Rio Grande do Norte, quinta-feira, 28 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 1 de setembro de 2015

VIADINHO É O FILHO DO VIZINHO

postado por Alice Carvalho

Oi, dona Yêda. Quanto tempo! Aperta no térreo pra mim, por favor. Aliás, aperta no subsolo mesmo, que eu prefiro subir de escada até a portaria do que passar pela piscina e encontrar por lá o filho do vizinho. É, o filho do seu Marcus do 303. Menina, todo dia quando dá nove da noite aquele amoral tá por lá batendo ponto com os amigos afeminados. “Batendo ponto” é forma de dizer, né? Antes tivessem trabalhando! Essa gente não trabalha!

Eu não sou homofóbica nem nada, até porque Dona Yêda, “fobia” significa “medo” e eu não tenho medo, eu tenho nojo, igual o meu marido Julio tem com barata… Mas a senhora acredita que um dia olhei sem querer pela janelinha-do-banheiro-do-quarto-da-empregada e vi ele atrás de uma árvore beijando outro rapaz?

Não tenho nada contra, quero deixar bem claro. Tem até uns amigos do meu Juninho que frequentam esses lugares GLS que toca música bate-estaca, sabe? Mas isso não é certo, entende? Beijar na boca é uma agressão às famílias! Tem até uns amigos do Juninho que viajam com ele pra shows de cantoras-do-estrangeiro-que-tocam-música-bate-estaca que também beijam na boca uns dos outros, é coisa de amiguinho, Juninho é novo ainda, mas daí andar de mãos dadas pela piscina do prédio igual o filho do vizinho faz?! Tem criança circulando o tempo todo por aqui! Criança se preocupa com essas coisas, criança aprende tudo muito rápido e se impressiona, criança hoje em dia deixa de brincar no parquinho pra ver beijo de gays na novela. Criança vira gays num estalar de dedos! Criança a gente tem que tá em cima, tomando conta, igual eu fiz com Juninho a vida toda.

Eu não quero parecer preconceituosa, por que eu sei o que é isso, Juninho até já teve uma fase de pintar as unhas da mão e usar salto quando era pequeno, mas bastou colocar na igreja que ele mudou. É tudo fase por causa da internet. O filho do vizinho não, o filho do vizinho é dissimulado, é devasso, deve até usar drogas pesadas igual todos os outros gays, igual Juninho usou uma vez, igual à sapatão filha da dona Yêd…

Desculpa dona Yêda, mas é que sua filha é sapatão. Graças a Deus lhe encontrei nesse elevador, tava pra lhe dizer tem um tempo… Sua filha vive com o filho do vizinho e com os amigos do filho do vizinho e você sabe que o que está na cara a gente tem que ver, o que está na cara a gente tem que dizer, não pode negar, tem que entender, tem que bradar, tem que condenar sim! TEM QUE CONDENAR!

Como assim você sabe e aceita? Como assim você não bate panelas? Como assim o amor vence tudo? Não, meu filho não é um deles, não fala isso, meu filho não é assim, quem é assim é o filho do vizinho. Viadinho é o filho do vizinho! VIADINHO É O FILHO DO VIZINHO! O meu filho, dona Yêda, ele é… homossexual. É diferente.

Graças a Deus o subsolo pra eu me esconder. Graças a Deus.

 

ELEVADOR (1)

Alice Carvalho

Atriz, comediante stand-up e escritora, Alice escreve às terças (e também em terceira pessoa).

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