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Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 25 de outubro de 2015

Coloca na redação do ENEM que feminismo é falta de rola!

postado por David Rêgo
PEDERNEIRAS, R. Revista da Semana, ano 35, n. 40, 15 set. 1934. In: LEMOS, R. (Org.). Uma história do Brasil através das caricaturas (1840–2001).

PEDERNEIRAS, R. Revista da Semana, ano 35, n. 40, 15 set. 1934. In: LEMOS, R. (Org.). Uma história do Brasil através das caricaturas (1840–1 – 2001).

1 – Teorias da estupidificação

Dissemina-se pelo Brasil, com grande auxílio das redes socais, uma série de grupos que colocam em questão a luta das mulheres ou de outros grupos sociais por mais visibilidade e condições iguais de existência. Lutas por igualdade étnica, religiosa, gênero etc. são chamadas de “teorias do vitimismo”. A ideia tem ganhado força (nas redes sociais e nos bares).
Parece que a ciência brasileira começou uma ofensiva contra a banalização das teorias científicas. Aqueles que reproduzem ideias como “teorias do vitimismo” terão uma desagradável surpresa ao procurar os escritos científicos sobre o assunto. Mas devemos compreender o que leva essa reação de alguns grupos em relação aos novos conhecimentos científicos.

2 – Um breve histórico da ciência enquanto uma arte de combate

Há tempos teorias científicas criticam estruturas de poder. Os cientistas foram criticados pelas multidões e ameaçados, inclusive, pelo Estado. Mas mantiveram a ofensiva do pensamento científico. As descobertas de Galileu criavam problemas políticos. As descobertas de Darwin da mesma forma. Cientistas que, com suas teorias, auxiliaram na mudança de rumo da história sentiram em suas peles o poder da multidão inconformada ao saber que viveu acreditando em “verdades pela metade”. Descobrir que não somos o centro do universo foi um grande golpe. Descobrir que não descendemos diretamente do próprio Deus foi outro sério golpe com conotação política. Era a época em que a física e a biologia começavam a perturbar o mundo com suas descobertas. No século XXI chegou a vez das ciências humanas tornarem-se “as grandes vilãs entre as ciências”.  Suas análises comparativas demonstram a quebra ou uma série de falhas em explicações consolidadas, como é o caso da crítica ao modelo meritocrático no brasil e  à cultura do “jeitinho” que torna tudo familiar, feita por Sérgio Buarque de Holanda.

3 – ENEM é ciência: vamos falar sério?

A banca de redação do ENEM é composta, geralmente, por cientistas. Pessoas que estudam há tempos temas específicos de acordo com a metodologia imposta pela ciência. As afirmações que costumam povoar a internet  sobre as “teorias do coitadismo” (entre elas a violência contra a mulher) não encontram, na academia, suporte teórico ou embasamento empírico, não passando de afirmações de senso comum que possuem valor apenas em locais onde se é “livre para expressar sua ignorância”. O Twitter e o Facebook são os melhores locais para observar o quanto as pessoas são livres e orgulham-se de mostrar o seu desconhecimento em relação as teorias científicas de explicação da realidade.
Não é o caso de uma redação de ENEM. Lá você precisa demonstrar que conhece aquilo que a ciência diz a respeito de um tema. E neste momento, pessoas que “simpatizam” com explicações rasas e sem fundamentação científica terão na redação do ENEM um profundo desconforto.
Lá você não poderá afirmar que existe mulher que veste-se como vadia ou que gosta de ser estuprada. Não poderá argumentar que feminismo é falta de rola. Esquecerá completamente a ideia que o marido tem o direito de bater na esposa. Nem passará pela cabeça dizer que é um vitimismo.
Poucos farão isto. Na hora de falar sério, as pessoas saberão o que falar. O que nos coloca, então, uma questão dramática: vivemos uma época de total cinismo social. Conhecemos a violência e optamos por reproduzi-la.

 

 

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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