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Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 23 de fevereiro de 2015

10 coisas que você precisa saber sobre disciplinas inúteis

postado por David Rêgo

Todo mundo sabe que artes, filosofia e sociologia não servem para nada. Nas escolas, é a “hora da diversão”. Aulas destas disciplinas e horário vago é quase a mesma coisa.

Como é tendência, elaboramos uma lista com as 10 coisas que você pode fazer com esses diplomas

image (1)1 – Andar nu por aí achando isso normal.
2 – Vender artesanato na praia
3 – Montar uma banda reclamando da sociedade
4 – Entrar para algum movimento social
5 – Fumar maconha
6 – É isso aí*.
7 – Pode crê*.
8 – Deixe quieto.
9 – Quero/gosto*
10 – Que diploma?*

Depois do número 5 os profissionais das referidas áreas nitidamente não conseguem lembrar o restante da lista. Lembramos também que esta lista é completamente inútil, assim como 90% das listas. Mas não é este o foco.

As brincadeiras acima são comuns de ouvir. Servem para ilustrar o quanto tais disciplinas são tratadas com  certo desdém pelo público em geral. Não é surpreendente que isto ocorra. Os motivos são vários, mas nos preocuparemos (no momento) em descrever uma das possíveis razões que levam à desvalorização destas disciplinas no ensino público do RN. A inexistência de planejamento a partir de banco de dados.

O que faria com que algumas pessoas acreditem que filosofia, artes e sociologia são disciplinas inúteis? Todas as ciências tratam de conhecimentos válidos e necessários. Como seria possível que alguns conhecimentos tenham uma “maior importância” que outros? Uma das questões que pode influenciar neste julgamento é a percepção de “utilidade”. É comum aos mais jovens afirmações como: não gosto de física, para quê vou usar isso?  Quando explicamos que a física faz funcionar os carros e computadores, rapidamente a questão é resolvida. Não que o discente passe a gostar imediatamente da disciplina, mas agora ele a respeita, pois sabe o seu uso, seu “valor na sociedade”. O “respeito” pelo conhecimento não se resume propriamente ao conhecimento que é passado, mas à utilidade prática a ele associada. Ou seja, não é o conhecimento em si, mas a forma como ele é passado, o “apelo” que o legitima.

O problema já começa aí. Na prática, você encontrará muitos professores de artes, filosofia e sociologia, porém, pouquíssimos professores com diploma da área. Em seus concursos, o Estado não abre a quantidade minimamente necessária de vagas para estas áreas. Sempre falta profissional.

Tais disciplinas muito raramente são oferecidas por pessoas formadas na área. Na rede pública  servem geralmente para “completar horário para professor”. São pessoas que estão dando uma disciplina que não conhecem para completar horário. Espera-se que a aula não seja tão interessante e que o conhecimento ali passado seja algo rasteiro e superficial. A “prática” é simples: sociologia, filosofia e artes servem para “cobrir buracos nos horários dos professores”, por duas razões: existe carência de profissional e são disciplinas com 1 aula por semana, que facilmente podem ser encaixadas em qualquer horário.

Expliquemos melhor: o Estado abre concurso para matemática, português, química etc. etc. etc. O professor X passou em um concurso de 30 horas semanais para matemática, mas só existem 25 horas na disciplina dele na escola que ensina. O que faz o professor? Fala com o diretor e  explica-se a situação e sem muita dificuldade um professor de Matemática passa a lecionar artes ou filosofia, podendo assim completar suas 30 horas de aula por semana para receber seu salário no final do mês.

Em entrevista, Einstein fala sobre a educação pública no RN.

Em entrevista, Einstein fala sobre a educação pública no RN.

Os professores de artes, filosofia e sociologia, ficam em situação semelhante, mas com um resultado prático para suas disciplinas devastador. Com uma pequena carga horária em suas disciplinas, acabam também negociando e assumindo disciplinas como geografia, história, religião etc. Deveriam ensinar sociologia, filosofia e artes em 10 colégios, no lugar disso, ensinam apenas em uma instituição e assumem o resto da carga horária lecionando coisas que não estão habilitados para fazer. Ou seja, deixa de dar sentido a um conhecimento em vários locais, permanecendo em uma só instituição ensinando tudo, menos o que foi habilitado para ensinar.

É a “educação do jeitinho”. Na falta de um plano de educação estadual bem elaborado, com dados e levantamentos de necessidades, abre-se concursos sem o devido planejamento e depois saem dando puxões aqui e ali, dando um jeitinho aqui e outro ali. Surge aí o famoso “samba do crioulo doido” da educação pública. A “zueira” na educação pública do RN nunca tem limites.

Como existe uma enorme carência, somada a pequena carga horária, as disciplinas de artes, filosofia e sociologia acabam sendo as mais afetadas no sentido de não conseguir demonstrar sua utilidade prática já que o profissional que assume a disciplina geralmente não conhece a fundo suas funções e usos em sociedade, não conseguindo estabelecer o sentido prático das disciplinas, desestimulando assim o desenvolvimento de afinidades.

 

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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