Rio Grande do Norte, quinta-feira, 25 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 17 de abril de 2015

Mc Melody e o uso de crianças para fins lucrativos

postado por David Rêgo

Na atualidade a cantora mirim MC Melody tem causado muita polêmica. De acordo com muitos, é um absurdo o que ela faz. Uma criança não deveria se submeter a tais coisas entre várias outras falas que pretendem salvar o mundo. Vamos fazer uma breve viagem no tempo e relembrar casos famosos em que crianças são usadas com objetivos financeiros (e com alguma conotação sexual). É sempre bom relembrar.

A exposição de crianças em conteúdos com conotação sexual para fins lucrativos

O Exorcista
O caso de Linda Blair é memorável. A atriz teve que fingir que se masturbava com um crucifixo enquanto dizia “let Jesus fuck you”, além de colocar uma das personagens da cena para fazer sexo oral. Linda não sabia bem ao certo o que fazia, era uma criança. Mas de acordo com ela em entrevistas posteriores, as lembranças trouxeram sérias consequências. Ao ver a cena, que “os estúdios da Warner colocaram uma criança pra fazer” ninguém observa um absurdo acontecendo. Ninguém observa um estúdio que pede para que uma criança finja se masturbar com um crucifixo enquanto diz “let Jesus fuck you”.  Nunca observamos o “por trás das câmeras”. Afinal, o filme foi feito em Hollywood, não nas favelas. Lá está tudo sob controle, diferente das favelas. Nunca chamaram o conselho tutelar pra fechar a Warner por divulgar um vídeo em que uma criança se masturba com um crucifixo. Geralmente não vemos críticas ao filme Exorcista pela exploração de Linda Blair, apenas elogios. “Um clássico”.

 

Na boquinha da garrafa

A geração dos anos 90 enlouqueceu ao som do “É o Tchan da Bahia” com uma série de músicas, entre elas a clássica “Na boquinha da garrafa”, dança que transformou Carla Peres em uma das dançarinas mais famosas do Brasil.  O hit fez sucesso entre todas as idades. Toda criança ficava lá, dançando na boquinha da garrafa. Os papais e mamães morriam de rir. Dançavam com os filhos. É válido lembrar que as pessoas que conheço e dançavam quando crianças não se tornaram pessoas sem valores. Abaixo, vídeo de uma apresentação no programa infantil Show da Xuxa no ano de 1996. Percebam o close que dão na bunda de Carla Perez enquanto ela rebola em movimentos bastantes sensuais.

Show da Xuxa

Além daquilo que todos já sabem, ou seja, da apresentadora aparecer muitas vezzes com roupas curtíssimas (muito adulto de hoje em dia começou a descobrir sua sexualidade vendo aquele programa), em um dia pontual e apresentadora levou para o seu programa infantil a música “Short Dick man”. É curioso ver o vídeo para um público infantil cantando e dançando loucamente “eu não gosto de homem do pinto pequeno”. E sem essa de que ninguém sabia o que eles estavam falando. Nós sempre sabemos o significado das músicas que são “Hits”. Mas cantamos mesmo assim. Geralmente não é só a letra que chama atenção.

 

Mara Maravilha

Mara Maravilha seguia o mesmo modelo da época, tal como Xuxa e Angélica. Roupas curtas para animar programas de crianças. Em um de seus programas empolgou-se tanto que ensinou as crianças como iniciar um striptease.

 

Exemplos do show de bizarrices nos programas infantis não faltam. Alguém pode pensar: tudo bem, mas nestes casos são adultos. Carla Peres é adulta. Xuxa é Adulta. Mara Maravilha é adulta. Neste sentido é de se deixar claro que eram adultos, mas que conduziam programas voltados para o público infantil. Não faltam exemplos de crianças que tiveram nítida exposição associada a conotações sexuais no decorrer do mainstream televisivo brasileiro.

Não para por aí. Uma das várias críticas feitas a MC Melody está relacionada a um vídeo onde a funkeira mirim canta em inglês a música “parabéns pra você”. Choveu de gente nas redes sociais criticando o inglês da pequena. É a nítida forma de mostrar que “sou melhor do que ela”. Um país em que o analfabetismo funcional beira os 20%, a norma culta da língua mãe é para poucos. Dominar a escrita e a fala do inglês é algo então para um grupo bastante restrito. É a “distinção social”. Aquilo que me torna melhor que o outro. “Domina a fala do inglês? então você possui o direito legítimo de violentar quem não domina”. Assim manda a cultura. Mas claro, é tudo sempre na forma de piada. Afinal, que problema há em uma brincadeirinha? Não só isto. Ao observar os comentários em vídeos e postagens da menina podemos ver falas como:

“por isso que existe pedofilia”

Ou seja, a pedofilia existe não devido a ação de um adulto com uma mentalidade doentia. A pedofilia existe devido o fato de uma criança usar um short e passar maquiagem. O adulto violador não tem culpa do que faz. Tudo acontece devido as crianças safadas. Em alguns países, inclusive, culpa-se o aumento no índice de estupros devido o uso de rímel. Os violentadores sempre encontram uma justificativa para suas violências. Outro comentário bastante comum e “inofensivo” também esconde nossas valorações:

“Isso é um absurdo, bom mesmo era chiquititas e balão mágico” ou então “se tivesse uma boa índole não iria se submeter a isso.”

Em outras palavras, existem trabalhos mais dignos e trabalhos menos dignos. Perder a infância gravando para grandes emissoras e grandes gravadoras é válido. Mas perder a infância dançando funk e sendo empresariada pelo próprio pai não pode. É a ideia de que um advogado de uma grande gravadora/emissora preocupa-se mais com a integridade emocional/física do que um pai favelado.

O questão proposta aqui não é encontrar judas. Quem está certo ou errado. O que realmente assusta é: Por que reclamamos de um e o outro “nem notamos”? Não apoio a ideia de usar crianças para fins comerciais. Mas a questão, relembremos, é: por que com o funk incomoda mais?

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

3 Responses

  1. Rodrigo Campos disse:

    Essa é uma discussão muito extensa. Seria necessário convocar uma Assembléia para rever todos os pontos do “porquê” das pessoas (principalmente as de classe média e acima, e que não vivem em SP ou RJ) estarem tão incomodadas com esse caso. Mas, se esse debate acontecesse, no final a culpa seria da justiça “cega” e tolerante.

  2. Michelle Luz disse:

    David seu texto possibilita uma série de reflexões. Durante minhas leituras de textos e opiniões sobre a situação da Mc Melody, entre acusações e argumentos, me pegava questionando de forma mais aprofundada, julgo eu, e as identifiquei no seu texto. As informações e problematizações que você faz quanto ao longínquo e constante ataque da mídia indutivo ao desenvolvimento precoce da sexualidade; ao posicionamento das pessoas frente ao inglês da pequena e a “distinção social”; ao trabalho mais digno e menos digno; acredito serem pontuações imprescindíveis para início da discussão. Porém, na minha opinião (claro, rsrs), seu fechamento com o questionamento “por que com o funk incomoda mais?” me passou a sensação de um reducionismo. . Embora, seja uma questão boa para se pensar e elaborar uma resposta, acho simplista nessa situação. Realmente, na atual situação, não sinto que o incômodo e indignação causados, sejam pelo Funk, ou por aí vai, de ser um ritmo musical forte na periferia e isso gerar ou trazer a tona vários incômodos e questões sociais. O incômodo, ao meu ver, é perante a exposição erotizada e hipersexualizada da menina, além do grande risco de se tornar vítima de abuso e exploração sexual e, finalmente, por esta promoção estar sendo feita pelo pai. Penso que se uma criança reproduzisse danças com roupas e gestos da Madonna, mesmo sendo elitizada, também causaria esta indignação.

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