Rio Grande do Norte, sábado, 20 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 7 de julho de 2015

Empatias, trajetórias sociais e subjetividades: sobre a #somisificação que assola os nossos tempos!

empatia 2Recentemente escrevi um texto acerca dos efeitos do racismo, formas de legitimação e perpetuação no cotidiano brasileiro. Quem escreve quer ser lido, pelo menos é assim que penso! Portanto, fiquei muito feliz pela visibilidade que o texto recebeu. Em geral de pessoas demonstrando solidariedade, concordâncias e críticas. Tudo isso é muito bem vindo!

Escrevo como quem deseja provocar, porque assim acredito que deva ser a existência, mas não como forma de convencimento, por isso as críticas e discordâncias são tão boas. Dentre estas, algumas pessoas pareceram bem incomodadas com o fato de eu ter criticado o uso da hastag #somostodosmaju, tal como critico toda essa #somisificação das causas e justiças, como muito bem falou Rodrigo Sérvulo em seu texto.

No caso específico do que aconteceu com a jornalista, discordei pela maneira como a equipe do jornal global escolheu para lhe demonstrar solidariedade: apenas escreveram em cartazes #somostodosMariaJulia, gritaram as mesma frase. De maneira semelhante, quando ela teve o direito de falar acerca dos ocorridos, não houve um pronunciamento no ar de seu chefe direto, Willian Bonner.

Longe de alimentar binarismos, ou de descrer e/ou desdenhar da empatia que as pessoas possam sentir em relação a dor dos outros, eu pretendia – e permaneço nessa intenção – provocar o que pensamos sobre isso! Sem duvidas que identificar-se com todo e qualquer tipo de opressão exige empatia, cumplicidade, compreensão…

Mas afinal, o que é empatia? De acordo com alguns dicionários significa, resumidamente: “a capacidade em compreender o sentimento de alguém, imaginando-se nas mesmas circunstâncias.” Sim, temos essa capacidade, mas é bom lembrar que imaginar não é ser ou estar. Durante minha adolescência jogava RPG, interpretava vampiros, bruxos e lobisomens, mas nunca fui, de fato um deles! Posso, e preciso, estar empático com a causa feminista, LGBT, ou quaisquer que forem, mas não saberei o que é ser mulher e gay, por exemplo, não ser que, de fato, assim me identifique.

Não é apenas a concepção de humano que me permite a empatia, mas é a busca por compreender uma dor que, nesses casos, não sinto em minha consciência, carne e pele! Uma das maneiras que torna isso possível é a reflexão crítica acerca da maneira como construímos nossa existência, o que inclui pensar tanto em termos de construção social, como da subjetividade. Por mais que compreenda que até nossa subjetividade é construída coletivamente, ela remete também a uma existência única, tal como anunciam nossas digitais (como lembrou o Rodrigo no texto já citado), e isso impossibilita a qualquer pessoa sentir a dor tal como eu sinto. Elas podem imaginar, mas nunca saberão plenamente.empatia 4

Evidentemente, há experiências que aproximam, e permitem uma melhor compreensão da dor alheia. Nesse caso, há experiências intangíveis aos homens, por mais boa vontade que tenhamos, e nos esforcemos, e que podem aproximar as mulheres, naquilo que tenho aprendido – com amigas feministas – a chamar de sororidade feminina: tipo de solidariedade entre mulheres, que contraria a lógica da competitividade, e que ajuda em seu empoderamento, sem que para isso dependam da anuência dos homens.

Minha discordância com o uso da tal hastag não tem a ver com as várias pessoas bem intencionadas que dela fazem uso, mas com aquilo que ela pode servir – intencionalmente ou não – para a invisibilização  dos conflitos que contribuíram para tecer toda a rede de associações que permeia nosso cotidiano. Isso foi feito há décadas através do clássico “Casa Grande & Senzala” de Gilberto Freyre. Nessa importante obra, o autor ao explicar as relações interétnicas, fala em “antagonismo harmônico” e em diversos momentos parece ignorar o tanto de mulheres negras que foram estupradas por seus pretensos senhores, ressaltando o romance entre estes e aquelas que escravizavam, inclusive sexualmente!

Sei que isto soa radical, mas desejo que as leitoras e leitores, compreendam que essa radicalismo tem mais a ver com uma tentativa de ir na raiz dos problemas, do que dispensar sua empatia e solidariedade. E faço isso ao compartilhar da minha experiência como homem, negro e nordestino, juntamente com aquilo que foi sofrido por um rapaz com quem nunca conversei – ou vi – e aquilo que senti ao ver o tratamento dirigido a Maria Julia Coutinho.

Repito o que disse antes: O que as pessoas podem fazer, então? Ser parceiras da e na luta! Se colocar lado a lado, mas não podem SER! Com isso quero dizer: Sejamos, todas e todos, mas empáticos, e nos deixemos sensibilizar pelos dramas socialmente construídos, vividos coletiva e subjetivamente, compreendendo que uma coisa não nega a outra, mas são diferentes!empatia

Que nos unamos em toda a beleza que faz tão rica todas as existências!

Que nossa revolta seja graciosa!

Que toda forma de opressão seja responsabilizada!

Que o Amor, em toda sua diversidade, se sobressaia!

 

 

 

Gilson Rodrigues Jr

Bacharel em Ciências Sociais (UFRN) e antropólogo - mestre e doutorando pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi professor substituto da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), onde permanece ministrando aulas no curso de Ciências Sociais (EAD). Tem experiência nos seguintes temas: desigualdades, marcadores sociais da diferença; remanescentes de quilombo e antropologia do direito/ jurídica. Atualmente se dedica a estudar no processo de doutoramento a interface entre ações humanitárias, Estado e religião,

Comments are closed.

Sociedade e Cultura

Programa The Son-Rise: o amanhecer de uma nova agência para o Autismo.

Direitos Humanos

Não é racismo espancar assaltante negro até a morte se a polícia não dá conta