Rio Grande do Norte, sábado, 20 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 1 de dezembro de 2015

Efeito Borboleta

postado por Alice Carvalho

– Carai de asa!

– Que foi, Márcio?

– Esqueci de mijar.

– Ué, então aproveita que o caralho é de asa e vai voando no banheiro. Toda vida é isso!

– Como assim “toda vida”, Carla? É a primeira vez que isso acontece. Tá ficando doida?

– É que… Eu avisei pra você ir antes, foi isso! Aproveita e trás manteiga pra pipoca, tá?

– Agora não dá mais tempo, quando eu voltar já vai ter começado.

– E o que é que tem? 2 minutinhos só, rapaz. Cuide!

– Você sabia que os 10 minutos de um filme são os mais importantes? Se eu perder…

– Olha, se você não quer pegar a manteiga não tem problema, eu vou sozinha, mas se prepare pro efeito borboleta.

– Deus que me livre assistir aquilo de novo!

– Não o filme, Márcio. A consequência das nossas escolhas…

– Oi? Eu não…

– Você não tá entendendo o que? Que uma simples caminhada daqui até à lanchonete do cinema pode fazer com que o rumo das nossas vidas mude? E se eu tropeço na saída da sala e um segurança bonitão me ajuda a levantar, me olha nos olhos e a gente se apaixona?

– Assim? Do nada?

– Ou então o próprio pipoqueiro me dá o troco de R$ 1,75, o que é um absurdo porque significa que eu tive que pagar por uma dose de manteiga, e quando eu penso em reclamar ele diz que tá apaixonado por mim. E aí?

– Tá mas…

– …E se eu volto pra cá com muita manteiga pra pipoca, mais manteiga que o necessário, e você resolve implicar pelo exagero de gordura trans porque você tá de dieta? A gente começa uma briga ridícula e sussurrada no meio do cinema que se expande pra dentro do carro e depois pro closet e faz com que você durma no sofá e eu não durma nada porque não sei dormir sozinha porque sozinha eu não calo a boca da voz interna e com certeza vou pensar sobre o que tô fazendo com você e porque só você não percebe que eu tô com você mas não a ponto de morarmos juntos, de termos filhos loirinhos…

– Mas eu sou ruivo!

– E eu acho você lindo, meu amor. Você é tudo o que uma mulher sempre quis e até o que eu achava que queria, mas eu não quero alguém perfeito e são. Eu quero não ter razão nunca, quero cumplicidade nas piadas, quero de volta a sensação de ler um livro e marcar trechos que me lembrem alguém. Efeito borboleta é a constatação de que um bater de asas em Caicó pode provocar uma tsunami na Indonésia, você me entende? Que a birra feita agora provoca um casamento infeliz daqui 20 anos… Eu não tenho saúde pra viver 20 anos e começar tudo de novo depois! Depois é sempre depois demais… A pipoca esfria e fica choca. E aí? Faz o que?! A gente deixa tudo pra semana que vem e vai empurrando com a barriga esses probleminhas achando que são menos importantes que uma conta de luz, um TCC.

– Amor, vamo fazer assim, a gente retoma essa conversa depois dos créditos, tá?

– Não. É agora. Eu tenho urgência pra ficar em paz. “Um dia eu perdoo”, “um dia eu dou de volta aquela chance”, “um dia eu engulo meu orgulho” e termina que “um dia” nunca vira hoje. É sempre amanhã, amanhã, amanhã… Eu não quero mais empurrar com a barriga. Na barriga eu quero outra coisa que não sei ainda, mas não um filho seu. Borboletas, talvez…

– …

– Que foi, Márcio?

– Mijei.

– Carai de asa!

– E eu te amo…

– Meio tarde pra ambos, né? Eu vou buscar papel-toalha. E manteiga. Fica aqui senão cê perde os primeiros 10 minutos.

Alice Carvalho

Atriz, comediante stand-up e escritora, Alice escreve às terças (e também em terceira pessoa).

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