Rio Grande do Norte, quarta-feira, 24 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 27 de janeiro de 2015

O ódio cego e irracional do Enem/Sisu

postado por Paulo Emílio

Todo ano é a mesma coisa: assim que sai o resultado do Sisu, chovem reclamações sobre Sisu/Enem. Aqui em Natal, no grupo da UFRN (veja bem, UFRN) do facebook pessoas despejando bairrismo: “vem o povo de fora roubar nossas vagas”. ROUBAR VAGAS. Como assim “roubar” vagas? Existe, por meio do Sisu/Enem, um método de garantir vagas de acordo com a naturalidade?

Outros, vi desejando a volta do vestibular tradicional da Comperve/UFRN. Ao entrar no perfil deles, vi que a maioria nasceu depois da metade da década de 90, ou seja, no último ano de realização do vestibular tradicional, todos eles estavam no Ensino…. Fundamental. Francamente, né?

Eu fiz quatro vestibulares tradicionais, passei em dois. No Enem, também fiz quatro e obtive boas notas em todas elas. Num ano, inclusive, cheguei a passar num curso de biomédica – coloquei por colocar, jamais faria matrícula, sou Humanas II.

Por falar nesse caso que coloquei um curso qualquer para testar nota (fiz isso em três seleções do Enem), muitos reclamaram que estavam dentro da lista de aprovados e, no último dia, ficaram de fora, porque candidatos de cursos mais concorridos que não obtiveram a nota escolheram aquele. Eu até entendo (veja bem, entendo) a revolta da pessoa ficar de fora do curso que ela escolheu por conta de outra que só escolheu “para entrar logo na universidade”. Entendo, mas não é justificável. Ora, se uma pessoa estudou mais que a outra, por que ela não pode escolher o curso? Não defendem tanto a meritocracia? Ela está aí e, nesse caso, no mesmo patamar – AMPLA CONCORRÊNCIA.

Voltando à prova. Como disse antes, fiz as duas provas. A prova da Comperve/UFRN não media a capacidade intelectual do candidato, mas sim a capacidade de memorização dele. Algo completamente diferente do Enem que a cada ano tem aumentado a qualidade. Isso reflete até no próprio “mercado educacional”. Hoje, os alunos têm o privilégio de não ter um palhaço (que nem de longe pode ser comparado ao artista/profissional palhaço) fantasiado travestido de professor ensinando dicas de memorização de fórmulas, datas, nomes etc. Hoje, os professores precisam realmente estudar para dar uma aula com que o aluno não só aprenda, mas também saiba o porquê de estar estudando aquilo.

E sabem quem disse isso há mais de 30 anos? Paulo Freire (que se estivesse vivo estaria contente com esse método), isso mesmo, o maior pedagogo brasileiro, acusado pela direita de ser “comunista”, porque era simpatizante da Teologia da Libertação (uma corrente de Esquerda dentro do catolicismo). Suas teorias educacionais foram e continuam sendo usada nos maiores países capitalistas (Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Suíça, França etc.). Esperaram mais de 30 anos para colocarem em prática as teorias de Paulo Freire que só veremos os primeiros resultados significativos daqui uns vinte anos, no mínimo.

Por que tanto tempo? Simples, mudanças em políticas públicas educacionais não são que nem fórmulas matemáticas, elas não são exatas, precisam de constante atualização e demoram tanto porque nosso país é grande e populoso, com “culturas” (não sei se posso utilizar nesse sentido essa palavra – me corrijam antropólogos) diferentes. Criar um método que respeite todas essas diferenças requer tempo e respeito à diversidade e, mesmo assim, há chance de falha, por isso que o estudo tem ser diário.

Para terminar, desejo que quem reclame do Sisu/Enem comece a encarar de uma forma diferente o estudo. Treine a criticidade e não a memorização. Não se deve estudar para “passar no vestibular”; deve-se estudar para a vida.

 

Paulo Emílio

Pedagogo que tem um diploma de Geografia, adora Nutrição, admira a Sociologia, tem uma queda pelas questões ambientais e, nas horas vagas, gosta de jogar enquanto com um caldinho de feijão verde (sem manteiga, por favor)

4 Responses

  1. Helen Gonçalves disse:

    Acho o ENEM injusto devido a discrepância que existe entre as regiões. Existe essa diferença sim e é impossível fingir que o Enem utiliza uma metodologia democrática. Somente no dia que o ensino seja equivalente em todo o Brasil os estudantes perderão essa sensação de “roubo”.

    • Paulo Emílio disse:

      Olá Helen,

      Não exise “roubo” quando as vagas são federais. Não é porque uma universidade FEDERAL está num estado que ela é do estado. Se assim fosse existiria a Polícia Federal do Rio Grande do Norte, Polícia Rodoviária Federal da Paraíba. As vagas são federais e são para todos os estudantes.

      Além disso há somente uma taxa de inscrição e o candidato faz a prova no local onde mora. No vestibular tradicional, o candidato tinha que pagar valor absurdamente elevados (isso eu deveria ter colocado no texto), estadia e, boa parte das universidades federais colocavam o vestibular nos mesmos dias para evitar que gente de outros estados concorressem.

      Não estou vendo a democracia aí…

  2. Yuka Tamashiro disse:

    Vestibular é sim mais eficiente na seleção de estudantes para a universidade. Faz com que os estudantes estudem e se apliquem mais.
    As universidades de hoje estão aderindo ao ENEM, pelo simples fato de encherem seus cofrinhos com dinheiro do governo. Hoje o que vemos são mais alunos semianalfabetos que passaram por mera “sorte”. O sistema de correção das redações é falho. Redações estúpidas tiram notas altas, e se for contra o atual governo, você tira um zero. Ai eu pergunto, onde fica a expressão, a espontaneidade de quem escreve?
    Vejo jovens que não terminam o ensino médio, porque com 18 anos é só realizar o ENEM e tirar uma notinha para eliminar o ensino médio. Entram na universidade sem saber quase nada. Ai vem alguem e diz: “ah mas assim, eles não vão passar na universidade”, ERRADO! Eles passam de ano, e assim se tornam profissionais desqualificados.
    E esse é o jeitinho brasileiro. Atolando as universidades com jovens que não se dedicam aos estudos, e deixando em estado de inércia e precariedade o sistema de educação brasileiro.

  3. Paulo Emílio disse:

    Olá Yuka,

    Como eu comentei no texto, a diferença entre as provas. O vestibular tradicional era uma prova cansativa e priorizava a memorização (famoso decoreba) em detrimento da criticidade. Óbvio que eu estou falando da prova da UFRN, não posso falar de outras universidades.

    As universidades federais têm autonomia, mas elas continuam sendo federais. Por isso é óbvio que elas terão de se adequar às exigências do Governo Federal. Isso é política.

    Concordo com você quando diz sobre a correção da redação. No entanto, discordo de você quando deixa a entender que esse problema é suficiente para eliminar toda a prova. Como bem escrevi no texto: criar um método que respeite essas diferenças requer tempo e atualização constante. O Sisu/Enem não tem dez anos; não há como inviabilizar a prova em tão pouco tempo.

    Erros vão acontecer sempre. O problema será quando os erros não fosse corrigidos. A cada ano menos escandalos sobre a prova acontecem, certo? Num ano a prova vazou; no outro a receita de bolo na redação. Problemas que estão sendo identificados e corrigidos.

    Concordo totalmente com você nessa questão de “pular fases”. A questão não é nem somente de conteúdos, mas sim de maturidade. Não acredito que um adolescente de 15 anos tenha maturidade suficiente para cursar o Ensino Superior. Aliás, cansamos de ver alunos com mais de 20 sem essa maturidade. Isso é um erro que, com certeza, os pesquisadores do MEC e das universidas estão sabendo. Não podemos ser pessimistas e achar não estão sendo pensadas maneiras de evitar que isso acontença.

    Quanto ao “jeitinho brasileiro”, eu discordo veemente. Acredito sim que o ensino é para todos. Se a pessoa irá ou não fazer bom uso de sua graduação, aí condiz com cada um. O governo federal não pode simplesmente olhar para determinado candidato e dizer: “Você não será um bom geógrafo. Tá fora!”. Todos têm de ter a oportunidade com uma condição: que se tenha uma nota mínima para poder frequentar o curso.

    Não podemos e nem devemos ser “videntes”. Os primeiros resultados dessa política veremos daqui duas décadas… os primeiro resultados. Podem ser ruins ou bons? Sim, podem sim. No entanto, alguma coisa tinha de ser feita. E em 12 anos de governo do PT vimos uma revolução na educação superior que em quase 500 anos nunca tínhamos vistos.

Direitos Humanos

Por que o conteúdo da mídia também deve ser regulamentado

Política

Robério Paulino: Fazendo carnaval do carnaval em Natal