Rio Grande do Norte, quarta-feira, 24 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 13 de abril de 2015

Chico Anysio, Justo Veríssimo e a caricatura da política nacional

postado por David Rêgo

No dia 12 de Abril de 2015 Chico Anysio completaria 84 anos. Foi um dos mais completos humoristas do Brasil, criando mais de 200 personagens no decorrer de sua carreira. Muitos tornaram-se parte da própria cultura popular brasileira. Na década de 80, ainda durante o regime militar, Chico cria um dos seus mais lembrados personagens: O deputado Justo Veríssimo. O personagem, de acordo com o humorista cearense, foi inspirado a partir de uma conversa com Alceu Valença, que mencionou conhecer um político de Pernambuco que tinha “horror a povo”.
justo-verissimo-chico-anysio--eu-quero-e-que-o-pobre-se-exploda-1382737345771_956x500Ao criar o personagem, Chico não tinha como intenção profetizar a respeito daquilo que aconteceria com o Brasil. Pelo contrário, ele fazia uma caricatura de políticos da época. Aliás, o “nome completo” do personagem é “Justo Veríssimo, o indireto”. “O indireto” refere-se as eleições indiretas, existentes durante a ditadura em que tanto presidente, governadores,  e prefeitos poderiam ser “indicados”, se necessário. Este modelo facilitava todo tipo de manobra política e falcatruas.

Temos, por exemplo, espalhados pelo Brasil políticos que acumulam aposentadorias, não por tempo de serviço ou trabalho prestado à sociedade. Aposentam-se já que foram governadores. “Era” um direito. O cidadão comum precisava de décadas de esforço. Alguns da classe política precisavam apenas de poucos anos para aposentar-se. Os valores, em dias de hoje, atingem até 26mil por mês. Atualmente, no Brasil, são mais de 100 aposentadorias/pensões para ex-governadores e familiares que recebem o benefício todos os meses. É o bolsa família vitalício de alguns políticos. O prejuízo para os cofres públicos superam os 50 milhões por ano.  Em teoria a constituição de 1988 acabou com essa herança, mas não “proibiu oficialmente” a prática. Assim, novas aposentadorias são criadas governo após governo. Para nossa sorte, na atualidade, o STF tem cassado uma série de aposentadorias por considerá-las ilegais. Alguns ainda retrucam: “mas no caso daqueles que já recebiam era um direito, estava na lei, era permitido, não são pessoas desonestas”. Pode-se observar certa ingenuidade na argumentação. Questões ligadas aos padrões morais e éticos resolvem esse tipo problema. Nas cartas de Paulo aos Coríntios, por exemplo, podemos extrair a seguinte citação

O fato de haver litígios entre vocês já significa uma completa derrota. Por que não preferem sofrer a injustiça? Por que não preferem sofrer o prejuízo? Em vez disso vocês mesmos causam injustiças e prejuízos, e isso contra irmãos! […] Tudo me é permitido”, mas nem tudo convém.

O grifo é nosso e deixa claro que existem muitas coisas que podemos fazer, mas nem tudo que é permitido fazer é bom ou honesto. A lei, por exemplo,  muitas vezes não é justa, muito menos ética. Lembremos que a lei, em diversos contextos, é pura conveniência. Em outras palavras, ela serve para saciar o gosto, o conforto ou o bem-estar daqueles que as criam. Apenas profissões extremamente privilegiadas tem o poder, por exemplo, de aumentar o próprio salário. Aqueles que fazem as leis criaram para si esse direito. Com toda certeza não foi a vontade do povo. Aliás, são poucas as garantias que o povo tem, e costumam chamá-las de privilégios. São muitos os privilégios que a elite tem, e costumam chamá-los de direitos. Ou como diria o próprio Justo Veríssimo sobre sua sociedade ideal: “uma sociedade feita de juros sem capital, de salário sem trabalho, aposentadoria sem tempo de serviço, direitos sem deveres, um oceano de safadezas sem um pingo de vergonha”.

 

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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