Rio Grande do Norte, quinta-feira, 25 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 13 de novembro de 2014

O ovo da serpente do PT e a concepção fascista de vida

postado por Wilson Ferreira

A política econômica neodesenvolvimentista do PT resgatou o povo não das misérias do capitalismo moderno, mas das misérias herdadas do passado colonial-escravista da Casa Grande e Senzala. Por isso, a sociedade do consumo, a precarização do trabalho e a ideologia meritocrática chocaram o ovo da serpente cujos filhotes surgem agora, polarizando o cenário político. Esses filhotes vão reeditar a mesma psicogênese da chamada “personalidade autoritária” encontrada em pesquisas empíricas feitas pela Universidade de Bekerley, Califórnia, coordenadas pelo pesquisador alemão Theodor Adorno há 64 anos. Naquela oportunidade a pesquisa descobriu uma conexão entre o conservadorismo político e o “caráter neurótico” marcado por nove traços de personalidade como “convencionalismo”, “submissão acrítica”, “destruição” e “cinismo”. Em um contexto diferente, o Brasil estaria repetindo o mesmo cenário psicossocial daquela época, a concepção fascista de vida?

O que há em comum nessas três cenas abaixo?

(a) Um jovem profissional, imerso e confinado numa dessas baias dos modernos ambiente corporativos, alterna páginas do Facebook, pesquisas profissionais e consulta ao calendário buscando as datas dos próximos feriados e os dias que poderão ser “enforcados”. Um pequeno devaneio em meio à estressante ordem meritocrática em busca de desempenho, resultados e promoções;

(b) Manifestação pelo impeachment da presidenta Dilma na avenida Paulista em São Paulo na semana passada. “Não queremos o vermelho na nossa bandeira!”, bradam enfurecidos manifestantes trajando amarelo, muitos deles com a bandeira brasileira sobre os ombros. Pouco depois na mesma manifestação, agora gritam “São Paulo é o meu país!”… porem, há a cor vermelha na bandeira desse Estado…;

(c) Um jovem universitário lê na coluna do filosofo Luiz Pondé na Folha a defesa da necessidade de uma “secessão política” entre os que votaram em Dilma Rousseff e os que não votaram: “uma militância de secessão para que os bolivarianos durmam inseguros”, escreveu o filósofo. Beneficiado por um programa público do Governo Federal, este jovem está em uma universidade cujo discurso é o do talento individual como o caminho para o sucesso profissional.

O ovo da serpente foi chocado nas baias das modernas corporações?

Na cena (b) vemos a lógica estereotipada onde se pensa por categorias rígidas, sem perceber a contradição entre elas – Brasil X São Paulo X cor vermelha;Na cena (a) temos a submissão acrítica ou uma orientação ambígua em relação à autoridade e poder: nutre ódio e desprezo pelo sistema no qual está imerso (o sintoma são as fantasias escapistas) e, ao mesmo tempo, sabe que depende desse sistema para ascender na meritocracia. O resultado psíquico é o ressentimento;

E na cena (c) o fenômeno psíquico da projeção, isto é, acreditar que coisas perigosas e violentas ocorrem no mundo, projetando para o exterior contradições emocionais internas – contradição inerente à própria contradição do jovem universitário beneficiado por uma política pública de inserção educacional que o insere em uma vida acadêmica cuja motivação é o discurso do sucesso profissional baseado em características inatas individuais.

O que há em comum nessas cenas é aquilo que há 64 anos o pesquisador Theodor Adorno, associado a psicólogos da Universidade de Berkeley na Califórnia, denominou personalidade autoritária.

Adorno, Frenkel e Sanford, através de pesquisas empíricas em psicologia social que resultaram nas mil páginas do livro The Authoritarian Personality, tentavam compreender não só como era possível a maioria da população em países industrializados agir num sentido favorável a um sistema que o oprimia mas, principalmente, detectar a gênese psicológica do surgimento do preconceito etnocêntrico, conservadorismo político e disposições latentes de uma “concepção fascista da vida”. O temor deles era reprodução de traços psicológicos proto-fascistas  que poderia conduzir à repetição do nazi-fascismo europeu em pleno território norte-americano.

Se lá em 1950 o cenário era o crescimento econômico e a sociedade de consumo do pós-guerra, aqui no Brasil temos os filhotes da serpente cujos ovos foram chocados pela chamada política econômica neo-desenvolvimentista dos governos do PT – e muitos deles pudemos ver nas furiosas expressões fisionômicas e xingamentos nas manifestações na avenida Paulista.

O Neodesenvolvimentismo deixou rolar a miséria do capitalismo moderno

Porém, como dizia Marx “somos atormentados não só pelos vivos, como também pelos mortos”. Assim como o Nazismo trouxe os antigos mitos nacionalistas da família, terra e pureza do sangue como respostas ao ressentimento das massas imersas no caos hiperinflacionário, da mesma forma no Brasil os preconceitos, ódio e intolerância ainda presentes como herança atávica da Casa Grande e Senzala (o “quarto de empregada” e o “elevador de serviço” são uma dessas pequenas tragédias) são o combustível para o ressentimento por ser projetado.Como coloca o professor da Unesp Giovanni Alves, ao buscar redistribuir a renda e diminuir a desigualdade social por meio de programas estatais de transferência de renda (bolsas, salário-mínimo etc.) o neodesenvolvimentismo tenta resgatar o povo não das misérias modernas do capitalismo, mas das misérias herdadas do nosso passado colonial-escravista. Na verdade, um modelo de desenvolvimento que modernizou o capitalismo brasileiro ao normalizar as funções de reprodução da força do trabalho e consumo ótimas para o capital, além da manutenção da financeirização – sobre isso leia ALVES, Giovanni. “Neodesenvolvimentismo e precarização do trabalho no Brasil” In: Blog da Boitempo..

A personalidade autoritária descrita há 64 anos mantém-se atual

Um ressentimento cuja origem está paradoxalmente na modernização capitalista que o neodesenvolvimentismo estimulou: o acirramento da ideologia meritocrática (seja por meio da publicidade ou consumo, seja pelas universidades privadas e cultura corporativa) combinado com a precarização do trabalho.

A “modernização” das mazelas do capitalismo globalizado como precarização e flexibilização das relações trabalhistas (trabalhadores terceirizados, estagiários, temporários etc.) ocorre  paralela à sofisticação do discurso meritocrático: o fracasso somente pode ter causa na fraqueza do indivíduo. O resultado é aquilo que Adorno chamava de “dureza da vida” ou “vida prejudicada” e a valorização da “educação pela dor” como moralmente necessária para o indivíduo enfrentar a rudeza do dia-a-dia.

A concepção fascista de vida

Essa é a gênese da concepção fascista da vida, cuja fórmula Adorno sintetizou da seguinte maneira: “aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não teve a liberdade de demonstrar, que precisou reprimir” (“Educação após Auschwitz”In: Theodor W. Adorno – coleção grandes cientistas sociais, São Paulo: Ática, p.39).

O resultado é a personalidade autoritária que pesquisadores à época da pesquisa da Universidade de Berkeley como Fromm e Reich descreviam como de “caráter neurótico”: fixações sadomasoquistas, superego punitivo fonte de exigências impossíveis e de um sentimento extremo de culpabilidade, resultando num ego fraco que esgota toda sua energia na defesa contra pulsões reprimidas.

A pesquisa The Authoritarian Personality de Adorno, Frenkel e Sanford demonstrou como esse caráter neurótico cria nove traços de personalidade que compõem a personalidade autoritária. Sessenta e quatro anos depois, podemos encontrar no atual quadro de polarização política brasileira e nas oposições políticas suicidas (rejeição à política e golpismo)  esses mesmos traços.

Os 9 traços da personalidade autoritária

(1) Convencionalismo – a inclinação para o fascismo é característica de quem gravita em torno das classes médias, com rígida adesão ao convencional ou ao “bom senso” seja estética ou intelectualmente. Do “coxinha” de um ambiente corporativo com extrema convenção no modo de se vestir e falar a uma figura como a do cantor Lobão que, incapaz de se reinventar na sua carreira persegue o papel convencional de “oposição aloprada” desde os tempos em que posava com camiseta do MST.

>>>>>>>>>>Leia mais>>>>>

 

Wilson Ferreira

Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi/São Paulo na área de Estudos da Semiótica. Pesquisador CNPQ do grupo de pesquisas "Cinema e Sagrado no Cinema e Audiovisual e autor dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus. Editor do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" sobre confluências entre Gnosticismo e Sagrado no Cinema, Audiovisual e Cultura Pop em geral.

Comments are closed.

Direitos Humanos

Nossa Insurreição da Consciência: "Ma Nêga" e o racismo

Política

A reforma política no segundo governo Dilma Rousseff