Rio Grande do Norte, quinta-feira, 28 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 12 de maio de 2016

Agora vai

postado por Beatriz Madruga

Menina, finalmente, né. Finalmente. Minha vida mudou um pouco depois que começou esse negócio de impeachment, ficou tudo mais complicado, mas eu entendo e aceito também, acho mesmo que precisava. Eu agora tenho que passar o dia inteiro em frente a Globo News para conseguir assistir a tudo quanto é sessão da Câmara e do Senado, tenho que ver todos os discursos. Não entendo nenhum, é claro, né mulher, só entendi mesmo naquele dia que todo mundo ia dizer que votava sim. Quase todo mundo, né? Porque tem uns que… Pelo amor de Deus. Os discursos aquele dia consegui entender, foi mais fácil. Aliás entender, entendi assim em todos os sentidos né? Entendi o que eles diziam e por que eles diziam aquilo tudo. “Pela minha família, pelos meus filhos”. É claro! Entendo completamente isso.

Porque, veja, eu passo o dia inteiro assistindo Globo News e recebendo notícia no Whatsapp. Não é bem notícia, é verdade, são imagens com frases. Meu filho disse que tem um nome pra isso. Nene? Néne? Pois eu recebo e compartilho o tempo todo. O tempo todo! Muito ocupada, menina. Mal dá tempo de trabalhar. Ontem mesmo não trabalhei. Muito ocupada torcendo pelo impeachment. Mas é nos meus filhos e na minha família que estou pensando! Assim como todas as famílias (das pessoas de bem, pessoas de bem!!!).

Porque agora estou assim mais do que antes: preocupada com o futuro da minha família, dos meus filhos, com a minha velhice, com a nossa velhice, afe maria. É por isso que aquele dia todo mundo foi votar sim dizendo que era pela família, você entende? Você imagina o que vai ser da gente se essa mulher não sair? Um horror. Ave Maria, um horror.

Ontem quando passei em frente ao shopping, você já viu?, menina, demais!, ontem tinha uns trinta: esse povo que não toma banho, que fede, que vende drogas, digo, bijuterias. Parece que não é bijuteria, é “arte”. Uns negócios com umas penas, uns círculos com umas redes, umas coisas horríveis. Agora tá assim, tão tudo lá, o dia todo. Ontem tinha uns quarenta. Na universidade a mesma coisa, meu filho disse. De vez em quando ele chega em casa com uma “arte” nova, que comprou na universidade. Não sabia que universidade era lugar pra isso, mas ele disse que é, que é comum demais. Já pensou? Fico pra morrer. A universidade cada dia mais cheia de comunista.

Por isso que esse governo tem que sair, por isso que essa mulher tem que cair. Meu Deus do Céu. Ninguém vê? Essa comunista e esse monte de comunista e esses alunos universitários comunistas, todo mundo querendo que a gente seja comunista? Uma ditadura, minha filha, vai ser isso que vai ser! Uma ditadura igualzinha naqueles países daqui, daqui vizinho, Colômbia, é? Pois aqui vai ser igualzinho uma Colômbia! Cheia de comunista.

brasil_inteiro_grita_fora_dilmaTem que sair. Comunista tem que sair, tem que terminar essa esculhambação. Esse povo roubando, querendo nosso dinheiro pra tudo. Eu não votei nela, né? Votei no que ficou em segundo lugar. Por mim assumia ele, certeza. Porque não quero mais corrupção nesse país, mulher, afe! Tanto roubo. Foi só esse partido entrar no poder e o Brasil virou essa esculhambação comunista, esse Equador cheio de Che Guevara. Deus me livre. Antes não tinha isso. Antes não tinha inflação, também, cê lembra?: a gente ia no supermercado com 50 reais e voltava com comida pro resto do mês. O salário mínimo também era ótimo, dava pra ter empregada em casa todo dia naquele tempo. Hoje não dá. Hoje tem que dar mais de mil reais pra uma pessoa vir trabalhar na casa da gente. Isso é comunismo, menina. Dos pesados!

Ainda bem, viu. Ainda bem que vai terminar. Assim que ela sair, o Brasil se livra de todos os problemas, menina, vai ser tudo muito melhor: sem roubo, sem corrupção, sem inflação, sem Bolsa Família, sem esse povo horroroso vendendo brinco de pena na porta do shopping, na porta da universidade, sem esses meninos querendo ser comunistas só porque entraram na universidade… Ainda bem. Vai resolver tudo. Eu não vejo a hora. Eu não vejo a hora de ver o Brasil quando ela sair, quando ela cair.

Beatriz Madruga

Bia formou-se em Psicologia, mas até hoje não sabe por quê. É estudante de Letras. Prefere ler e escrever a conversar. Em 2015, publicou "Aos Pedaços, Com Tudo" pela Jovens Escribas.

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