Rio Grande do Norte, quinta-feira, 25 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 4 de abril de 2014

Eleições e o risco da democracia instável

postado por Jules Queiroz

Qualquer pessoa antenada em política sabe que a movimentação intensa para eleições começa no ano anterior. Mas qualquer advogado eleitoral sabe também que a movimentação jurídica da campanha começa em abril do ano das eleições. Isso porque o mês de abril é o limite da maioria das datas para desincompatibilização de servidores públicos que desejam concorrer ao pleito de outubro. Aqui no Rio Grande do Norte já ocorreram várias, como a exoneração do Secretário do Gabinete Civil da Prefeitura do Natal, Sávio Hackradt e do Secretário Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Leonardo Rêgo, por exemplo. No plano nacional, há destaque para a renúncia do Governador Eduardo Campos, de Pernambuco.

Às desincompatibilizações seguem as medidas de “saneamento” das candidaturas. Diversos candidatos encontram óbices para sua elegibilidade, muito mais comumente após a vigência da Lei da Ficha Limpa. É comum nessa fase a interposição de recursos no âmbito dos Tribunais de Contas no intuito de reverter condenações, ou o pagamento de multas eleitorais pendentes. Nesse ponto se analisa a viabilidade jurídica de um candidato.

Em virtude da necessidade de segurança no ano das eleições é que a Constituição prevê que a lei que altere o processo eleitoral seja aplicada apenas um ano após a data da sua vigência. Isso evita alterações casuísticas de última hora visando prejudicar ou beneficiar candidatos, bem como permitir um debate anterior sobre a lei, evitando sobressaltos nos tribunais que surpreendam os candidatos e eleitores. Nesse ponto, pode-se dizer que democracia é previsibilidade.

Em 2014, quando já temos uma exaltação fora do comum no plano político, a lei eleitoral tem se mostrado tudo menos estável e previsível. O Congresso Nacional aprovou no final do ano passado a Lei nº 12.891, de 11 de dezembro de 2013, mais uma “minirreforma” eleitoral. Pela data, já se vê que essa lei não poderia ser aplicada ao processo eleitoral de 2014, como afirmou já à época o Ministro Marco Aurélio Mello, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Ocorre que, a despeito do aviso de seu presidente, o TSE editou diversas resoluções para regulamentar o pleito de 2014 e incluiu nelas diversas alterações da Lei nº 12.891/2013. Fazendo isso, o TSE manda aos tribunais inferiores e juízes eleitorais uma sinalização para que apliquem a nova lei eleitoral a despeito de ter sido publicada fora do prazo constitucional.

E essas alterações são muito relevantes.

Há, por exemplo, a previsão do prazo de vinte dias antes do pleito para substituição de candidato a eleições majoritárias ou proporcionais. É uma inovação muito salutar. Antes dessa previsão, o candidato a cargos de eleição proporcional (vereadores e deputados estaduais e federais) podiam ser substituídos até sessenta dias antes do pleito. Já os candidatos a cargos majoritários (prefeitos, governadores, senadores e presidente) poderiam ser substituídos a qualquer momento antes do pleito. Isso criava a figura do “candidato aparente”: um candidato que permanecia sob os holofotes durante toda a campanha e era substituído de súbito no dia anterior à eleição por outro, muitas vezes não sendo nem possível alterar a foto que apareceria na urna eletrônica.

Com a nova redação da lei, isso não é mais possível. Ocorre que não está claro se esse limite temporal será ou não aplicável em 2014, o que deixa os partidos em uma situação muito séria de incerteza sobre a viabilidade jurídica de candidatos, começando pela própria Governadora Rosalba Ciarlini. Sobre ela pesam condenações que ensejam inelegibilidade que podem ou não ser revertidas pelo TSE. Então, o seu partido, o DEM, além da incerteza quanto à sua viabilidade jurídica, fica sem saber se poderá corrigir o erro mais à frente.

Outro problema grave é a questão das doações por pessoas jurídicas. O Supremo Tribunal Federal está julgando o tema, já tendo placar de 6 a 1 a favor de declarar inconstitucionais as doações de pessoas físicas. Nesta semana poderia ter havido o desfecho, mas o Min. Gilmar Mendes pediu vista e interrompeu o julgamento. Paralelamente, a Câmara dos Deputados já se movimenta para aprovar a toque de caixa uma Proposta de Emenda à Constituição que autoriza expressamente doações de campanha por pessoas jurídicas. Ao lado desse movimento, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou projeto de lei em sentido oposto à Câmara, vedando as doações às pessoas jurídicas, como fez o STF.

Então, a questão é saber se em 2014 poderá ou não haver doações de pessoas jurídicas em campanha eleitoral. Isso depende: 1. da decisão do STF ser favorável ou não à possibilidade; 2. dessa mesma decisão ser publicada antes de outubro de 2014; 3. do Congresso aprovar ou não a PEC das doações; 4. dessa PEC ser aprovada antes de outubro de 2014; 5. do entendimento sobre a aplicabilidade ou não de qualquer desses fatores em 2014 frente à anualidade da lei eleitoral.

Mais uma vez, digo que o Brasil está passando por um momento de exacerbação das posições políticas. O conflito político está forte como nunca. E a fagulha que porá fogo nessa gasolina pode muito bem vir do escândalo decorrente da instabilidade legal para o exercício da democracia.

Jules Queiroz

Procurador da Fazenda Nacional em Brasília/DF - @julesqueiroz

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