esses grupos sofrem. A reivindicação imediata dxs “Afetadxs em Luta” é a “instauração de um banheirão como zona política pós-gênero e sexodissidente” na UFRN (ver: http://afetadxs.blogspot.com.br/).

Não obstante concordar com esse espaço, é preciso questionar a viabilidade de sua implantação, não porque seja uma ideia utópica, mas porque são necessários passos anteriores. Como garantir que atos de violência física (a exemplo de estupros) não ocorreram no “banheiro sem gênero”? Ele conviverá com banheiros divididos por gênero ou se tornará uma imposição a todas as pessoas? Isso também não seria uma violência? Como sobrepor o tolo orgulho masculino que impede muitos homens de mijar sentados?

Essas frias, mas válidas, ponderações, não tiram nem recriminam o vigor da intervenção, cuja radicalidade é legítima e fundamental para chamar a atenção das autoridades competentes para o caso. Mas concordo com a opinião do professor Alípio de Sousa Filho (CS/UFRN), ao fim de uma entrevista ao DN Online, em junho de 2012 (ver: https://www.cartapotiguar.com.br/2012/06/02/alipio-de-sousa-filho-concede-entrevista-ao-dn-sobre-criacao-de-banheiro-unissex-na-ufrn/): “[…] a subversão está nos banheiros únicos, equipados para homens e mulheres [cromossômicxs e trans, completo] utilizarem, cada um a cada vez, com uma única identificação na porta: banheiro”.

Carta Potiguar

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