Rio Grande do Norte, sexta-feira, 19 de abril de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 13 de agosto de 2017

Cinco motivos que explicam porque educação é o melhor negócio de todos os tempos

postado por Wilson Ferreira

O mundo das altas finanças está de olho no ensino superior brasileiro: empresas de private equity, banco de investimentos e fundos de investimentos nacionais e estrangeiros estão por trás dos grandes grupos da oligopolização do setor. Para justificar a tendência consultores, analistas, conselheiros e gestores falam em “inserção do ensino superior no mundo global”, “internacionalização do ensino superior”, “cooperações vencer-vencer” etc. Como sempre, a verdade está em outra cena: descobriram que a educação é o melhor negócio (legal) de todos os tempos. Diferente de muitos outros negócios, a sua mão de obra (a resiliência dos professores), sua “clientela” (alunos que tendem a esquecer) e o seu insumo (a liquefação do conhecimento em informação) são bem peculiares. O que tornam as possíveis resistências, críticas ou até mesmo ativismos fáceis de serem geridos. Vamos listar cinco peculiaridades que tornam a educação um negócio imperdível: a folha de parreira da titulação, a Síndrome da Vida de Inseto, a amnésia discente, ausência de espírito de corpo e o fetiche da “uberização” tecnológica da educação. 

Certamente a imaginação artística não é páreo para o surrealismo daquilo que chamamos por realidade. Nos anos 1970 Raul Seixas cantava que a “solução é alugar o Brasil!”. Só que o cantor não viveu o suficiente para ver o quanto sua crítica estava aquém da imaginação fértil de políticos e economistas dessas plagas.

O Brasil está sendo é vendido mesmo: aeroportos, usinas, distribuidoras de água e energia, riquezas naturais, partidos políticos e, por que não,… universidades privadas?

Esqueça aqueles donos de faculdades folclóricos, membros de conselhos de clubes de futebol, donos de antigos cursos de admissão ou de escolas técnicas e supletivos… e alguns até se aventuravam a vender máquinas caça-níquel em favelas de São Paulo…

Esqueça aqueles empresários locais e provincianos que pensavam em lucros extraídos da produção em larga escala nas chamadas “faculdades de boca de metrô”, “universidades pé-de-chinelo”, “fábrica de diplomas” etc.

Esqueça de todos eles, porque o ensino superior privado ficou na mira das fusões e aquisições, incorporações e abertura de capitais de fundos de investimentos estrangeiros – com a participação de empresas de private equity, banco de investimentos e fundos de investimentos como UBC Pactual, GP Investimentos, Capital Group (EUA), Fundo Pátria ou a KKR (EUA) participando em grandes empresas educacionais que oligopolizam o ensino superior brasileiro como a Kroton Educacional (Anhanguera, Unopar etc.), a norte-americana Laureate International Universities (Anhembi-Morumbi, FMU entre outras).

 

Efeitos imediatos

Os efeitos do interesse no ensino superior desse mundo das altas finanças já são sentidos. Só para ficar no exemplo mais recente: a demissão de 220 professores da FMU/SP no mês de junho e a reestruturação curricular que reduz linearmente 25% das aulas.

Sem falar no caso desse desafortunado blogueiro, demitido no ano passado (depois de ter perdido o prazo de validade, após 30 anos de casa) da Universidade Anhembi Morumbi, cujo curso também sofreu redução curricular de 25% – modus operandi Laureate. 

Embora consultores, analistas, conselheiros, gestores e toda essa miríade novos cardeais da administração e da chamada ciência econômica falem em “inserção do ensino superior no mundo global”, “internacionalização do ensino superior”, “cooperações vencer-vencer” entre outros eufemismos para explicar essa mudança estrutural no ensino superior, na verdade escondem a descoberta de que educação é o melhor negócio de todos os tempos – principalmente por causa da natureza peculiar da mão-de-obra principal (professores), sua clientela (alunos) e o seu insumo (conhecimento).

 

Escolástica versus capital global

Confesso que acreditava que a universidade, por descender diretamente do método escolástico medieval, seria a última coisa que atrairia o interesse do grande capital dos global players.

Razão pela qual esse humilde e ingênuo blogueiro optou pela carreira acadêmica – acreditava que, apesar da exploração da mais-valia absoluta perpetrada pelos capitalistas locais, pelo menos o insumo trabalhado pelo professor ainda resistiria às formas de quantificação da linha de montagem – o professor era explorado, mas não despojado do seu saber.

Porém, após as incansáveis pesquisas qualitativas, prospecção de mercado, análises de perfis sócio-psicográfico, benchmarking, público alvo e testes de conceito, os novos demiurgos do ensino superior vislumbraram o tesouro que tinham em mãos: um negócio de natureza psicográfica, social e ideológica bem especial.

Vamos listar cinco traços do mundo acadêmico que devem ter feito crescer os olhos dos gestores:

 

(a) A folha de parreira da titulação

Professores ostentam orgulhosos nas suas Plataforma Lattes, seus títulos de Mestrado e Doutorado, livros ou artigos publicados em revistas científicas. Nos processos de reconhecimento de cursos nas universidades privadas ou na proximidade das visitas dos técnicos do MEC e avaliações do Enade, coordenadores correm atrás da produção científica dos professores.

Logo os novos professores descobrem aquilo que os mais antigos melancolicamente já perceberam: o divórcio entre a pesquisa científica e conhecimento adquirido no cumprimento dos créditos na pós-graduação e o trabalho didático exigido em sala de aula.

Se na pesquisa o professor lida com o conhecimento (produção científica), em sala de aula, através da chamada “metodologia ativa”, transforma-se em gestor de efeitos de conhecimento (informação) – o ofício do professor primeiro é engessado e depois diluído no teach-learning previsto minuto a minuto em planilhas Excel.

Mas nos anúncios publicitários dessas universidades falam em professores “mestres e doutores” como se isso quisesse dizer alguma coisa na prática de ensino universitária.

A verdade está em outra cena: titulações acadêmicas funcionam muito mais como folhas de parreira para esconder a nudez dessas instituições: o abismo entre a Ciência e a tecnicização do conhecimento reduzido por slogans como “empreendedorismo”, “foco na criatividade”, “pro-atividade” etc.  

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Wilson Ferreira

Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi/São Paulo na área de Estudos da Semiótica. Pesquisador CNPQ do grupo de pesquisas "Cinema e Sagrado no Cinema e Audiovisual e autor dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus. Editor do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" sobre confluências entre Gnosticismo e Sagrado no Cinema, Audiovisual e Cultura Pop em geral.

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