Rio Grande do Norte, sábado, 20 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 12 de dezembro de 2015

Entrevista com o escritor Estevão Azevedo, natalense ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura

“Eu ainda estou começando, então não me arriscaria a dizer que tenho um lugar ou qual ele é.”

 

Tive o prazer de conversar com Estevão Azevedo, autor da obra ganhadora do Prêmio São Paulo de Literatura 2015. Estevão é natural de Natal, Rio Grande do Norte, morando em São Paulo há um bom tempo. O acessível e gentil campeão literário é formado em jornalismo e letras, trabalhando atualmente como editor e escritor. Conversei com ele sobre a experiência do prêmio, sua trajetória e relações com o Rio Grande do Norte. Vale a pena conferir suas respostas inteligentes e criativas:

1) Como é ter alcançado um prêmio literário tão almejado? O Prêmio São Paulo de Literatura pode ser considerado um divisor de águas determinante em sua carreira?

É sem dúvida uma conquista muito importante. Os avanços na trajetória de um escritor, porém, são tão lentos, tão graduais, pelo menos na minha foi assim, que o prêmio se soma a outros divisores. Ter publicado os primeiros contos (O som de nada acontecendo) por uma editora independente foi um divisor importantíssimo, pois fez eu desconfiar de que podia mesmo ser escritor. Ter conseguido terminar e publicar o primeiro romance (Nunca o nome do menino) me fez perder o receio de não ter fôlego para um texto longo, e sua boa recepção era uma pista de que eu devia e podia seguir em frente. Escrever Tempo de espalhar pedras, ser lido e aprovado para publicação em uma casa que contava com profissionais como Heloisa Jahn, uma das grandes tradutoras e editoras de literatura do país, e trabalhar com ela na lapidação do livro, foi outro marco. Tudo isso para dizer que o prêmio é, sem dúvida, um divisor, se pensarmos na divulgação e no reconhecimento do meu trabalho, mas que pensá-lo isoladamente é esquecer que são muitos e muitos passos numa caminhada que seguiria independentemente das premiações: há um número muitíssimo maior de boas obras por aí do que de premiados.

2) Como você definiria seu livro premiado para quem ainda não o leu?

É um romance que se passa em local e tempo indeterminados, mas que tem algo do nordeste brasileiro da primeira metade do século XX. A moldura da trama é a de uma vila de garimpeiros que é paulatinamente destruída por seus moradores, em busca das últimas pedras que podem ter restado sob o solo das próprias casas, das praças, das ruelas. Nessa moldura, há personagens que enfrentam seus desejos – de riqueza, eróticas, de reconhecimento, de pertencimento à família, de transcendência – e sofrem suas consequências. É um romance com um tom mítico, alegórico, que tem pouco de regionalista ou histórico, embora se insira, de alguma maneira enviesada, também nessa tradição.

3) Qual é a trajetória do escritor Estevão Azevedo, contada por ele mesmo?

É a de alguém que nunca planejou ser escritor ou nem mesmo acreditou que fosse possível – parecia algo de outra dimensão –, mas que foi lendo e escrevendo por que gostava, foi dando um passo após o outro, foi encontrando o prazer na troca que sempre há com quem lê seus textos. Embora rara, porque o escritor, diferentemente do músico, do ator, tem pouco acesso a quem frui sua obra; essa troca, quando acontece, mesmo em mínimas porções ou quando é turbulenta, é muito prazerosa. É como se alguém tivesse mais acesso a você do que você mesmo, como se alguém, pela generosidade de dizer o que viu em algo que você criou, permitisse descobertas ou garimpasse conteúdos que de outra forma ficariam escondidos em você.

4) Quais escritores lhe forneceram mais inspiração?

É tão difícil para mim quanto para qualquer leitor responder essa questão, pois os leitores também são inspirados pelos seus autores preferidos, talvez não na produção de outros textos, mas em muitas e mais amplas esferas. Talvez o que tenha me deixado mais intrigado, pela peculiaridade do que faz, tenha sido Borges. O livro que mais tenha me abalado, pela intromissão na minha vida emocional, A idade da razão, de Sartre. Um escritor de teoria, mas que tem uma linguagem tão bonita, tão apaixonante, que pode ser lido apenas pelo prazer do texto: Barthes. Uma descoberta tão tardia e significativa que só pode ser atribuída a um erro de roteiro na minha vida: a da obra de Raduan Nassar.

5) A grande maioria dos novos escritores brasileiros de talento só “bombam” depois de migrar para os grandes centros urbanos. Como você vê essa tendência?

Embora exista certa verdade nisso, há escritores que fazem sucesso vivendo fora dos grandes centros. O maior problema, para mim, é a concentração de editoras, livrarias, bibliotecas etc. – mas não só, é um problema de desigualdade regional muito mais complexo – nos grandes centros urbanos. O ideal seria mais diversidade, é inegável, para que mais vozes encontrassem seu espaço, e sem necessariamente ter que cruzar divisas e enfrentar distâncias.

6) Que dizer das literaturas brasileiras atuais? Qual é seu lugar nelas?

Eu ainda estou começando, então não me arriscaria a dizer que tenho um lugar ou qual ele é. Talvez o ideal seja nem ter um lugar, para poder ser livre para fazer o que quiser, sem me pautar por nenhum estímulo que não tenha origem em meu próprio desejo.

7) O que você acha das literaturas realizadas no Rio Grande do Norte?

Infelizmente, conheço quase nada. Sei da existência da Jovens Escribas, que bravamente publica literatura do RN. Espero que com essa visibilidade eu possa estabelecer esse intercâmbio e vencer essa cegueira.

8) Qual é o lugar de Natal e do Rio Grande do Norte em sua vida, hoje?

Eu saí daí muito cedo, com alguns poucos anos. A cidade e o estado tornaram-se importantes para mim menos por minha vivência aí e mais como pontos da cartografia emocional relacionada à trajetória dos meus pais, e portanto de toda minha família. Eu nasci no período em que eles tiveram de sair de São Paulo depois de terem sido presos pela ditadura militar. Escolheram voltar para o Rio Grande do Norte até a poeira baixar um pouco. Não esqueço também o dia em que, já adulto, fui sozinho a Currais Novos visitar meu avô, que não via há pelo menos dez anos. Bati à porta da casa sem avisar de minha ida, e um velhinho de pijamas atendeu. Eu perguntei: “O senhor é o Seu Zé Vicente?”. Ele respondeu: “Sou”. Eu esclareci: “Sou seu neto” E ele: “Filho de quem?”. Depois das explicações, passamos o dia juntos. De manhã, ele me contou histórias de sua vida e de meu pai. Depois do almoço, dormimos cada um em uma rede, na sala. Depois do cochilo, ele, esquecido, repetiu as histórias da manhã. No ano seguinte, meu avô morreu.

Hanna Flávia Saito

Jornalista e filósofa. Tradutora e parecerista editorial. Casada com Sampa, arrebatada por Natal. Missão na Carta: entrevistas e artigos sobre literatura, cinema, música e vida cultural em geral. Não encontrou motivos convincentes para ter uma conta no Facebook.

One Response

  1. Brunno disse:

    Oi, Hanna. Meu nome é Brunno Mariano Campos. Conclui um romance, o inscrevi no concurso literário do sesc. Você poderia dar uma olhada nele, pra das sua opinião?VC tem face? Valeu! Agradeço a atenção.

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