Rio Grande do Norte, quinta-feira, 25 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 11 de julho de 2015

UnP: a denúncia das demissões e o cinismo parasitário dos neoliberais

postado por Alyson Freire
Foto: Alex Fernandes

Foto: Alex Fernandes

Nos últimos dias, alguns jornais publicaram uma suposta demissão de 100 ou mais professores pela UnP (Universidade Potiguar). As razões especuladas foram: a crise do setor privado da educação, reflexo da crise econômica nacional e, principalmente, os cortes nos repasses do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) do Governo Federal. Diante desse cenário negativo, a empresa estaria realizando um ajuste profundo diante dessa nova situação. Segundo os jornais, as fontes seriam os próprios professores demitidos. A UnP, por sua vez, emitiu uma nota evasiva em que afirma que “realiza adequações em seu quadro docente e administrativo regularmente” e que “as atividades acadêmicas não serão afetadas e que tudo ocorre dentro da normalidade…”. O certo é que até o momento o caso está nebuloso, porém, permite-nos questionar o tipo de relação cínica que o empresariado do ensino estabeleceu com o Estado nos últimos anos, e, diga-se, com a anuência e displicência do Governo Federal perante os absurdos organizacionais e pedagógicos. O governo, praticamente, entregou para grandes grupos econômicos boa parte da vital tarefa de formar e educar os jovens e profissionais do país. E isso terá um preço alto.

Desde o início do ano, diversas faculdades particulares anunciam freios no reajuste de professores, mudanças nos planos de carreira e no valor da hora-aula, demissões e, até mesmo, fechamento de cursos. Isso foi e continua a ser, inclusive, utilizado para pressionar o governo diante dos atrasos e incertezas do FIES. Se este é ou não o caso da UnP não é o mais importante, o fato é que ele sinaliza para uma relevante questão, a saber: a dependência estatal e o cinismo parasitário das empresas de ensino de superior com o Estado. Empresas e empresários adotam um discurso neoliberal mas vivem escorados nas verbas de financiamento do Estado. Essa dependência estatal, aliás, é uma relação histórica do empresariado nacional com o Estado. Historicamente, o empresariado nacional quer que o Estado funcione a seu favor, com os lucros sendo privados e os prejuízos socializados.

O ensino superior privado foi um dos setores que mais investimentos e incentivos receberam do governo federal. Programas como o Prouni e o FIES permitiram ao mesmo tempo uma expansão e maior acesso ao ensino superior e mais lucros e recursos para as “empresas educacionais”. De 2010 para 2014, o número de alunos que recebiam esses auxílios e créditos financeiros saltou de 76,2 mil para 738,7 mil. Nesse mesmo período, o FIES passou de 810 milhões, em 2010, para 13, 75 bilhões em 2014. Resultado: praticamente 75% das matrículas do ensino superior são oriundas da rede privada, segundo o INEP. Em resumo, nos últimos anos, o empresariado do ensino superior lavou a burra com dinheiro e créditos públicos do governo.

Se, por um lado, parte significativa do capital dessas empresas proveem de investimentos de grupos estrangeiros (Bancos norte-americanos, em especial), por outro, é igualmente verdadeiro e significativo, como mostram os dados acima, o nível de financiamento público das empresas educacionais. E, ao observarmos as medidas e o choro dessas empresas por conta dos reajustes e das novas regras do FIES, vemos o tamanho do nível de dependência estatal. Em outras palavras, o setor privado de ensino superior é um setor cada vez mais dependente de verba estatal. E aqui começam as contradições.

O discurso neoliberal apregoa a não-intervenção do Estado no mercado, a livre competição e crescimento das empresas e dos indivíduos a partir de seus méritos, esforços e capacidades de empreendedorismo. Ora, o que estamos vendo nesse ramo é o contrário do que sustenta, com orgulho, o discurso neoliberal. Assim, é muito fácil ser capitalista. Quando se estar amparado em fundos e créditos estatais ninguém lembra de Estado mínimo, não é!? É extremamente fácil discursar e esbravejar a favor do livre mercado, e repassar a conta para os funcionários e trabalhadores ao primeiro sinal de cortes ou reajustes nesses fundos; tal como vem fazendo diversas universidades e faculdades privadas desde o ano passado com Planos de Carreira que cobram produtividade de pesquisas, publicações e projetos sem oferecer condições para tal, dado o número de aulas que os docentes tem que assumir. Planos, aliás, que sequer fazem diferenciações de titulação dos novos ingressantes na instituição, ou seja, no início de carreira, Doutores e especialistas começam no mesmo nível salarial – um grande reconhecimento da meritocracia, diga-se. Ao que parece, nossos neoliberais empreendedores na educação não são lá tão audaciosos e autoconfiantes em termos de negócio para agirem por contra própria, especialmente em tempos de crise. Logo pedem o socorro do Estado, este ente que seria essencialmente causador da ineficiência econômica.

Os nossos neoliberais são cínicos parasitários, no sentido legal e, muitas vezes, no ilegal também, do Estado e seus recursos. Contam com toda uma série de subsídios, insumos, financiamentos e isenções oriundos do aparelho estatal para facilitar e incrementar seus negócios, e, mesmo assim, veem-se e declaram-se como grandes e abnegados desbravadores do mercado e do desenvolvimento do país. Esses neoliberais de fachada adoram erguer a voz contra os supostos prejuízos das interferências e da ineficiência do Estado como agente de desenvolvimento econômico, mas são os primeiros a abrir os bolsos e a chorar pelos recursos estatais.

De um ponto de vista histórico e sociológico, assim mostram diversos estudos, o mercado livre é uma quimera. Na verdade, a expansão das operações do mercado na vida social é concomitante, na modernidade, da expansão da esfera de atuação do Estado na vida social e na própria economia. A cantilena do mercado livre é muito mais uma estratégia retórica e ideológica para maximizar e oportunizar lucros maiores e mais rápidos para os empresários e os que são financiados por estes últimos do que uma realidade de fato ou a ser efetivamente criada.

Se a interferência do Estado é ruim para os negócios do mercado, então os cortes no FIES deveriam ser comemorados, e não lamentados. Afinal, desse modo, as forças econômicas e os negócios poderiam fluir livremente no jogo da concorrência ilimitada, estando, tal como gostaria o neoliberalismo, controlados única e exclusivamente pelo mercado e pelas preferências e escolhas dos indivíduos. As empresas de ensino superior são neoliberais na retórica e nas relações com seus trabalhadores e estudantes, mas fazem uso descarado do dinheiro público como reserva de caixa e de investimentos. O discurso neoliberal para inglês ver mostra-se, na verdade, uma bela e rentável hipocrisia.

Esse cinismo parasitário ilustra bem como, de fato, opera o capital financeiro no mercado de educação superior. A despeito do parasitismo financeiro dessas empresas sobre o Estado e as expectativas da sociedade, este, mais do que vítima, é um agente cúmplice nesse processo ambíguo de diluição entre o público e privado que acaba por transformar a educação enquanto um bem público em um serviço e numa transação econômica como outra qualquer. Ambíguo porque temos as instituições privadas de educação recebendo grandes montantes de financiamento público e, por sua vez, instituições públicas pressionadas e induzidas a correr atrás de financiamentos na iniciativa privada. As políticas de expansão e acesso à educação superior via iniciativa privada criaram uma verdadeira cultura de financiamento do ensino, cujos desdobramentos vão muito além da necessária e relevante inclusão social das camadas populares no ensino superior. A inclusão social não pode fazer com que se naturalize cursos de baixa qualidade e a precarização dos trabalhadores. O FIES e outras políticas de inclusão precisam de regras mais rígidas para as empresas, tanto no que se refere à qualidade dos cursos ofertados quanto às condições de trabalho dos funcionários. Do contrário, servirá muito mais para beneficiar os empresários e seus lucros do que ao seu verdadeiro público e propósito: os estudantes das camadas populares e o alargamento de suas oportunidades e expectativas sociais e pessoais como cidadãos plenos.

Sem essa compreensão, a educação passa, então, a ser reduzida a condição de um negócio lucrativo e arriscado, que os indivíduos, em busca de ascensão e melhorias na vida, devem assumir por conta própria, não importa se o preço é o endividamento com empresas, bancos e com o Estado. O pior é saber a indiferença e o descompromisso recíproco da parceria mercado-Estado em relação a qualidade da educação superior oferecida; professores explorados, precarizados e obrigados a engolir todo tipo de absurdo pedagógico e acadêmico, o qual transforma o ofício da docência numa mera atividade de distribuição e registro de notas e diplomas. No final das contas, vendem-se caras ilusões e promessas que não necessariamente se concretizarão tal como imaginaram as pessoas em suas expectativas de êxito profissional e social. Para atingir os sonhos e projetos de vida ensinam-nos cada vez mais que o caminho mais fácil e curto é correr para os empréstimos e financiamentos. Como bem notou o sociólogo Zygmunt Bauman, nessa cultura do financiamento e dos empréstimos, o que estamos garantindo, com efeito, não é a segurança e bem-estar dos indivíduos mas a segurança e longevidade do domínio do mercado.

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INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS. Censo da Educação Superior 2011. Sinopse Estatística. Brasília (DF): MEC: INEP, 2013. Disponível em: www.inep.gov.br

 

Alyson Freire

Sociólogo e Professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRN).

4 Responses

  1. Rodrigo. disse:

    Se são os empresários do ensino que atuam como parasitas neoliberais. Me explique o porquê do Senac RN está realizando várias demissões? Já que o Senac não tem fins lucrativos. Com certeza é pelo “finado Pronatec” ao menos aqui no RN. Precisamos entender que há a mão invisível do governo atuando em todos os setores da economia. Por exemplo, isenção do IPI, diminuição ou aumento do crédito estudantil no Fies. E isso determina os rumos dos investimentos ou desinvestimentos que o setor privado vai tomar. Essas são as “regras do jogo” chamado capitalismo. Afinal de contas ninguém gosta de perder dinheiro neste “jogo”.

    • Adriano disse:

      Esse texto no geral é medonho. Chama atenção para as peculiaridades nefastas do capitalismo de compadrio brasileiro, mas erra o alvo errado nas críticas ao que o autor toma como sendo o ideário neoliberal. Não porque o neoliberalismo não seja criticável, mas porque no caso específico tratado no texto a opção pela demissão dos professores e outros cortes de custos está perfeitamente conforme as regras do livre mercado. A política do governo federal que se vende como contrário ao neoliberalismo foi no sentido de priorizar investimentos no ensino superior por meio do financiamento direto aos alunos na rede privada através desses FIES e Prouni. O Estado “terceirizou” o ensino superior. Como acontece sempre que o Estado distribui dinheiro graciosamente, o empresariado cínico parasitário festeja e lava a burra, aproveitando o vocabulário jocoso o autor. O resultado (econômico) é que a política do governo federal criou uma demanda dependente exclusivamente do financiamento público. Fictícia, macroeconomicamente. Com os cortes promovidos pelo governo federal no financiamento, essa demanda deixou de existir, e aí atuaram as leis de mercado, pelas quais se baseiam estritamente as ações dos “neoliberais cínicos parasitários”. Lei da oferta e da procura. Sem a demanda criada e mantida pelo Estado pelos serviços que as empresas de ensino superior privada prestavam por meio dos professores, pela regra mais elementar de sobrevivência no mercado a primeira reação é a de demitir a mão de obra ociosa. Tudo perfeitamente conforme as regras do mercado e o discurso neoliberal cínico. Inclusive porque a finalidade precípua e egoística da atividade empresarial é auferir lucro, razão pela qual não pode como o Estado manter hordas de funcionários desocupados ou subaproveitados. O empresariado parasitário agiu exatamente conforme se deve esperar e as regras do mercado. O erro que se deve apontar está na adesão do governo federal ao neoliberalismo, traduzido nessa escolha de onde e como investir o dinheiro público no ensino superior. Ao que parece, é nesse sentido que se critica a ineficiência da interferência estatal na economia, o que neste caso ao menos não pode ser tida como absurda. O que o próprio texto aponta é um desperdício colossal de dinheiro público, distribuído por critérios frouxos para atender aos oportunismos dos empresários (e dos políticos responsáveis pela decisão, claro) em detrimento dos interesses de alunos e professores. É o capitalismo de compadrio em sua plenitude. Agora uma vez que o Estado decide por essa distribuição criminosa dos recursos públicos, esperar que o dileto empresariado cínico parasitário neoliberal não se locuplete dessa decisão é infantilidade. Ou o autor esperava que o lobo não comesse as galinhas que lhe confiaram para guardar?

  2. Jacki disse:

    Embora os negócios disponível estejam em constante
    mudança é importante que ele seja ideado no
    interior de longo prazo.

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