Rio Grande do Norte, quinta-feira, 25 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 25 de abril de 2014

A Carteira de Identidade de Advogada

postado por Jules Queiroz

Está na pauta do Conselho Seccional potiguar da Ordem dos Advogados do Brasil requerimento de um grupo de seis advogadas no intuito de receberem a Carteira de Identidade de Advogada. Explico: o documento padrão emitido pela OAB só existe no masculino – Carteira de Identidade de Advogado.

Pode se pensar em um primeiro momento que é um pedido singelo. Insignificante, até. Os mais radicais podem dizer que é um pedido feminazi.

Mas, pensando bem, não é algo tão simples assim. Gênero, mais que uma questão gramática, é uma questão histórica.

A profissão de advogado no Brasil nasceu em 11 de agosto de 1897, com a fundação da Faculdade de Direito de Olinda. A Constituição então vigente, de 1891, somente considerava eleitores os homens. Observe-se que não havia essa disposição expressa no texto constitucional. Isso decorria do fato de que a expressão “cidadão” estar veiculada no masculino.

Poucos anos depois, a tradição jurídica brasileira criou uma de suas melhores obras legislativas: o Código Civil de 1916, elaborado pelo jurista cearense Clóvis Beviláqua. Nessa obra legislativa, a mulher casada era civilmente considerada incapaz, assim como os menores de idade e os índios.

Como se vê, a língua tem poder. Da mesma forma, a língua evolui.

Contudo, a língua não evolui com base na lógica, mas sim com base no uso. É o que ocorre com a história de “o Presidente” e “a Presidenta“. Dizem os puristas que “Presidenta” é errado porque “Presidente” abarca os dois gêneros. Usam como exemplo que o feminino de “Governante” não é “Governanta“. Esse argumento é falacioso porque, como disse acima, a língua evolui com base no uso, não na lógica. Inclusive, é com base no uso que a palavra “Governante” normalmente diz respeito a uma posição de poder político e “Governanta”, a uma posição de poder doméstico.

A palavra “Presidenta” não é corrente de uso porque sua ocorrência mais relevante, “Presidente da República”, só veio a se referir a uma mulher em 2010. Assim, a expressão “Presidenta” tem o intuito de reforçar essa condição: uma mulher ocupa o cargo.

No fim das contas: se a língua, instrumento de poder, evolui com base no uso, é com base no uso também que se transformam as relações de poder.

Ao se pedir uma Carteira de Identidade de Advogada, o que se quer é se reforçar a condição de igualdade entre advogados e advogadas. Se quer também promover a consciência dos espaços a ser ocupados pelas mulheres na comunidade jurídica, hoje majoritariamente masculina.

Esperamos do Conselho uma posição ativa nesse debate. E problemas técnicos com a gráfica não são desculpa para se negar o requerimento das colegas.

Jules Queiroz

Procurador da Fazenda Nacional em Brasília/DF - @julesqueiroz

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