Rio Grande do Norte, segunda-feira, 06 de maio de 2024

Carta Potiguar - uma alternativa crítica

publicado em 22 de março de 2013

Comentário sobre o texto “O Boicote à Cantina…”

postado por Daniel Menezes

A aluna de história Luci Araújo fez um belo texto a respeito do boicote à cantina, uma versão desidrata de revolução das coxinhas.

Link:

O Boicote à Cantina, ou com quantas letras se escreve uma “revolução”

 

Resolvi fazer um comentário despretensioso apenas no meu facebook. Depois de algumas provocações. Torno o texto público aqui para todos.

MEU COMENTÁRIO

Cara Lucci,

parabéns por jogar luz sobre o tema e fazer surgir estes fascismos do dia-a-dia. Consumo café e salgados lá há anos e nunca presenciei nenhum momento de tratamento inadequado por parte da microempreendedora dona da concessão, que permite vender legalmente comida nas dependências da UFRN.

Você fez surgir com muita competência a questão humana. Eu gostaria de falar um pouco mais sobre o econômico e o institucional, que deveriam ser motivo de um pouco mais de reflexão. No final, uma pequena menção sobre como o acontecimento mostra o quanto o dito movimento estudantil, muitas vezes, patina na maionese:

01. O preço mais elevado da cantina não é o resultado de uma simples questão individual, mas do recolhimento de impostos, o que os ambulantes não fazem. Além disso, a senhora que alojou seu comércio naquele local teve de participar de uma licitação, o que a obriga, dentre outras coisas, manter um critério de qualidade que os ambulantes não mantêm (o café expresso da cantina é infinitamente melhor do que o vendido pelos ambulantes, além do salgado, da torrada, etc) e pagar uma taxa pelo uso do espaço à UFRN. São condições objetivas que tornam o preço da cantina mais elevado e não a suposta atuação malévola de alguém. A senhora que lidera a lanchonete ainda arca com o custo trabalhista das funcionárias e gera, conforme você bem analisou, três empregos (acho difícil elas permanecerem depois desse fascismo que vem sendo operado por lá, que faz lembrar o filme “A onda”).

02. Acho justo existir mais modalidades de comércio de alimentos. Alias, há um projeto da UFRN de ampliação daquele espaço – aproveitem e pressionem pela rápida construção. Porém, a possibilidade de vender comida deve ser aberta a todos e não apenas aqueles que já comercializam de modo irregular salgados, açai, café, etc, no setor II. Deve existir uma seleção mínima, ou concorrência, como queiram chamar. Do contrário, vira privilégio, pois se trata de um espaço público e há muita gente querendo, legitimamente, trabalhar e abrir seu pequeno comércio por lá.

03. Se há uma insatisfação e me parece que ela é legítima, as instâncias debatedoras do caso são as do CCHLA, da REITORIA, etc. Que seja feita uma comissão dos estudantes para dialogar – de modo reflexivo e sem espasmos autoritários como colocar o dedo na cara dos representantes das instâncias – com os agentes regulamentadores, que acredito que terão interesse em resolver a questão.

04. Para finalizar, suspeito que após toda a regulamentação, fiscalização da qualidade e pagamento de impostos, os novos vendedores de comida selecionados acabarão vendendo os lanches num valor semelhante aquele já praticado pela cantina. Não há muita mágica, nesse sentido. A única possibilidade diferente dessa seria a UFRN subsidiar a refeição, mas acho difícil a UFRN querer custear coxinha e coca-cola. No mês passado, jantei no Restaurante Universitário da UFRPE e vi alunos pagando com fichas cedidas pela instituição. Num dia foi macaxeira com frango e no outro cuscuz com salsicha. Acho que o caminho é esse.

05. Por fim, fiquei muito triste quando soube que alguns alunos se referiam a dona da cantina, chamando-a de “Vadia”.

06. Fiquei com a impressão de não me relacionar com alunos de geografia, história, gestão de políticas públicas, ciências sociais, mas com meninos mimados, que ficam procurando luta de classe, inimigos nos lugares mais absurdos. Procurando uma causa para chamar de sua.

07. Querem adversários reais? Que tal olhar para o mapa da violência e os dados que vêm tornando Natal e a região metropolitana um espaço cotidiano de assassinatos não investigados pela polícia?

08. Querem discutir questões relevantes? Esse ano será de revisão de plano diretor e de busca para planejar serviços para a região metropolitana. Que tal os centros acadêmicos se reunirem para qualificar o debate?

09. Querem um “burguês” para criticar? Leiam os relatórios do Ministério Público do Trabalho sobre as fábricas de roupas no RN. Condições laborativas insalubres, atestados médicos que não são aceitos para abonar faltas e até o ato de obrigar trabalhadoras a tomar anticoncepcionais vêm dando a tônica da luta que o MPT trava quase sozinho…

10. Os estudantes são atores legítimos e apresentam toda uma história. Infelizmente, às vezes, se enrolam na pequena política, se anulando como agente qualificador das lutas. Não subestimem a força de vocês enquanto movimento social gerador de uma agenda inclusiva para a cidade. Vocês podem muito mais do que isso.

Daniel Menezes

Cientista Político. Doutor em ciências sociais (UFRN). Professor substituto da UFRN. Diretor do Instituto Seta de Pesquisas de opinião e Eleitoral. Autor do Livro: pesquisa de opinião e eleitoral: teoria e prática. Editor da Revista Carta Potiguar. Twitter: @DanielMenezesCP Email: dmcartapotiguar@gmail.com

Comments are closed.

Política

O que nos mobiliza no #BoicoteAcantina

Política

Rosalba, o teatro e suas gafes