Rio Grande do Norte, quinta-feira, 28 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 6 de junho de 2014

Macarthismo à brasileira e a Política Nacional de Participação Social

postado por Jules Queiroz

O macarthismo foi uma doutrina vigente no governo dos Estados Unidos na década de 1950, movida por atitudes do Senador Joseph MacCarthy. Envolve em essência uma paranoica patrulha anticomunista. Na aurora da Guerra Fria, era interesse dos EUA pintar como o diabo o inimigo externo: a União Soviética e o socialismo.

O macarthismo chegou atrasado ao Brasil. Políticos como Roberto Freire, do PPS, e “jornalistas” como Reinaldo Azevedo compreenderam que a única forma de ter suas tresloucadas opiniões ouvidas é pregar o medo da ameaça comunista corporificada pelo PT. Para quem tem um mínimo de leitura de qualquer autor comunista, notadamente Marx, o PT não tem absolutamente nada de comunista. Para quem não tem essa leitura, basta saber que o comunismo acabou com a União Soviética. Ponto.

Não há problema em ser crítico do PT. Não há problema em votar no PSDB. O problema é perder a capacidade de análise crítica e achar que tudo que vem de um governo do PT é maligno.

Exemplo disso é o Decreto nº 8.243/2014, que institui a Política Nacional de Participação Social. Editorial do jornal “O Estado de São Paulo” adjetivou pesadamente o decreto e acusou a Presidente Dilma de alterar monocraticamente o regime de governo do Brasil. Acusou o governo do PT de criar uma categoria de cidadãos com mais poder decisório do que outros.

Respeito a opinião alheia, mas o editorial do Estadão é um ato de desonestidade intelectual.

O Decreto nº 8.243/2014 não importa em enfraquecimento do Poder Legislativo, mas sim do Poder Executivo, cuja força na história do Brasil sempre foi hipertrófica. Ele submete atos de autoridades administrativas à participação popular. Esses atos, hoje, são praticados monocraticamente na intimidade dos gabinetes.

Observe-se que é uma diretriz do Artigo 6 da Carta Democrática da Organização dos Estados Americanos: “A participação dos cidadãos nas decisões relativas a seu próprio desenvolvimento é um direito e uma responsabilidade. É também uma condição necessária para o exercício pleno e efetivo da democracia. Promover e fomentar diversas formas de participação fortalece a democracia.”

Inclusive, a doutrina jurídica europeia vem dando espaço à prática de “atos administrativos consensuais”, em que o Estado atua vinculado à consulta dos destinatários de políticas públicas. Trata-se de verdadeira “abdicação da unilateralidade do exercício do poder discricionário”, no dizer do professor lusitano Paulo Otero (Legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003, p. 843).

Daí vem o argumento do Estadão: o PT vai alocar seus movimentos sociais “de bolso” nesses conselhos. Mas não seria mais fácil colocar efetivamente um petista como Ministro de Estado? Claro que sim. Sem ter que responder a qualquer pessoa que seja. O argumento de “aparelhamento”, portanto, é insustentável.

Essa ideia de aparelhamento também não se sustenta ante o artigo 10 do decreto. Ele prevê que os conselhos de políticas públicas serão formados por representantes da sociedade civil, eleitos, garantida a diversidade e rotatividade na representação, com critérios transparentes de escolha. Como entender que esse é um ato autoritário?

Diz-se também que o Brasil é uma democracia representativa e a atuação desses conselhos reduziria a representação do povo no Congresso. Mas temos que lembrar que o Brasil vive uma grave crise de representatividade. O que a população faz todos os dias é reclamar dos representantes que ela mesma elege. A democracia está em crise, mas a solução é mais democracia.

Dizer que ampliar a participação democrática é violar o princípio democrático constitucional é como dizer que o molho estraga o macarrão. A democracia prevista na Constituição é a garantia mínima de participação popular, não havendo impedimento ao Estado para ampliar, apenas para restringir. Basta dizer que o artigo 37, § 3º, prevê que a lei disporá sobre a participação do usuário nas políticas públicas.

Por fim, observe-se que diversas disposições do decreto dependem de lei para serem implementadas. Basta ver que os conselhos de políticas públicas são criados por ato normativo (art. 2º, II, do Decreto). Ora, o ato normativo que cria órgãos públicos é a lei. A lei advinda do Congresso Nacional, ressalte-se.

No fim, as críticas mais mordazes à participação social são aquelas que visam criar medo no povo. Medo no povo para não deixar transparecer o medo de povo.

Jules Queiroz

Procurador da Fazenda Nacional em Brasília/DF - @julesqueiroz

4 Responses

  1. Vantiê disse:

    Se os Movimentos Sociais institucionalizados são tão difíceis assim de serem “manobrados”, então, porque o número de greves e de protestos haviam reduzido bastante a partir do Governo Lula, só vindo a surgir um novo ciclo de lutas sociais aguerridas, com o recente crescimento dos novos movimentos sociais autônomos? Será que isto se deu porque a situação da população havia melhorado tanto assim, antes da eclosão deste novo ciclo de lutas? As medidas em pauta tratam-se, isto sim, de uma estratégia de opor uma pretensa democracia participativa (onde as hierarquizações e privilégios de grupos especiais de dirigentes sociais se perpetuam), contra a proposta radicalmente anti-capitalista e anti-Estado da Democracia Direta (defendida pelos Movimentos Autônomos), proposta esta que está em tendência de crescimento no âmbito internacional. Não é a toa – como foi bem colocado aqui – que organismos de defesa dos interesses do Capital internacional, como a O.E.A. e instituições jurídicas europeias, fazem coro na defesa deste aperfeiçoamento dos mecanismos de legitimação desta sociedade exploradora e desigual!

  2. Rafae disse:

    texto pobre. De fato, não avalia a juridicidade do decreto. Além de ser altamente omisso na questão política, porque todo mundo sabe que os movimentos sociais são mesmo “de bolso” do PT, como bem apontou a matéria do Estadão. O decreto aumenta a “participação popular” de movimentos controlados pelo próprio governo. Que democracia é esta? Além de ter vários outros clichês esquerdistas pra aluno de ensino médio ler a se impressionar… pobre, pobre, pobre!

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