Rio Grande do Norte, sexta-feira, 29 de março de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 29 de janeiro de 2018

Não é sobre corrupção: os crimes de Lula e sua condenação política pelo judiciário

postado por Leonardo Dantas

Por Juary Chagas

O julgamento de Lula é o tema que tem dividido opiniões no Brasil atualmente. De um lado, os que torcem pela sua condenação mesmo sem ter clareza de que crimes jurídicos Lula cometeu e, de outro, os que querem sua absolvição baseados na ideia messiânica de que ele foi (e ainda pode ser) o salvador do Brasil.

Este texto não se alinha a nenhuma das duas torcidas. Mais importante que isto, acredito, é fazer uma análise política do processo que produziu esta situação no país e como isso pode afetar a vida dos trabalhadores, de gente “comum”. Sem entender isso, não é possível se posicionar corretamente.

O crime político de Lula e quem pode julgá-lo

Para se condenar alguém, é preciso antes de qualquer coisa identificar os seus crimes, trazê-los à tona, revelá-los como verdadeiros e reais.

Partindo desse pressuposto, posso afirmar que Lula cometeu sim um crime. Na minha opinião inclusive um crime de muito maior gravidade do que os que ele está sendo acusado pela Operação Lava Jato.

Lula cometeu um crime político contra a classe trabalhadora – a classe de onde ele veio, que por sua luta o transformou na liderança que ele é. O crime: prometer que iria transformar a vida dos seus irmãos de classe governando o país aliado aos seus mais declarados inimigos. Buscou a apoio do grande empresariado, dos bancos, prometeu respeitar os contratos. Depois, aliou-se com Sarney, Renan Calheiros, Maluf, Collor. Transformou o PMDB no principal aliado governamental e entregou a primeira linha de sucessão do governo Dilma a Michel Temer.

Lula (Foto: Acervo)

Durante um período ofereceu algumas concessões aos trabalhadores e ao povo pobre? Sim, mas somente quando a economia permitiu e numa escala muito inferior aos aliados do andar de cima. As medidas neoliberais de pagamento religioso da dívida e vultosas isenções fiscais fizeram com que banqueiros e empresários nunca lucrassem tanto. O resultado: bastou o primeiro abalo da economia mundial sobre o Brasil para que, já no Governo Dilma, as políticas compensatórias começassem a virar pó. A piora nas condições de vida trouxe instabilidade e descrédito ao governo petista, até que a classe dominante decidiu descartar o PT para governar sozinha.

Ainda que não admita que foi essa estratégia que abriu caminho para a trágica situação que temos hoje, do crime político da conciliação de classes, Lula é réu confesso. Não foram poucas as vezes que se manifestou publicamente favorável a acordos com os que ele na verdade deveria combater.

“A questão é que o crime de conciliação de classes não é juridicamente punível”.

A questão é que o crime de conciliação de classes não é juridicamente punível. Não por esse judiciário. Isto não está disposto em leis. O crime de conciliação de classes é um crime político, só pode ser julgado por um “tribunal de classe”, onde os trabalhadores (a classe traída) são o seus juízes.

Portanto, se você está indignado (e com toda razão!) com o fato de Lula ter traído os interesses históricos de classe que um dia ele jurou defender não é correto usar o poder judiciário como atalho para “fazer justiça”. Aliás, nem é correto, nem eficaz. Esse acerto de contas, de um crime político, só pode ser feito com política, libertando os trabalhadores da nefasta influência dessa estratégia de conciliação. Enquanto isso não foi feito, nem mil tribunais de juízes togados poderão fazer justiça. Ainda que o condenem por crimes “legais”, sua influência conciliatória permanecerá viva, pairando sobre as mentes dos trabalhadores.

As acusações sobre Lula e seletividade da Lava Jato

Dizer que Lula só pode ser julgado por seus crimes políticos contra a classe trabalhadora não quer dizer que ele está acima das leis.

Ainda que considerando a máxima marxista de que o judiciário é um órgão de classe, não se pode negar em absoluto o conjunto normativo vigente, inclusive porque parte dele (o pouco que há de progressivo) é resultante da consagração legal de vitórias da luta e da mobilização social. É isto que explica, por exemplo, que existam dispositivos legais que consagram liberdades democráticas e punem criminosos do colarinho branco. Por isto, Lula não está livre desse tipo de julgamento. Nenhum representante político acusado de corrupção está.

Portanto, a discussão não pode se dar sobre a opinião de que Lula é ou não um corrupto. As pessoas, obviamente, têm suas opiniões, suas convicções. Eu também tenho as minhas. Mas um julgamento não se faz por convicções, como quer o Procurador da Lava Jato, o Dallagnol. Um julgamento se faz com provas.

É aí que se percebe, desde o princípio, a seletividade da Operação Lava Jato. A Operação Lava Jato surge como uma suposta tentativa de fazer uma devassa na corrupção incrustada no Estado capitalista brasileira, tendo como centro a Petrobrás. Investiga esquemas de superfaturamentos que privilegiaram empreiteiras. Estas, em troca dos contratos superfaturados, liberavam propinas, vantagens e financiamentos eleitorais.

O problema é que em toda essa investigação, até o momento, nenhuma prova contundente atesta que Lula chefiava esse esquema. Mais uma vez, repito, ele pode até ser culpado (inclusive destas acusações feitas no âmbito da Lava Jato), mas como chegar a essa conclusão de maneira tão rápida e quase sem indícios?

O elemento “mais contundente” da acusação foi o famoso apartamento triplex, que até hoje não se conseguiu uma filmagem, uma conversa gravada, um documento que comprovasse a posse de Lula sobre o imóvel. Nada de provas, apenas convicção – formada pela oitiva de testemunhas que viram Lula no elevador do prédio. O outro elemento, igualmente frágil, são as contribuições da JBS (denunciadas por meio de delação premiada) para a candidatura petista das eleições de 2014. É no mínimo estranho que seja Lula, que governou até 2010 (e não o atual presidente da República), o indivíduo a responder por esta contribuição, quando na verdade quem recebeu o dinheiro foi a chapa Dilma/Temer.

Como explicar, por exemplo, que Temer e Aécio ainda não foram condenados com a quantidade de imagens, gravações e delações que se tem notícias e Lula foi?

Como explicar, por exemplo, que Temer e Aécio ainda não foram condenados com a quantidade de imagens, gravações e delações que se tem notícias e Lula foi? Como não questionar que menos de 2 meses depois da sentença dada por Sérgio Moro (num processo que acumula centenas de páginas) três juízes praticamente em pleno fechamento do recesso judiciário proferem um julgamento saltando dezenas de outras demandas já existentes e com votos cujas laudas já vieram prontas para a sessão?

Aécio Neves e Michel Temer (Foto: Acervo)

Isto só se explica pela politização do judiciário resultante da crise aberta no país e como resposta das necessidades do golpe parlamentar. Ao remover o Governo Dilma pelo impeachment mas não ter se conseguido destruir politicamente o PT (que retoma influência a partir do aprofundamento da agenda neoliberal de Temer), se fez necessário apoiar-se no instrumento de poder até então menos desgastado (o judiciário) inviabilizar a candidatura de Lula, líder nas pesquisas. Assim a Lava Lato conclui a sua obra, que pode ter como ato final a prisão do ex-presidente.

Por que a condenação de Lula pela Lava Jato ameaça a democracia?

Não é necessária nenhuma erudição para entender o que está acontecendo. Você aceitaria ser condenado num julgamento a toque de caixa e sem provas? Certamente não.

Então porque aplaudir, independente do que você ache sobre Lula, um julgamento nestas condições? O que se ganha com isso?

Não é preciso ter qualquer compromisso político com Lula, nem defender sua estratégia, ou tampouco votar nele para entender que algo está errado. Se estão julgando um ex-presidente por razões políticas dessa forma o que impede de fazerem muito pior com aqueles que inclusive nunca estiveram nos palácios que Lula transitou?

“Não é preciso ter qualquer compromisso político com Lula, nem defender sua estratégia, ou tampouco votar nele para entender que algo está errado”.

E não é aceitável o argumento de que já não vivemos numa democracia ou que nas periferias sempre foi assim. Isto é hipocrisia ou, na melhor das hipóteses, ingenuidade. Porque se é verdade que a democracia que vivemos é falsa, é também verdade que pode piorar.

A condenação de Lula, nestes termos, não é sobre corrupção. Ela apenas vai dar mais força ao judiciário para desviar-se do seu papel formal e cada vez mais atuar politicamente. Ou se constrói uma grande mobilização – que deverá necessariamente se articular com as lutas contra as reformas do governo – ou as já poucas liberdades democráticas existentes estarão ameaçadas.

Está mais do que na hora dos trabalhadores colocarem sob o mesmo alvo do Governo Temer e do Congresso Nacional esses semi-deuses de toga.

Juary Chagas é assistente social e bacharel em Direito. Autor do livro “Nem classe trabalhadora, nem socialismo: o PT das origens aos dias atuais”. Dirigente do MAIS no RN.

Leonardo Dantas

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