Rio Grande do Norte, sexta-feira, 19 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 7 de junho de 2016

Esconde-esconde

postado por Alice Carvalho

A primeira vez em que eu me apaixonei na vida foi aos 8 anos por um colega de turma. “Gabriel Pereira Pinto Carvalho” tinha o mesmo sobrenome que o meu e por isso toda turma dizia que éramos casados ou irmãos. Eu e Gabriel Pereira Pinto Carvalho éramos inseparáveis, até que a mãe dele (que eu não lembro o nome, mas deve ser uma Pereira Pinto ou uma Pereira Carvalho) resolveu mudá-lo de colégio. Chorei copiosamente por uma semana. Acontece.

Todas as minhas amizades são grandes amores e todos os meus amores terminam em amizade – e quando isso não acontece é pelo fato de que talvez não tenha sido amor desde o começo. E dói.
Tem algo pior do que forçar uma amizade onde antes houve paixão? Quem é louco de habitar tranquilo os destroços de um incêndio?

Hoje não me queimo à toa. Não mais. Apesar da pouca idade e do pouco juízo, poucas são as pessoas que me fazem querer ir pra perto do fogo – e quando eu vou pro fogo vou de cabeça, quero mesmo é virar brasa. Não sei ser mais ou menos, não sei ser labareda ou chama acesa de um fósforo vagabundo: sempre quero danos irreversíveis e irreparáveis de 3º grau, pra marcar a pele igual tatuagem.

Lembro quando eu resolvi passar uns dias descansando num hotel fora da cidade pra repensar a vida e – pasmem – repensaram ela por mim, via telefone mesmo, um adeus bem bruto e seco.  Saindo do quarto meio bêbada e chorosa eu dei de cara com Gabriel Pereira Pinto Carvalho.

A gente se esbarra eventualmente, tem sempre gosto de TV Globinho e Toddy esses encontros. A cada milésimo de segundo que se passou entre o nosso “tudo bom?” uníssono eu senti muita falta da simplicidade infantil: quando a gente não queria mais jogar vídeo game, íamos brincar de massinha ou desenhar ou um se escondia pro outro achar. Rolava um revezamento até: ora eu procurava, ora ele. Sem cobranças, sem ego, sem uma amiguinha do 4º ano com uma coleção de hidrocores mais interessantes que os meus pra atrapalhar.

Eu queria hoje, nessa semana chuvosa em que Natal se fantasia de Londres e a gente tira do fundo do armário os casacos antigos, que nenhum ser humano me tirasse do esconderijo pra brincar só por três rodadas. Hoje eu queria brincar a tarde toda até cansar e valendo tudo, inclusive salve-todos.

Tá combinado assim? Será que pode?

98, 99, 100… PRONTOS OU NÃO, LÁ VOU EU!

Alice Carvalho

Atriz, comediante stand-up e escritora, Alice escreve às terças (e também em terceira pessoa).

Comments are closed.

Artes

Crônica de Papel Higiênico

Artes

Lançamento: Uma noite de contos, poemas e HQs