Rio Grande do Norte, quinta-feira, 18 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 1 de setembro de 2014

O Governo Dilma e a dificuldade de entender os ideais do novo eleitorado brasileiro

postado por Carlos Freitas

O sociólogo alemão Max Weber tinha uma fórmula sociológica bastante elucidativa daquelas situações não previstas da ação racionalmente informada: “consequências não-intencionais da ação”. Essa mesma fórmula sociológica se mostra bastante atual para compreendemos um importante fato explicativo da dificuldade do governo Dilma/PT em ampliar sua base de apoio social.

E para não ficarmos apenas na escolástica, como dizia Lula da Silva, “nunca na história deste país” vimos uma ascensão econômica tão expressiva quanto se observou na chamada classe C. A consequência não-intencional em questão: a juventude da classe C emergente incorporou rapidamente os signos e valores da classe média estabelecida, dentre os quais, os ideais expressivistas e de autenticidade.

A dificuldade de Dilma/PT em entender a linguagem estética-naturalista do novo eleitorado brasileiro

Pelo seu forte conteúdo economicista, Dilma não consegue ampliar sua fronteira de aprovação social, se restringindo apenas àquelas camadas mais populares da sociedade brasileira. Além disso, o sentido de justiça articulado por Dilma é aquele que identifica o bem e o justo com o materialmente útil.

Assim, o princípio de utilidade é o principal pano de fundo do discurso de justiça e bem comum articulado por Dilma e pelo PT para justificar sua permanência no poder. Como assinalamos em outro artigo na Carta Potiguar (https://www.cartapotiguar.com.br/2014/08/30/marina-silva-entre-a-promessa-carismatica-na-nova-politica-e-os-limites-morais-do-mercado/) embora para uma parcela significativa da configuração do eleitorado ainda seja importante o Bem-estar material, não parece ser decisivo para o processo eleitoral deste ano.

Para a nova geração de eleitores da classe média urbana, a preocupação com o uso sustentável dos recursos naturais, a qualidade dos serviços públicos (transporte, segurança, saúde etc.) e com o acesso a bens de consumo são os temas socialmente mais relevantes. Além disso, a nova configuração do eleitorado é avessa às formas de participação hierárquica nas instituições políticas, a exemplo do modelo de democracia representativa. Suas principais demandas estão associadas às demandas de autonomia de uma pluralidade de identidades e responsabilidade como critério de avaliação e autorrealização pessoal.

O desgaste da retórica utilitarista que identifica o sentido de justiça apenas com o bem-estar material

 FHC, que sempre foi muito mais competente como sociólogo do que como político, entendeu rapidamente a mudança geracional da configuração do eleitorado e deu inicio a uma série de inserções na esfera pública brasileira, articulando bandeiras e ideias que convergiam com os ideais de autenticidade da nova juventude, a exemplo da defesa pública da descriminalização de drogas e da liberdade sexual.

Aécio, por outro lado, teve receio de abraçar alguma agenda da autenticidade e adotou a mesma estratégia do discurso gerencial e de crítica do Estado “ineficiente”. Até conseguiu acumular bastante votos, mas faltava-lhe conteúdo mais propriamente idealista e rico em promessas de significados capaz de alimentar uma nova geração da configuração do eleitorado.

Marina, por sua vez, melhor do que Aécio, soube articular um discurso de promessas de autenticidade e nova significação da política. Ela soube, por exemplo, articular também uma crítica estética e naturalista de uma visão utilitarista que reduz o sentido de justiça ao Bem-estar material. E ainda trouxe para si, um sentido de justiça identificado com a liberdade econômica.

A favor de Dilma e do PT, existe, em compensação, uma forte parcela do eleitorado fiel e solidaria que reconhece as conquistas em matéria de bem-estar material na última década. Como disse antes, essa parcela é formada em quase sua totalidade por estratos sociais mais populares, concentrados nas regiões norte e nordeste da federação.

Portanto, a luta discursiva de Dilma e do PT deve se dirigir para os segmentos mais jovens da classe média letrada das grandes capitais. É nesses segmentos que Dilma encontra maior resistência política, em grande medida, pela dificuldade de articular promessas de significação e autorrealização convergentes com as aspirações e ideais de plenitude da juventude de classe média letrada urbana.

Nesse caso, suspeito que a educação talvez fosse a aposta política mais capaz de quebrar e produzir adesão a projetos políticos. De modo algum, um discurso de educação técnica, mas de valorização enfática da educação como bem civilizatório e componente definidor da cultural nacional. Algo capaz de entusiasmar, ganhar as mentes e corações de uma juventude que ainda cultiva a forte crença na legitimidade da cultura escolar. Lembro-me que em eleições presidenciais passadas, um dos candidatos atraiu muitos votos e adesões com essa aposta ética.   Aliás, é fato que nenhum dos candidatos presidenciais até o presente articulou um discurso enfático de aposta ética e civilizatória na educação escolar, principalmente sobre o papel civilizatório das universidades públicas.

Carlos Freitas

Sociólogo e Professor Doutor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN. Interesse por temas de Cultura Política e Sociedade. Contato profissional: calfreitas@hotmail.com

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