Rio Grande do Norte, sábado, 20 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 6 de junho de 2015

E A PARADA GAY DE SÃO PAULO CAPITULA FRENTE AO DISCURSO CONSERVADOR!

postado por Carta Potiguar

Por Alipio de Sousa Filho, Sociólogo, professor da UFRN e editor da Revista Bagoas

O tema público da Parada LGBT de São Paulo, na sua edição 2015, não poderia ter sido pior escolhido: “Eu nasci assim, eu cresci assim: respeite-me!” Mas não espanta que o tema tenha sido dessa maneira elaborado. Há algum tempo, o movimento LGBT, no Brasil, tem dado demonstrações que iria dar uma guinada à direita, cedendo às pressões conservadores, advindas principalmente das correntes religiosas vinculadas às igrejas evangélicas e seus cúmplices.

11188400_1045823665447627_9062049798744799442_nJogar para a esfera pública a ideia que a homossexualidade e os gêneros trans (e suas sexualidades) são de origem embrionária, que os indivíduos nascem sexuados e determinados em seus gêneros, é de uma total irresponsabilidade política e profundamente deseducativo quando se trata de pretender a emancipação cultural e política da sociedade brasileira.  Mais não é que uma vexatória capitulação diante do pensamento conservador e do discurso ideológico, que só admitem a existência de sexualidades e práticas de gênero dissidentes da ideologia da heterossexualidade obrigatória, denunciada pelo próprio ativismo gay, quando subordinadas à concepção que as definem como fenômenos cuja causa se situa no domínio do biológico, da genética, uma realidade embrionária ou por uma mistura de aspectos obscuros da zona do psicológico com o fisiobiológico.

Se é certo que boa parta de gays, lésbicas e trans, pelo próprio sofrimento da discriminação, procura argumentos convincentes para si próprios e para os demais à volta sobre as “causas” de sua sexualidade e práticas de gênero, isso deve ser entendido por eles como uma busca que resulta de uma problemática artificialmente imposta pelo discurso ideológico (discurso do preconceito, da discriminação e da sujeição) e, portanto, sem legitimidade, pois o mesmo não se impõe igualmente a heterossexuais. Afinal,  como bem é sabido, não há, na ciência ou no discurso moral, qualquer pergunta sobre a “causa” da heterossexualidade, pois esta é presumida como natural, normal. O que tem servido apenas para negar que se trata de uma instituição social construída como qualquer outra no curso da história e em culturas particulares.

Se muitos gays, lésbicas e trans encontram no argumento do natural, do biológico, na ideia que “nasci assim, cresci assim” (como na canção da Gabriela) a “explicação” para algo tão singular (e social, cultural, histórico, político etc.) como as vivências da sexualidade, aí não está uma verdadeira explicação da gênese ou psicogênese das sexualidades e gêneros dissidentes da norma heterossexual hegemônica. Aí está aquilo que, numa paráfrase de Marx, poderíamos dizer como sendo “o sopro da criatura oprimida, a esperança daqueles que não têm esperança”: em Marx, a entrega à religião tout court, que o autor concebeu como a forma perfeita da ideologia, ao deslocar da história e da política a origem das instituições sociais e, para nosso assunto, sugiro como entrega à ideologia da explicação biológica, pela qual todos se salvam (ou procuram se salvar) da acusação de fazer suas próprias escolhas, mais ainda quando elas não são socialmente legitimadas. Certo, não se trata de qualquer escolha: não se trata de algo como escolher qual roupa vestir, mas ainda assim é uma escolha, opção, preferência de nosso ser e seu desejo por outro ser e o que este representa, pensamos o que pode satisfazer, realizar etc.

Depois de Freud, Foucault e Deleuze, falar de biologia do sexo ou do gênero (“nasci assim, cresci assim”) é voltar a cair em enganos obscurantistas. O ser humano não se orienta por instintos, direção biológica ou determinantes genéticas. O ser humano, por sua falta de especialização e direção biológicas, é um criador de instituições sociais. Ele é somente social e desejo, e boa parte desse desejo fundado no social que o governa. Quantas vezes mais vão ser necessárias repetir que sexo e gênero não são realidades biológicas mas construções culturais, sociais e históricas e, por isso mesmo, realidades inteiramente modificáveis, substituíveis, revogáveis?

Ora, o que é subversivo e revolucionário, no domínio das práticas erótico-sexuais e de gênero, é assumir que o que se deseja e faz é resultado de nossas escolhas, opções, preferências, que resultam em construções, nossas construções, e com todos os ingredientes culturais e sociais a nosso dispor. E que se danem todos os reacionários (e principalmente os cães de guarda da reação conservadora no Brasil, hoje: esses senhores e senhoras das igrejas e seitas evangélicas!), ao não admitirem a liberdade dos indivíduos ao decidirem por sua autonomia erótica e construções de gênero, construções muito particulares, pessoais!

Tola é a compreensão daqueles que optam por admitir que “nasceram gays ou trans” para se fazerem aceitos, como se estivessem a pedir licença para existir, uma vez que, tendo “nascido” não têm a “culpa” do que são, quando deveriam sair às ruas bradando a ilegitimidade das instituições sociais que tornaram a heterossexualidade a única forma legítima da sexualidade, uma pura invenção social, cultural e histórica, como demonstram inúmeros autores e estudos. Como escreveu a filósofa estadunidense Judith Butler, a nossa atitude crítica deve ser essencialmente a decretação da ilegitimidade da realidade instituída, por seu caráter construído, arbitrário, contingente e revogável! Foda-se a ideia (ideológica, isto é, construída, imposta, hegemonizada) segundo a qual a heterossexualidade é a única modalidade natural do sexo humano e, portanto, a única legítima, admissível e institucionalizável! Ao invés de se buscar a “naturalização” da homossexualidade e do gênero trans, o que devemos procurar  é a revogação da heterossexualidade como instituição única, universal, eterna e imutável!

Quando gays, lésbicas e trans procuram sua segurança ontológica, sua tábua de salvação, na ideia que também são “naturais”, “filhos da pródiga natureza”, pela vã ideia que serão aceitos no “reino dos normais”, não sabem o que estão fazendo!    Como se saíssem das páginas do Etienne La Boétie, consentem sua própria “servidão voluntária”, ao consentirem sua própria dominação pela sujeição à ideologia do “gay genético”, “gay biológico”, “trans desde o embrião”, sem qualquer sinal de resistência e crítica a discurso que, ao final, mantém a todos os LGBT na zona do diagnóstico e da patologização. Pois, “ser gay desde o embrião”, na domesticação conservadora e normalizadora, não mais é que uma certidão de nascimento do desvio sexual que atesta a “causa” da diversidade sexual que se faz questão de afirmar. Esta entendida não como uma conquista da liberdade dos indivíduos na afirmação de sua autonomia erótica, de desejo e de construções de gênero mas como mera manifestação das “espécies sexuais” inscritas no DNA animal-humano.

A Parada de São Paulo perde a oportunidade de politizar o debate sobre sexualidade e práticas de gênero, enfrentando o discurso ideológico e conservador como deve: afirmando o direito supremo das pessoas à sua autonomia erótica! E, para isso, não há “causa” biológica, embrionária, de nascimento. Ninguém nasce isso ou aquilo! Nascemos quando nasce o desejo! Nosso desejo é a nossa causa!

A luta LGBT é uma luta política e somente na arena política deve ser travada, sem concessões ao pensamento conservador, ao discurso ideológico e ao poder médico.

Não se nasce mulher, aprende-se a sê-lo, escreveu Simone de Beauvoir, para contestar a ideologia da “essência feminina” como algo natural nas mulheres. Temos que dizer à sociedade: não se nasce gay, lésbica ou trans, como na canção, “somos o que queremos ser”!

 

 

 

 

Carta Potiguar

Conselho Editorial

7 Responses

  1. […] Por Alipio de Sousa Filho, Sociólogo, professor da UFRN e editor da Revista Bagoas Publicado pelo site Carta Potiguar!, em 6 de junho de 2015 […]

  2. sissi Malta neves disse:

    Maravilhosa reflexão. Disse tudo o que acredito, penso e milito.

  3. Isaac Carneiro Victal disse:

    Ouso acrescentar que a estratégia destes gays conservadores esta fracassando,pois o evento desde ano contou com um publico cada vez menor,cerca de vinte mil almas,a maioria heteros em busca
    de um carnaval.A Folha de SP por sua vez denunciou que as travestis se sentem excluídas da festa,poi nela só há espaço para gays dentro dos padrões de masculinidade.Falando de minhas impressões pessoais,foi a Gay Pride mais machista que já fui!Infelizmente o movimento gay recebe esta acusação de machista,conservador,misógino e transfobico desde Stonewall.Perdao pela falta de alguns acentos,se deve ao teclado de onde escrevo.

  4. Eduardo disse:

    “Sexo e gênero são construções sociais inteiramente revogáveis”??? Você vive em que planeta?

    De professor para professor, sugiro que você pesquise fontes menos filosóficas e mais científicas. Assim você poderá aprender um pouquinho mais sobre a determinação biológica da identidade sexual e talvez mude de opinião.

    Seu texto é muito bonito e rebuscado, mas ameniza a ideia principal da Parada: Todos temos direitos iguais, ou pelo menos, deveríamos ter. Dizer que os gays devem procurar politizar a questão é óbvio e já é feito.

    Quem é espancado nas ruas por ser gay não são os heterossexuais, sejam eles católicos, evangélicos ou sei lá o que.

    Sendo gays, lésbicas e afins minoria, a Parada ajuda a expor a indignação desta minoria em relação ao preconceito socialmente aceito e exercido pela maioria.

    Se o pensamento preconceituoso da maioria, em geral representada por religiosos, ficasse restrito ao campo abstrato do pensamento, seria ótimo. Se você é contra casamento gay, não case com um gay! Simples assim!Porém esse preconceito não fica no campo abstrato, mas interfere diretamente na vida de quem quer casar e não pode, de quem quer adotar e não pode (por mais que os orfanatos estejam lotados), de quem quer trabalhar e não pode, enfim, tudo em função de um preconceito danoso disfarçado de pensamento conservador da moral e dons bons costumes. É isso que a Parada ataca.

    Se a sua intenção é ajudar, tentar diminuir a importância da Parada não ajuda em nada.

    Abraços

  5. Thiago disse:

    Sempre critiquei essa postura do movimento LGBT de usar a genética como se fosse uma desculpa por existirmos e sermos protegidos das discriminações. Mesmo se a homossexualidade for 100% escolha, isso em nada deveria interferir no direito que outro adulto tem de escolher quem quer levar para cama. Porém, o texto cai no outro extremo, desprezando as influências genéticas que são sim bem relevantes no comportamento humano. Ao contrário do que muitos acreditam não somos uma folha em branco.

  6. Concordo com o Eduardo logo acima.
    Em que planeta o autor do texto vive ?
    Será que ele tem uma clínica para tratar os gays ?
    Ridículo texto.

  7. Alberto disse:

    Acredito que tratar e pensar na sexualidade/gênero apenas como construção social é um sociologismo e historicismo muito ingênuo. Obviamente não podemos utilizar o biológico para engendrar nossas ações, como único determinante de quem somos ou de nossos desejos. Mas daí colocar sexualidade como escolha, como uma pura escolha baseada em nossas construções sociais, acho que não tá muito certo. Existem biopoderes que regulam, cerceiam, normatizam e performatizam o gênero, ok… Foucault e Buttler falam sobre isso com muita clareza. Mas não creio que necessite haver uma negação do biológico (afinal, podemos mudar nosso corpo, jeito, modos, mas o X e o Y, quem muda?). A questão é que nascemos com um sexo, mas nascemos com a liberdade de usufruir dele como quisermos… de nos identificarmos como quisermos… E como biólogo, educador, pesquisador e interessado em questões de sexualidade (até porque defendemos aquilo que acreditamos em nossas ações – estudos, trabalhos, etc.), acredito que é necessário sair da zona de conforto, e pensar mais interdisciplinarmente… Porque o mundo não é apenas o ser humano com suas relações externas… existe muito mais, olhe a sua volta!

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