Rio Grande do Norte, sexta-feira, 19 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 10 de novembro de 2016

Não quero mais escrever

postado por Beatriz Madruga

O problema não foi que eu criei a obrigação nem o vínculo. Não foi que fiquei com obrigação demais, trabalho demais, provas a fazer ou vida demais pra pôr em dia. O problema não foi que faltou o tempo nem a criatividade (até porque essa sempre falta, mas eu escrevo mesmo assim). O que aconteceu foi que realmente parou de fazer sentido.

Agora que tenho tido compromissos que incluem o papel de alguém que escreve, não quero mais escrever. Não existe vontade nem motivo pra escrita, mesmo que haja ócio e até mesmo a ideia. Parou de fazer sentido escrever, porque também tem parado de fazer sentido falar, ser ouvido, ser lido, discutirmos.

Pensei, sim, em escrever um texto inteiro sobre a proposta de mudança no ensino médio. Escrevi um texto inteiro, na cabeça, não só sobre a proposta, mas sobre as falas do ministro, que reduzem a educação à mera produção de mão de obra. Também escrevi um texto, na cabeça, escrevi metade, acho que foi metade, sobre a quantidade de pessoas que perguntam quando que vou casar e a quantidade de vezes que tenho respondido “quando pararem de perguntar”. Pensei em escrever sobre formar-se professor, desformar-se psicólogo, sobre ir ao supermercado e sobre os nutricionistas acreditarem piamente que vamos seguir uma dieta que não tem pão francês. Mas não fiz texto nenhum de verdade.

Nem sei quando vou voltar a fazer.

Fiquei confortável entrando numa letargia intelectual que inclui não ler jornais nem revistas, não ler notícias longas, não entrar em discussões, também nunca ler discussões, fugir do assunto sério para assistir Gilmore Girls, e quando por acaso estou numa roda de conversa que incluam assuntos imobiliários e profissionais, devaneio olhando pras cutículas das unhas dos pés. Inclusive dificilmente estou em rodas de conversas, porque parei de praticar esse esporte, o de se socializar.

Ficou mais confortável assim. Meu voto não valeu de nada, o novo presidente que ninguém quer faz o que quer e a gente só esperneia, só vê, a câmara de vereadores da minha cidade é a mesma desde que José de Alencar escreveu Senhora, formar-se professor e fazer a vida como professor pode ficar ainda mais difícil do que já é, mas não tem muito o que dizer. Nunca tem muito o que dizermos nem fazer sobre o que temos vivido. Sinceramente. Não consigo mais me movimentar e achar que escrever e ser lida (nem que seja por mim mesma) vai ser algo bom, porque não produz nada de bom dentro de mim mais. Pra escrever é preciso sentir algo antes e depois. E ultimamente não tenho sentido quase nada.

Só uma vontade de não escrever, não dizer nada, ouvir pouca coisa, e ler uma literatura distante da gente. Vou fechar esse caderno agora, não sei se um dia abro de novo.

Beatriz Madruga

Bia formou-se em Psicologia, mas até hoje não sabe por quê. É estudante de Letras. Prefere ler e escrever a conversar. Em 2015, publicou "Aos Pedaços, Com Tudo" pela Jovens Escribas.

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