Rio Grande do Norte, sexta-feira, 19 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 13 de março de 2014

CAAC, o coroa enxuto.

postado por Jules Queiroz

No último dia 12 de março (de 2014), o Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti – CAAC, representante dos estudantes de Direito da UFRN, completou seus 59 anos de idade. Um coroa enxuto.

Todo semestre, os colegas Ubirajara Cavalcanti, Hélio Miguel e eu éramos sempre chamados pelo CAAC para contar a história (ou “as estórias”) do curso. Já há alguns semestres não me chamam. Como eu sou um cara rancoroso, mas ainda sim quero homenagear o CAAC cinquentão, vou usar meu espaço aqui para contar as três das minhas histórias favoritas do curso (ou Glorioso Curso de Direito, como dizia Bira).

Curioso é pensar que o CAAC é mais antigo que o próprio curso de Direito. É que a antiga Faculdade de Direito de Natal foi criada por Lei Estadual em 1949. Apenas em 1954 foi efetivamente instalada e em 1956 começou suas atividades. No ano anterior, em 1955, houve o primeiro concurso de ingresso na Faculdade. A primeira turma da Faculdade contou com diversas figuras que fizeram história no Rio Grande do Norte, como Zila da Costa Mamede, Ivan Maciel de Andrade, José Daniel Diniz e Enélio Lima Petrovich.

Foi essa primeira turma que, antes de começar as atividades da Faculdade, fundou o Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti. O nome se deu em homenagem ao jurista seridoense Amaro Cavalcanti, nascido onde hoje é o Município de Jardim de Piranhas, em 1849. Amaro foi Procurador-Geral da República, Ministro do Supremo Tribunal Federal e juiz da Corte Internacional de Justiça de Haia, além de ser um dos autores da primeira Constituição republicana de 1891.

Mas voltando ao CAAC em si. Hoje, a maioria dos colegas universitários considera os estudantes de Direito um povo almofadinha e conservador. Mas não é que desde muito os estudantes da Faculdade de Direito de Natal arrumavam briga?

Em 1957, um dos professores da Faculdade, o Desembargador João Maria Furtado, de Direito Civil, pediu exoneração. Ele dizia que a lei não lhe permitia ser professor e magistrado. Ocorre que o Governador Dinarte Mariz nomeou, sem concurso público, para a cadeira de João Maria Furtado, o filho dele, Roberto Furtado. Os estudantes se reuniram em assembleia geral e concluíram que era uma indevida intromissão do governador nos assuntos da educação. No dia seguinte, escalaram a rampa do Palácio do Governo e deram ao Governador um ultimato: ou revoga a nomeação ou é greve. Foi greve.

Por quinze dias, os estudantes permaneceram em greve ocupando a sede da Faculdade na Ribeira. Entre os inflamados discursos dos estudantes, surgiu o atual mote do CAAC, entoado à época por Hélio Xavier de Vasconcelos: “Até que tudo cesse, nós não cessaremos.” Acabou que os estudantes venceram e o Governador cancelou a nomeação.  Ficou gravado em bronze o lema de resistência:

“Até que tudo cesse, nós não cessaremos. Sob esse lema, durante quinze dias, aqui se formou resistência. Desta casa saiu a mocidade para combater, na praça pública, a interferência da política nas questões do ensino”

Não por acaso, Hélio Vasconcelos dá nome a uma das comendas do CAAC que premia aqueles que se destacam na defesa da cidadania, da democracia e da justiça.

Outra história bacana é a do legendário roubo do busto de Amaro Cavalcanti. Em 1957, os deputados estaduais potiguares aprovaram o aumento do próprio subsídio. Os estudantes saíram à rua para protestar. Como forma de protesto, um grupo de estudantes invadiu na calada da noite a Assembleia Legislativa e furtou (preferiria dizer “resgatou”) o busto do Patrono do Poder Legislativo. Ocorre que esse patrono era ninguém menos que o próprio Amaro Cavalcanti.

Após o resgate, o busto foi colocado na Faculdade da Ribeira e atraiu diversos intelectuais e estudantes, que faziam calorosos discursos de protesto e homenagem. Saiu até um poeminha:

“Amaro Cavalcanti

Está muito satisfeito.

Saiu de um covil sujo

Para a Casa do Direito!”

Acontece que em um dos discursos inflamados, um estudante esbarrou no busto e este caiu no chão, quebrando-se. É a história oficial. Mas nós do CAAC sabemos (e eu vou compartilhar isso com vocês) que é mentira. O busto foi levado para o Seridó e está lá, escondido, até que o povo potiguar vá lá busca-lo, para lutar pelo que é justo.

A última história é a da Turma da Paz. Em 1963, no meio da Guerra Fria, a turma concluinte estava com um problema para escolher o patrono. Metade da turma, de direita, queria que fosse o presidente dos EUA, John Kennedy. A outra metade, de esquerda, queria que fosse Nikita Kruschev, líder da União Soviética. Ante o empate, uma só solução: serão ambos patronos! Houve também uma homenagem ao papa João XXIII, pela ala mais católica. Mas o fato é que, ante essa situação, a turma se deu o nome de Turma da Paz.

De fato, ambos os patronos aceitaram o convite e enviaram representantes. Pelos EUA, seu Cônsul-Geral. Pela URSS, o embaixador Adrei Fromin. Dizem que Fromin trouxe uma senhora vodka que levou a um impasse que, segundo presentes, poderia ter disparado uma guerra mundial. Mais grave que a Crise dos Mísseis de Cuba.

Regada a festa a uísque americano e cachaça brasileira, o embaixador Fromin teria dito que a vodka deveria ser servida depois do jantar. Dona Noilde Ramalho, que preparara a festa, ponderou que no Brasil a bebida não se serve depois do jantar, mas sim antes, como aperitivo. O russo, insistentemente, retorquiu: “Lá na Rússia é depois!”, ao que dona Noilde respondeu: “O senhor falou bem, lá na Rússia.”

São boas e velhas histórias do nosso CAAC que, além de tudo, ainda faz história hoje. Parabéns, velho camarada, pelos seus 59 anos. Espero ano que vem pelo convite da festa de 6.0!

Jules Queiroz

Procurador da Fazenda Nacional em Brasília/DF - @julesqueiroz

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