Rio Grande do Norte, terça-feira, 23 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 29 de novembro de 2015

Amanda Gurgel e o “estelionato eleitoral” – O RN em trevas

postado por David Rêgo

Entenda o que existe em comum entre o jogo de tabuleiro War, o personagem da Escolinha do professor Raimundo,  Pedro Pedreira, e as denuncias contra a professora e vereadora Amanda Gurgel.

1 – Um jornalismo envolto em trevas

Existiu uma época conhecida como “idade das trevas”. Neste momento da história os reis concentravam todos os poderes (executivo, legislativo e judiciário) o que fazia deles pessoas muito poderosas. Nestas épocas os reis podiam, por exemplo, acusar alguém mesmo sem prova alguma. Era a função do acusado provar sua inocencia para não ter sua liberdade cassada ou sua vida ceifada. Vemos uma situação parecida no RN, estado famoso por ser um curral e por ter vários feudos e suas respectivas majestades.

Os senhores feudais do RN esqueceram que não é assim que funciona nas democracias. Nas democracias os acusadores são obrigados a comprovar que alguém cometeu uma violação. No caso, o “correto” seria que, neste debate, que os veículos de imprensa pressionassem Julio Protásio para que apresentasse provas contundentes. Não o fazem. Fazem o contrário, dizem que Amanda Gurgel deveria justificar-se. Abandonam completamente a ideia de que “aquele que acusa cabe o ônus da prova”. Abandonam todo o ideal e vantagens que o pensamento liberal trouxe para nossos dias.

É o momento em que observamos nitidamente uma armação contra a vereadora, já que invertem-se os valores democráticos e volta-se à práticas feudais, com a finalidade de ludibriar a população e diminuir a popularidade de uma das pessoas que tornou-se um ícone na política para a juventude da capital do estado.

2 – Pedra noventa só enfrenta quem aguenta

pedro-pedreiraSeu Pedro Pedreira, emblemático personagem da Escolinha do professor Raimundo, interpretado por Pedro Milani,  era famoso por suas “loucuras”. Loucuras estas que no decorrer de suas argumentações, mostravam-se completamente coerentes, mais até que a própria realidade. Prova disto é que o personagem era um dos poucos a conseguir 10 com o famoso professor Raimundo. Com o seu famoso jargão “Provas, tem?” Ele representa a figura do empirista radical. Do cético que de tudo duvida, principalmente em tempos de desconfiança. Sempre que o professor Raimundo fazia uma afirmação, o Seu Pedreira pedia provas. Ora, o personagem é tão engraçado justamente por refletir um lado cruel da sociedade brasileira: a capacidade de absorver informações sem questioná-las. No país em que a fofoca come solta e o direito à difamação é protegido por lei, pedir provas é um ato de loucura. Seu Pedreira a tudo questiona e de tudo duvida. Não sendo passivo em relação as informações que vão até ele. Ele é engraçado, justamente, devido o fato do brasileiro gostar tanto de afirmar e acusar sem provas ou com provas risíveis. Certa imprensa potiguar afirma que a vereadora Amanda Gurgel do PSTU precisa “se justificar contra as acusações” feitas contra ela pelo vereador Júlio Protásio, vereador julgado e condenado pela justiça na Operação impacto (veja aqui o link com a sentença judicial).

Vejamos, existe um pilar que funda toda democracia ocidental: a presunção da inocência ou o princípio da não culpabilidade. A justiça afirma que, aquele que acusa cabe o ônus da prova. Aqueles que estão acusando Amanda possuem obrigação de apresentar provas contundentes contra ela, no lugar de apresentar documentos que nada demonstram. Não sendo assim estaremos voltando ao absolutismo, local em que o indivíduo era acusado pelo rei e o próprio sujeito tinha que se virar para provar sua inocência. Os reis da imprensa não pensam assim. Acreditam eles que podem falar o que querem, difamar quem querem tomando por base suas suspeitas infundamentadas. Os acusadores são obrigados a provar as acusações. Caso contrário, cabe a Amanda Gurgel tomar medidas contra todos por falsidade ideológica, difamação, calúnia entre uma série de outras acusações que podem ser aplicadas àqueles que julgam sem provas contundentes.

A dita “promessa de Amanda” seria a de continuar vivendo com o salário e como uma professora. O vereador condenado afirmou que A ex-professora não vivia com o prometido. Os inquisidores natalenses afirmam que Amanda merece o título de estelionatária (acusação grave contra um indivíduo).

Aqueles que preocupam-se minimamente em procurar conhecer melhor o dia-a-dia sabem que Amanda é uma pessoa que anda de ônibus. Pode ser vista pelas ruas de Nova-Parnamirim. Não é vista frequentemente em restaurantes caros ou frequentadora dos locais da alta sociedade. Não parece ter tirado férias em NY ou visitado a Europa nos últimos meses. Aliás, diga-se de passagem, o salário que Amanda recebe (de acordo com sua defesa) é defasado. O salário de professor com 10 anos de serviço supera os 3.500 reais. Ou seja, além de (aparentemente) continuar a viver como vive um professor, seu salário também está atrasado e sem os reajustes previstos por lei. O que só comprova que ela vive a realidade dos professores do RN. Aqueles que praticam, em dias de hoje, uma ofensiva anti-Amanda deveriam ser submetidos a uma “entrevista com seu Pedro Pedreira”:

* Imagens dela em restaurantes caros, tem?
* Imagens dela em carros que um salário de 13mil pode pagar, tem?
* Comprovantes de que vive em locais que um salário de 13mil pode pagar, tem?
* Fotos das últimas viagens para as “zoropa” ou os “istates”, tem?

Não? Não tem nada disso? Ah, então não me venha com chorumelas. A imprensa deveria ser o “cão de guarda da sociedade”. O tal “jornalismo”, quando se pretende investigativo, deveria demonstrar provas minimamente palpáveis para acusar suas vítimas.  Amanda Gurgel não teria, em teoria, nenhuma obrigação de defende-se de acusações de blogueiros financiados e de políticos condenados. Pelo contrário, os blogueiros e políticos, se querem denunciar alguém, que apresentem provas contundentes e não documentos incompletos e acusações sem fundamentação.

3 – A contradição interna

O nosso jornalismo divulga com louvor a atitude de políticos estrangeiros que não recebem nada ou muito pouco para ocupar altas funções administrativas como podemos observar na reportagem abaixo.

O mesmo modelo que todo brasileiro divulga nas redes sociais, em que políticos possuem salários baixos e não tem seus custos pagos pelo Estado, está sendo proposto para Natal. Todos nós achamos isto lindo quando aparecem em reportagens falando da Suécia, da caixa prego ou da caixa bozó. Mas quando é para aplicar isto aqui no RN, aí não. Logo aparecem forças para dizer que “por aqui isto não pode dar certo”. E não para por aí. Amanda Gurgel aparece enquanto um “perigo” em outras esferas. E justamente por ser um perigo, as forças da ordem estabelecida articulam-se para silenciá-la (explicamos devidamente este assunto no ponto 5 deste texto).

Temos a chance de transformar o Brasil em uma Suécia. Mas a imprensa de Natal não acha a ideia boa.

Temos a chance de transformar o Brasil em uma Suécia. Mas a imprensa de Natal não acha a ideia boa.

Amanda Gurgel é uma das poucas pessoas a levantar a bandeira da política sem fins para ascensão social. Temos, aqui no RN, uma proposta formal para iniciar uma transformação política radical que economizará milhões para os cofres públicos. O que a nossa imprensa faz? Difunde a ideia e  a apresenta como proposta cidadã? Não. Encontra meios para difamar a vereadora e causar-lhes prejuízos à imagem pública, talvez, irreparáveis.

Vídeos sobre a Suécia são amplamente divulgados nas redes sociais e pela imprensa. Porém, quando vemos o mesmo tentando ser feito por terras tupiniquins, o tratamento dado pela imprensa é outro. Ela diz nas entrelinhas: “ok, muito bonito isso aí desses países, mas aqui nós queremos mesmo é de outra forma”. É preciso acompanhar o tratamento que será dado ao projeto de lei 103/2015.

4 – Para onde vai o dinheiro dos políticos filiados ao PSTU?

O que dizer de alguém que defende abertamente o fim da herança e herda carros e casas dos parentes? Devemos dizer que trata-se de um hipócrita? Na realidade, não. Todos aqueles que defendem direitos o fazem na perspectiva da sua universalização. Assim sendo, uma pessoa que defende o fim da herança está dizendo: “estou disposto a abrir mão da minha, se todos abrirem mão das suas”. Não sendo assim, abrindo mão de maneira isolada, tal indivíduo estaria sendo um idiota, não um político ou idealista.Um ideal só vale se aplicado à todos, se universalizado. Isolado não surte efeito algum.

Uma das acusações feitas contra Amanda diz respeito à verba de gabinete. Ela gastou, no decorrer de seu mandato, meio milhão de reais, ou algo em torno de 12mil reais por mês. A verba de gabinete é destinada a todos os vereadores, parlamentares e políticos em geral. Não há sentido em um vereador isolado abrir mão desta verba como forma de protesto contra a mesma. Atitude mais sábia é usar o recurso para criar multiplicadores que possam conscientizar a população contra os desmandes da política e denunciar privilégios como é o caso da própria verba de gabinete. Isto chama-se usar as armas do sistema contra ele mesmo. Amanda e o PSTU seriam ingênuos se não fizessem uso do dinheiro.
Quando ela afirmou, também, que abrirá mão do salário e só manterá a renda de professora isso não indica dizer que o salário será doado para um orfanato, um asilo, para salvar um banco ou ajudar a Samarco. Quando ela afirma que abrirá mão do salário o faz em prol de um ideal de partido. Todos que acompanham as ações do PSTU sabem que o forte do partido é  “base”, o apoio a sindicatos e movimentos sociais. Neste sentido, parte da renda dos políticos do PSTU é destinada ao partido, que por sua vez, através de processos democráticos decide as ações e formas de gerir o dinheiro. Trata-se, então, de falta de conhecimento ou pura má fé fazer confusão com tais questões. Caso Amanda não fizesse o repasse de salário o próprio PSTU já teria feito seu desligamento, o que acarretaria o fim de seu mandado por infidelidade partidária.

5 – Conjuntura política ou o que aprendemos em jogos de tabuleiro como War: crescer sem alianças é perigoso

Uma coisa é de se deixar clara. Política é guerra. Ao imaginar uma luta política não podemos ter em mente joguinhos como MMA, cheio de regras e normas, devemos ter em mente, para representar a política, uma briga de rua.

Chute nos ovos, dedo no olho, cuspida, areia na cara e por aí vai. Aquele que for para a guerra acreditando na ética terá sua vitória impossibilitada ou seriamente dificultada. O mesmo vale para a política. É o que vemos acontecer agora com Amanda Gurgel. Uma inexperiente em guerras, que acredita que a guerra deve ser ética e a luta justa, lutando contra combatentes veteranos. É óbvio que os veteranos estão dando uma surra. Aproveitam-se da fragilidade e amadorismo do oponente que toma como ponto central a ética lutando contra uma ação nitidamente antiética e orquestrada.

Ora, todos sabem que forças políticas  que já dominaram o governo do estado estão há tempos em articulações com uma série de partidos para formar uma aliança e conquistar também a capital potiguar. É função dos mercenários políticos “queimar” toda possibilidade que exista de possíveis concorrentes em seus planos. Caso Amanda saia para prefeita, vereadora ou apoie alguma candidatura,  ela seria uma “fuga de votos” daqueles que poderiam votar no candidato da situação.

Amanda é um perigo iminente para todos os partidos que estão no poder. Como estamos há um ano da eleição da prefeitura, a disputa eleitoral já começou e os jornalistas saem na frente. São os peões, pagos pelos reis para ir à frente na batalha.  O mais trágico da situação é que a imprensa iniciou o jogo com um Xeque do Pastor e Amanda Gurgel caiu. O dano causado a sua imagem talvez não possa mais ser reparado. A imprensa sabe muito bem disto. Divulgam as acusações mas não dão o direito de defesa nas mesmas proporções. Neste sentido, 100mil tem acesso as acusações. Apenas 10mil tem acesso à defesa. É fácil entender quem vence nesta guerra.

Aprendemos no jogo War que, aqueles que conquistam a Europa ou Ásia tornam-se alvos de todos. Ficar forte tem um preço alto.

Aprendemos no jogo War que, aqueles que conquistam a Europa ou Ásia tornam-se alvos de todos. Ficar forte tem um preço alto.

O PSTU é um partido famoso por não aderir a alianças. Amanda Gurgel é um nome forte da política atual, a julgar a expressiva votação na última eleição. Uma eventual candidatura ou apoio a um candidato do partido iria trazer uma fuga de votos para o PSTU, seja para vereador ou prefeito. Os partidos que irão disputar o governo do ano que vem começaram a fazer suas alianças políticas e todos sabem que o PSTU não tem o hábito de aliar-se à lobos ou raposas.

Neste contexto, Amanda aparece enquanto aquela pessoa, no jogo War, que conseguiu conquistar muitos territórios, mas não fez alianças. Ficar forte sem alianças é o mesmo que pedir para ser atacado por todos. É o caso da professorinha. É pouco provável que Amanda Gurgel, depois deste e de outros escândalos que enfrentará, consiga crescer como poderia dentro da política do RN frente a ações orquestradas por todos os lados contra sua imagem. É uma contra todos. E nesta guerra, o mais provável que os combatentes veteranos vençam a batalha.

6 – O erro de Amanda e do PSTU

O que faz, um inexpereinte na cozinha, ao ver uma frigideira com óleo pegando fogo? Joga água, claro. E assim o desastre está feito. Com a nobre tentativa de diminuir as chamas ele faz tudo explodir de uma só vez, piorando mais ainda a situação.
Foi o que ocorreu com Amanda e o PSTU quando produziram o vídeo em sua defesa. Um tiro no pé. No vídeo, com atmosfera sombria e tom de raiva, Amanda confirma tudo o que a imprensa tenta passar a respeito dela: “A louca. A descontrolada”. A edição do vídeo, a iluminação, o tom da voz, tudo colabora para que se reproduza exatamente tudo aquilo que não se deveria. No lugar de uma atmosfera Jedi, criou-se uma atmosfera Sith. E neste contexto, Amanda Gurgel seria o próprio Anakin Skywalker. O jovem promissor que perde-se com o próprio poder. Os veteranos de guerra estão vencendo. E o lado negro da força continua a avançar.

David Rêgo

Sociólogo, antropólogo e cientista político (UFRN). Professor do ensino médio e superior. Áreas de interesse: Artes marciais, política, movimentos sociais, quadrinhos e tecnologia.

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